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/J i ^ fROPER^TY OF
JMnries.
»S>7
BKmnUA POLimO-LITTERARIA
DO
VISCONDE DE ALMEIDA GARREH
f • ;■ .
BIOGRAPmA
POLITIGO-LIT TIRARIA
DO
VISCONDE DE ALMEIDA GARRETT
POR
DOMIMOS MANUEL FERNANDES
Garrett, pela yariodade dos seus
«scriptos, e pelo seu «gosto mara-
vilhoso em escolher os assump-
tos nacionaes revestindo-os de
formas portnguezas, não é só
um poeta, é uma litteratura intei-
ra.
Poetas d'este vulto, reinam sós
e nunca deixam herdeiro.
Rebello da Silva.
O nome do visconde de Alme^
da Garrett, é tanto para atear o
enthusiasmo em ({uem o escuta,
como para infundir um respeito-
so temor em quem o evoca.
Não se passa por diante d 'es-
sas figuras ou dos seus monu-
mentos sem inclinar a fronte ou
dobrar o joelho.
Mendes Leal
>fGA.8.H.E>H
LISBOA
TVP. LUSO-BRITANNICA de W. T. Wood
t
ííDCCCijnm
AA4 30
1973
* f ' ?206
Mi f
2)e€[iea e ^ç-iuaaia
o A%%10%
í í '
PREFACCÂO
Vão já decorridos dezoito para dezeDoye ao-
nos que desapparecea do seio dos vivos um dos
homens que inais ennobreceram n'este século a
pátria de Luiz de Gamões.
Foi o nobre visconde de Almeida Garrett, sol-
dado leal e esforçado da liberdade, escriptor dis-
tinctissifflo, orador afamado, e poeta quasi digno
de uma coroa de gloria, como aquella que ornou
a fronte soberba do incomparável cantor das glo-
rias portuguezas.
Nós que sentimos ainda, o coração apertado en-
tre as garras da vehementissima saudade d'este
génio privilegiado, que a sepultura guarda, yi-
Unwmiijof
ARTE, oc. ..,;■.■ 1.,^,,...-
mmm. politico-litteraria
DO
YISCONDE DE AOIEIDÁ GARREH
XII
eamifihar na estrada* árida da gloria; iadiffn^te
á intriga, desconhecendo a inveja, vê, ouve e ca^
la-sei A par d^aquelle grandioso génio a quem as
maiores intelUgencias do mundo prestam homena»^
gem, recordo^-me d'esses talentos mesquinhos»
minados d'inveja, qoasi desconhecidos, que em-
bríagando^se de encantadoras illusões, se julgam
iltustres favoritos dos filhos da Memoria, e ee^
gos d'orgttlbo, ^Bspresam os que lhe s3o igoaes
ou superiores: desgraçados! Se por um instante
a opinião publica òs eleva, ella mesma offenden-
do-^se da desmedida altivez dos seus validos, os
arremeça ao esquecimento.»
Ora, eu apesar de uão ser talento nascente»
nem coisa qpe a isso se assemelhe, senli-me enso*-
berbecer ao gostar as respeitosas phrazes que o
estudioso, mancebo dirigia a esse distincto littera^
to, digno d'um dilatado viver, para que aiigmen-
tem òs primorosos trabalhos que a sua penna
gloriosa costuma offerecer-nos ; e resolvi com^
metter mna temeridade! Lembrei-me que um ho-
mem tão cheio de grandezas d'alma e coracSo»
como o sr. Â. Herculano, n3o deixaria de prestar
attencão aos vagidos de um recem-nascidólitterario»
como eu; e ani|[iado por essa fé, escrevirlhe uma
carta, perguntando-lhe quasi suscintameirteaideia
XIII
qad formava dos trabalhos a que bavia dado o
fim.
Passados algnDS dias, recebi pelo correio uma
atte&ciosa carta do talentoso historiador, em que
me patenteava as grandes difficuldades com que
ea tinha a luctar; para desempenhar este grande
^cargo; qne era mais para Francisco Gomes do
Amorim, péla circumstaneia de ter vivido intima-
mmie com Garrett^ do qqe para outro qualquer.
Não met aivergonha; honra-me muito a carta
do sr. Alexandre Herculano. Abstenbo-me de lhe
dar publicação no primeiro higar do meu pobre
livro, por dois motivos bem palpáveis. O primei-
ro è evictar os^murmufios da inveja jerados n'algum
c(»'ação menos puro, que porventura me chamas-
sem vaidoso, o se atrevessem a dizer que eu me
abrigava à sombra do actual governador da nos-
sa província litteraria para me livrar da criticai o
segundo, e a meu ver mais sensato, é conhecer
08 erros que commetti n'esle trabalho, e não que-
rer n^oapor sombras, ver. o nome do auctor de
Eurico motejado a par do meu, por algum criti-
co que conheça ainda menos do que eu, a maté-
ria de que estou tractando.
Ha muitas inexatidões no meu volume ; faço
aqai * publica conOssão d'ellas, para descargo de
XIV
consGieacia. NSo ânvoive ad «ondições que s6 eú*
gem nos trabalhos d'esta espécie, mas estou cser*^
to, ^e o pouco merecimento que encerra/ pdde
satisfazer • em parte, o desejo d'aqueUe3 que ba
tantos annos esperam em tSo, pelas memorns
biographicas qm Aifiorim e Bebetlõ prcmieUieram
pubticar, quando o corpo de Garrett ainda se
achava inteiro na sepultura.
Agora que me resolvo a dár eetas poucas^ páH
ginas ao legado de Gruttômberg, sreu <> primeiro
a declarar que este pensamento, lançado á roda
dos expostos pela doença de Amorim, podia ^r
inscripto nos annaeâ das pubUcaç5es com epilogo
mais feliz do que o ioseu, e com menos fadigas
também; do que eu tive para liar este medito de
phrazes ãesc&tadm, como dizem oe críticoâriÉjOr*
dazes, quando sentem deseer ao coração o acre da
inveja, e bradar-lhè : Mèita esêe imeetú, quê nos
vem oé zumbir aò9 cmidoé t
bestes se me caluraniarèm, digo-Ihes com antèM
cipa(^o que escrevam uiúa biographia melfaiDr, e
m'a enviem depois, para eu por ella, corrigir õs
erros qSe commetti na minha: aos qoe blasphema-^
rem d'ella. só pelo gostinho de dizer mal, e a âe^
primirem por nSo a entenderem, dou-lbes um con-
selho que nSo devem de^resar: leiam Cmios Ma--
XV
gm, e outras obras qae foram escriptas expres-
samente para alguDs ignorantes qae por nossa
desgraça abi andam apregoando luz, e a dar ca-
beçadas, que nem gue a claridade tivesse o no-
me de trevas.
Áquelles que me fizerem justiça recta, e criti-
ca conscienciosa, desde já Ibes agradeço, e pro-
metto arrepender-me dos meus erros passados,
remediar os presentes^ e empregar todas as deli-
gencias para os evictar no futuro.
Se dedico o meu livro ao batalhão litterario
que opera actualmente no campo das lettras, n3o
ponho em vista as honras d'um agradecimento
unanime» nem tampouco escudar-me com elle con-
tra bloqueios merecidos.
Não.
Offereço-o a essa illnstre corporação, porque,
como disse o poeta, quem conhece a ^matéria é
gue a estima, e presando-me eu de estimal-a sem
cpnhecel-a, busco este meio, para provar o res-
peito que tributo aos mestres a quem a consa-
gro.
Lisboa S5 de Março de 1873.
Domingos Mamei Fernandef,
V .
BIOGRAPHIA POUTICO-LITTERÂRU
DO
Víscoide d' Almeida fiarrelt
Ob I qual te yejo
Infeliz pátria I Sortes ta, princesa,
Tu senhora dos mares? Que tyi-annos
As aguas passam do Guadiana? A rooilc,
A escraTidão, lhes traz ferros e sangue...
Para quem?... Para ti mesquinha Lysia j
(Garrett.— Camõeí)
I
João Baptista— da Silva LeitSo— d*Almcida
Garrett, primeiro visconde d'Almeida Garrett, e
primeiro poeta peninsular depois de Luiz de Ca-
mões, nasceu no Porto a 4 de Fevereiro de 17Í9,
— segundo a sua certidão de idade, e a confis-
são d'alguns escriptores vivos e fallecidos, aos
quaes se deve prestar toda a consideração ; — que
tractaram com elle, na infância e na adolescên-
cia, nas terras mais notáveis do reino e ilhas ad-
ALMEIDA GARRETT 2
i8
jacentes, como Angra do Heroísmo, Lisboa, Por-
to^ e Coimbra, onde estudou até os princípios do
aono de 1822; e também no estrangeiro duran-
te os desterros que soílreu, pela simples culpa
de pugnai" pela causa da liberdade, quando viu
seu brilho quasi ofuscado pela nuvem pavorosa
do despotismo, que se desdobrava rápida sobre
ella, e a toldou por fim complectamente ; perse-
guindo sanhuda e temivel, os seus dignos aposto^
los, e arremessando-os pelo direito da força, além
dos marcos da pátria.
Entre os diíferentes litteratos que lêem publi-
cado retalhos da vida <Jo grande poela, (porque
complecta não me consta que se tenha publicado
até hoje) encontram-se tantas divergências na
dacta do nascimento, que hesitei fortemente pa-
ra me decidir a encher as linhas, que deixara
em branco ao principiar estes insignificantes es-
tudos. São taes esses anachronismos como os
que vou citar; uns assignados por pennas vanta-
josamente respeitadas no campo das lettras, ou-
tros anonymos, que asseveram ter nascido Al-
meida Garrett, em 1798, 1801, 1802, e ainda
em 1804 ; dactas absurdamente imaginadas, Ou ti-
radas de documentos duvidosos, e não escriptas
á vista da certidão do baptismo do poeta, que es-
19
tá exarada n'um documenta histórico, concebido
tf estes termos: — João Baptista da Silva Leitão,
d' Almeida Garrett, nasceu no Porto a quatro de
Fevereiro de mil setecentos noventa e nove, e foi
baptizado na egreja Parochial de Sancto Ildefonso,
no dia dez do mesmo nisz e anno. — Os escripto-
res que estão em verdadeira harmonia com a ci-
tada certidão, aos quaes alludi acima, são os Srs.
Latino Coelho n*um esboço da infância de Garrett,
que publicou em hespanhol no primeiro volume
ádi Revista Peninsular, Gomes d'Amorim, nos seus
Cantos Matuiinos, e Innocencio Francisco da Sil-
va, no terceiro volume do seu Diccionario Biblio-
graphico, que veio engrandecer immensamente a
erudito dos constantes ledores do antigo Barbo-
sa Machado. Foram pães de João Baptista d'Al-
meida Garrett, António Bernardo da Silva Garrett,
fidalgo cavalleiro da Casa Real, fiscal mór da sel-
lagem da Alfandega do Pprto, e D. Anna Augus-
ta d' Almeida Leitão, filha d'um abastado nego-
ciante, accionista e deputado da poderosa com-
panhia dos vinhos do Alto-Douro. Sua família era
OFiunda d'um condado dlrlanda e de mui remota
ascendência, que tendo sido perseguida por seus
naturaes por causa de questões de politica ou de
religião, andou errandq muitos annos, sem pão
20
nem abrigo certo, por varias terras da Europa,
como tantas famílias desgraçadas, a qoem os par-
tidos políticos 6 seitas religiosas tem feito mor-
rer ao desamparo entre corações estranhos. Ex-
perimentando sempre a mais inconstante fortuna
durante essa larga o dolorosa peregrinação, e
achando-se finalmente em Hespanba, a desolada
família resolreu^se a transpor as fronteiras de
Portugal, e veio no séquito que acompanhou a
Lisboa a rainha D. Marianna Yictoría, esposa de
el-reí D. José primeiro, e filha de D« Maria Anna
d' Áustria, e de D. Philippe V. Pouco depois de
entrar em Portugal, foram estes infelizes residir
para o Porto.
Depois passou esta famiUa ás ilhas dos Açores,
guiada não sei porque felicidade ou desventura,
e ahi nasceu então António Bernardo, pae do nos-
so poeta. Voltando António Bernardo para o Por-
to, ahi foi contrair os laços matrímoniaes, com a
virtuosa filha do respeitável negociante portuense.
Adquirindo por esta vulgar circumstancia uma
fortuna soffrivel, nasceu João Baptista de Almei-
da Garrett no seio das melhores commodidades
que podem ser ambicionadas, pelo homem que
surgiu no mundo, envolto n'um sudário de dores
e agonias, como o que velara o nascimento de
21
seii pae na intimo de sua família, inda pouco fe*
liZi e fortemente magoada com a viva lembrança
do querido ninho pátrio, d'onãe mãos traidoras a
tinbam rechassado. Mas por fim os perfurantes
esgalbeiros . do «xilio haviam-se tornado suaves,
para esse resto dos membros da estirpe irlande-
sa.
Quando ' João Baptista começava a soltai; dos
kbios tenros e engraçados as primeiras modula-
ções de creança^ acbava-se este pequena tor-
rão de Portugal, descançado sobre a mais pla^
cidã e firme tranquillidade, mas apenas prind-^
piòu a pronunciar claramente as vulgaridades fa-
miliares, foi surprehendido por uma nuvem negra
e átterradora, que se desdobrava sobre os hori-
sontes portuguezes, e por uns sons eíccoantes,
complectamente ignorados pelos seus ouvidos dln-'
fonte. Era o troar petrificante dos tanhões fran-
cezes, accesos pela raiva ambiciosa de Napoleaa
I, que já derruirá então os primeiros torreões
erguidos nas fronieiras de, Portugal, para derra-
mar sacrilegamente o sangue de nossos avós, é
coligado com a fanfarrona Hespanha obrígal-oâ a
fechar seus portos aos inglezes, pr^der os que
habitassem em terras portuguezas, é confiscar-:
lhes 08 bens que possuíssem ; mas reaggindò o
22
gtíVerno portuguez contra as despóticas medidas
do César moderno, entrou em Portugal uma po-
derosa divisão do exercito francez e alguns bes-
psuihes commandada pelo general Jnnot, obrigan-
do, o príncipe regente D. João, a sair as agoas do
Tejo com toda a familia Real, demandando as
terras de Santa Cruz. Avançando iracunda e se-
denta sobre Portugal, essa legião destruidora de
guerreiros esfaimados, pisando com o maligno co-
thurno, tudo que encontrava na passagem que
operaya nas veigas portuguezas, saqueando tudo
aquillo a que podia lançar as garras ambiciosas,
violando os sanctos lares das famílias, e cevando
a bruta sensualidade á viva força nas donzellas,
emquanto outros assassinavam seus desgraçados
paeà a ferro e fogo, foi acampando de monte em
monte, de descampado em descampado, e de po-
voação em pervoação, esperando qae Portugal se
resolvesse a dar apoio ao systema continental,
que Napoleão concebera crear n^aquelfe cérebro
eivado de malvadez, . avareza estulta, e ambição
de governar o mundo f
• Tinham passado apenas dez annos sobre a ca-
beça joven do nosso poeta, onde amadurecia um es-
tro excepcionalmente fogoso que o devia levar
mais tarde sobre suas azas possantes ao apogeu
23
da^oria, a esse término immensuravel da im-
mortalidade, onde subira já, havia perlo de três
séculos, o inspirado cantor do esforçado Gama, o
grande capitão rival de Chrislovao Colombo^, e pa-
rece que descendente dos carthagineziss, os mais
ousados navegadores da antiguidade, que como
disse o nosso Homero, metteu frotas altaneiras
«Por mares nunca d^antes nategados»
e erguendo seus olhos magneticbs e penetrantes
oqde fulgia o astro brilhante da intelligencia, que
reverberava no rosto azul do céu ; ergueu-os pa-
ra as cumiados imponentes que se desenrolavam
em dilatada extensão entre Minho e Douro, viu
treQiiiIar ao som dos ventos pátrios a bandeira
das águias imperiaes, hasteada pelas tropas, do
orgulhoso e (tetestavel Corso, que mandara aba-
ter a das Quinas d'Ourique, oulr'ora tão respei-
tada por todo o universo, como a imagem d'um
Deus de bondade, que rege os céus e a terra^ em-
puidiando na dextra a compaixão divina para ga-
lardoar os seus eleitos, e a anathema na sinistra
para aniquillar os filhos dissolutos, d^avados e
S4
i«k>
avacos, renegantes da religião que Elle nos deir
xou escripta por seu próprio punho, ecomo^ii
divino sangue. Apoiado á iqão de seu pae, qu^
tremia da próxima per4a da independência nacip^
, nal, encarou summamente admirado, esses hori"
sontes affogueados e desconhecidos, que annunr
ciavam uma tempestade horrorosa em todo <»
paiz, (jue o devia tornar n'um lago de sangue, e
deixando escapar do peito innocente e frágil, um
d'estes suspiros que parecem pertender arrancar
o coração soffredor, e arremessal-o ao lodo mun-
danoso, sobre o bafo indomável da intima ago-
nia, perguntou a António Bernardo, o que sym*
bolinavam tantos homens d' um aspecto tão singu^
larmente diOerente d'aquelles que sempre vira,-
quando ainda conchegado aos seios de sua mã]e>
tão . risonhos e pacifícos sob a fleugma da mais
pura tranquilidade nacional ; qual a sua pnocer
dencia, e o motivo porque Ioda a cidade estava agi-
tada. António Bernardo chorou de gozo e de dor
n'essa occasião; de dpr, por ver a pátria do seu ber*
ço invadida por estrangeiros, e de gozo, ao escu^^
tar as discretas e affliclivas observações da crean*-
ça. €omo bom pae que era,eUacidou João Baptis-
ta, o melhor, que poderam conseguir os seos lá-
bios trémulos^ com o suslo que infundia em seu
s»
antmõ, a legião d'invasope3 bârbaro$. GooUrn-llM
que tal gente» com a fúria indomada espalhada
nos rostos crestados pelos soes ardentes, erainii-
miga da pátria; aqueila côr denegrida. que causa<-
va pânico, e fasia lembrar as fúrias infemaes> érá
produzida pelo fmno despargido nos acampa^
mentos durante carniceiros combates e lambedo^
ras fogueiras accesas no campo durante os dias
de descango e o traçar de planos de guerra des-
de o Sena atè ao Douro caudal, e turvo^ e mais
paToròso ainda com o sangue vertido em soas
longas margens que logo se junctava ao séquito
ftmebre de suas extensas agoas. Â creança come^
çoa a soluçar abraçada a seu pae, e ainda per^
guntou se lhe matariam a sua mae ; e recebeu^
do a imprudente affirmação da pergunta inno-
cente, correu a lançar-se nos l^^aços dá carinho-
sa Anna Augusta, sua mãe beijando-a é dizendo
que fugisse porque a queriam matar, e a seu
pae também. A mãe buscou tranquillisal-o, abra-
çando-o e cobrindo-o de beijos, e contrariando
bastante a seu pezar as palavras do esposo que
amava em extremo, e assim pôde restituir-lhe o
socego habitual e tirar-lhe da lembrança a devas-
tadora expedição, que abafava as palavras indi-
gnadas que os portuguezes buscavam proferir coo-
s
•
26
trã o causador de tantas misérias que já vinham
perto opprimii-os, apoz 4anto sangue espadanado
para se apossarem dos haveres d'aqueiies que
haviam empregado toda a sua vida nas tralhosas
lidas que Deus nos deixou para tirarmos d'ellas
o sustento do corpo e do espirito. Até Garrett^
havia tão pouco desprendido do berço que o vira
nascer, já soluçava e vertia lagrimas sobre o pro-
fanado altar da pátria I Pobre innocentp I Tão ten-
ro ainda e já sofifria tanto, de ver o seu berço
calcado por tyrannos useiros da força bruta I Era
Deus que lhe illuminava o espirito infantil, e o
fazia comprehender as cruas disenssões dos ho-
mens ; corações impedemidos, que intentam fe-
char na mão infame e avara as redondezas d'es-
se orbe incommensuravel, e constituirem-se domi-
nadores bárbaros de toda a humanidade. .
M 'estas horas d'agonía
Grata consolação é ^er unidos
No funeral da pátria, os qu6 inda podem
Carpil-a bem sem remorso e sem Tergonha .
Na tua edade
Respeitam-se os anciSos, ouve-se e aprende-se
Mancebo escuta. Libertar a pátria
E dar pelo resgate a própria vida
Não é mais que dever, grande heroísmo,
Acções de gloria nleso nSo as vejo.
(Garrett.— Caíõo)
II
Poucos dias depois doestas scenas, partia a hones*
ta família de Garrett, do Porto para Lisboa, ten-
tando escapar-se do jugo oppressor, e salvar al-
guns haveres das mãos dos saqueadores.
Em Lisboa poderam residir alguns mezes mais
socegados^ mas escaceando-lbes corações amigos
na capitaU resolveram passar ás ilhas dos Açores
em demanda d'ttm virtuoso prelado seu parente
em grau muito .aproximado que ali residia, go-
28
sando a geral estima de todos os habitantes d'a-
quelle archipelago. Era o venerável octogenário,
D. Frei Alexandre da Sagrada Farailia bispo d' An-
gra do Heroisnao, tio paterno de Jo5o Baptista.
Ali poderam então os foragidos disfructar alguns
dias felizes, no remanso d*uma vida cheia de ale-
grias, juncto da ahpa gejierosa do venerando sa-
cwdote. Este ministro de Deus, possuia a par de
uma religião immaculada, e d'uma caridade que
o tornava profundamente estimado e bem quisto
pela diocese de que era digno directbr espiritual,
uma tão basta erudição e sabedoria, que aíBan-
çava um futuro brilhante ao pequeno Garrett, se
acaso o bom velho fosse o seu perceptor. O bom
velho era um conjuncto de grandezas moraes e
intellectuaes, como raramente se encontra nas
aras do christianismo ou no altar do sacrificio de
Deus! ioto Baptista estudara no Porto ainda com
seu pae, as primeiras lettras, e já soletrava algunâ
nômès em liMx)S que António Bernardo lhe dava
para elle ler quando soubesse. O pequeno èntre-
gara-se ao estado com grande vontade» é brdve
começou a ler sc^rítelmente as historiai que a
pae lhe mandara guardar quando abandonou o
Porto. Na ilha tomou tanta amizade aos livroi^,
que estava quasi -siampre a folheat-os. Seuis pães
20
gpsavam uioâ singular coosolação, yeudo que el-
1q era inteirameate contrario aos brinquedos ín^
faBtis, a que se abraçam a maior parte das cre-
anç^is ccHn uma paixão desordenada. A João Ba- x
ptista nunca se apegara essa lepra contagiosa.
Os castelUnbos de seixos e barro em cuja fei-
tura as creanças gastam o tempo, e rompem os
vQstidps, eram compiectamente desconhecidos pe-
lO; futuro cantor de Luiz de Camões. Em lugar
d'esses divertimentos tributários adoptou o pe-
quena de Ântouio Bernardo, outro systema de
edíiScar, com pedra mais bem lavrada, e barro
tãp sublimemente amassado, que seria impossí-
vel derrubal-os a mais horrorosa tempestade que
tentasse açoutal-os. Passava dias e noites succes-
sivas, cavando os alicerces para enterrar as ba-
ses d-esses magníficos torreões, que só haviam
de ver um rival entre os Lusos ; e esse era o que
levantara Cs^nões, cantando o nosso ousado Ga-.
n^.Mas qué castellos eram esses, que a crean-
ça riscava entre os afagos da família? Com que
argiUaf os pmentava? Com que elementos os í^- .
bricaya, e lhe dava tanta fortaleza?
Ef^ com os livros das vastas bíbliotbecas de seu .
tio D, Frei Alexandre, . que juncto de uma coUec-
çãO; numerosa dos melhores gregos e latinos,, co-.
30
X
mo Pindaro, Anacreonte, Sophocles, Homero, e
Horácio, Virgílio, e Ovídio, era possuidor dós me-
lhores partos dos clássicos portuguezes, como Ca-
mões, Gil Vicente, Sá de Miranda, Rodrigues Lo-
bo, Bernardim, e outros que souberam tanger com
valentia as lyras da antiguidade. Foram de tal na-
tureza os materiaes que Garrett ajunctou para ois
seus castellos que se tornaram inexpugnáveis, até
para os mais attilados guerreiros, que com ar-
mas da mesma espécie pretenderam altear-se ao
mesmo ponto, ou prostral-os em complecta'rumá.
Mas aos bloqueios succederam-se bloqueios, bom^
bardeamentos a bombardeamentos, ódios a odio^,
extorsões a extorsões, maldizentes a maldizentes,
imitadores a imitadores, plagiários a plagiários;
e o grande Garrett contemplava-os impassível,
com aquelle sorriso de sceptico que sentiu desa-
brochar nos desterros que provou em abono do
seu ninho pátrio, e não ousava punir pelos direi-
tos que d,e justiça e lei lhe pertenciam e o favore-
ciam plenamente. Era a imagem da resignação;
era o guerreiro que vendo o campo onde pdeja
com os seus, talado de cadáveres lacerados e lan-
çando golfadas de sangue, pousa negligente"-
mente o escudo salvador sobre o peito ancíado,
e aguarda com os olhos no céu, a chegada de
dl
uma bala peiibrante, que Iba: transporte a alma
á tranquilla mansão da eternidade; mas revelia
no olhar ^e humildade qae ainda cré, firmemen-
te D'um Deus de misericórdia^ que ^^ontempla do
seu throuo d'ouro, os cruentos debates acaesos
por seus filhos com a mira em governar alheios
territórios, e fazer alvo da tyrannia os seus des-
graçados íncolas. Garrett era as»m ! De tantas e
tão Ígneas balas que lhe apontavam ao coração,
nenhuma o pôde ferir, nem as arguições estúpi-
das o fizeram nunca descer o mais apertado de-
grau, do logar onde o levara a intelligéncia qiie
assombrava os detractores e falsos apostoles da
seita que elle adorou.
Os Zoilos espumavam e mordiam-se de ver
prosperar o seu nome, e elle ria-se da mesqui-
nhez d'elles, que vendo-se todos oaúapossibilida-
de de o igualarem, maldizíam-n'o, e buscavam
prostral-o no maior rastejamento. E nunca tre-
meu este homem, jlianíe d'esses invejosos e pra-
guentos ? E não descarregava sobre elles o azur-
rague tremendo que empunhava? Não? Porque^?
Porque olvidando todas as crenças, conservava
unaa no seu nobre coração, e essa, era, — a que
todos devem alimentar, até lhe estalar a mola ul-
tima da vida — a de que existe uma Providencia,
3fe
(pte è prineipio» meio 6 fim de tudo quanto > ha
bom e iucomparavel, e capõz de tudo o que nãp a
permittido praticar aos hpmeus* Com a vista £xa.
u'essa sombra que dulcifica as magoas do vivenr.
te» QíQida a ceileuma dos seus adversados» sem
procurar abafada' oom os ecdos de sua palavra so*.
berba e altisooa I
* D« Frei Alexandre, enfadava-se ás vezes com^a
pequeno sobrinho» pesque Ibe devastava ás es*
tairtes dos livros para os^pôr euflleirados sobre,
as mesas enos alegretes do quintal, onde se ass^^
tava a analisar a diversidade dos typos, gotbicos^
gregos, allemães» e outros que em nada se pare*^
ciam com aquelles que lhe haviam ensinado o A.
B. G Mas, GarreU nSo se anmmendava, e um dia
chegou a dizer ao honrado velho, que se elle não o
ensinava a ler aqoeUes livros, ia aprender para
casa de Joaquim Alves; um velhote terceirense que-
o estimava muito e lhe dava muitos doces. D Ale-
xandre não pôde deixar de sorrir da crianceira
influencia do sobrípho, mas conhecendo-lbe uma
excel lente comprehensão e uma vocação singular
para as lettras começou-Ihe a fazer varias pergun-
tas sobre grammatica, e vendo qué respondia
com a promptidão do melhor estudanle, princi-
piou a dar-lbe as primeiras lições de latim, com
33
sttía
âqoaUa consctancia e prudeodá 4]ue Ibe eram ha«
bitiiaes. Fazendo o pequeno, ^tm pooGo tempo
grandes progressos n'esta lingua, deu4be tam^
bem algumas prelecções da grega> em que era
prc^ndaiaente versado. Com tão erudito peda^
gogo, e t^ boa vimtade de ^tudar pôde Oarrett
conhecer em pouco tempo as doutrinas â'esses
gra&des' gigantes do pensameulo, do taooípo do
prâneiro Mecenas» que o venerável sacerdote con-
servava como remmiscencia da edade juvenil, em
cutjo r^aço se abastecera de bem> cimentados es-
tudos. Assim corria a vida do joven* poeta, sem-
pre com o pensamento engolfado nos seus livros,
e *em aturadas consultas entre os vários auctores.
Quando fechava os liwos, quasi sempre a instan-
cias dos seus maiores, «mpragava o tempo a h^
ZiGT a ;sua ode, a ajlinbavar os seus sonetos, e enr
&aiava-se em differentes géneros de verso e pro-
sa^ mas tão fraco.se considerava ainda, que nos
momentos em que o amor das lettras o incitava a
mostrar e$$as escre vedoras ao bom tio, antepu-
nharse-lhe no caminho, o pejo e a vergonha de
creança, e obrigava-o a guardar aquelles alvores-,
que mais tarde elle refundiu, e fez dardejar a sua
luz DOS mais erguidos^ píncaros do universo. Es-
crevia, ,e guardava, para d^ois apresentar todo
ALMEIDA GABRETT 3
34
r ' - - — ^^.^____^_^_ ... .,. , . ^_^._-_ ■■■^-j-T-.----:v -^ ^ ■ ,- - -
s^queUe molho de criancices litterarias. Sabendo
o latim soffriyelmente, e arranhando menos mah
como se costuma . dizer, no grego, D. Frei Ale-
xandre descançou algum tempo com as suas li-
ções, e.disse-lhe naturalmente que {»*ofandasse
mais o» estudos dos- clássicos portugoezes, para
depois, aprender o italiano ; mas qual não foi a
sua admiração ao ver o sobrinho ler correctamen-
te as obras de Metastasio, e de Goldoni, a ps»r de
Tasso e Dante, e até os clássicos mais enrevesa-
dos de Itália?! O velho pastor das ovelhas aço-
rianas levou as mãos á cabeça e benzeu-se de ver
o rapaz ler correctamente nos livros que eUe lhe re-
servava para mais tarde. — «Pois também já tu sa-
hes o italiano?» exclamou D. Frei Alexandre ver-
dadeiramente desappontado, por não gbsar elle a
gloria de ter sido seu mestre em tal lingua.
— «Sei sim senhor,» respondeu Garrett, levantando
o cabeUo que teúnava cobrir-lhe aquella fronte es-
paçosa — «Ora Q rapaz... » dizia o velho comsigo, e
procurando uns italianos que tinha na biblíotbeca,
«You-lhe entregar Mafifei, a ver como elle se^ de-
senvolve.» (1) ED. Frei Alexandre levou-lhe uma
(1) Yeja^se introdacçSo^ dsiiÊerope.
t
35
tragedia do poeta italiano, e mandou-o ler uma
sceoa ao acaso. Garrett, n^essa occasiSo, sentiu
ewrer-lhe no cérebro um pensamento de vaidade
-e orgulho, porque olhando h*onicamente para o
tio, leu ligeira e correctamente a scena que elle
}he apontara, 'e avançou ainda muito mais. Frei
Alexandre não cabia em si: foi perguntar a sua
Cunhada D. Ânna Augusta, se era conhecedora
dos progressos do filho, e respondendo-lhe aquel-
ia que os desconhecia inteiramente, procurou seu
irmão, mas não teve tempo de o interrogar, por-
que António Bernardo correu para elle, dando-
Ihe exactamente a mesma noticia que soubera
fl'aquella occasiao; — «O rapaz éo... sabes o que
eu te. digo António? o rapaz ainda não pára ali;
aquillo vae muito longe... e sabes o que me está
lembrando? É... é... nem eu sei o que... Nem
lenbo animo para t'o dizer...]»
— «Homem f explica-te ? t^Queres mandál-o es-
tudar para alguma academia de Lisboa, ou man-
dal-o ordenar ?» — Ahí... pois é isso mesmo; sae
d'alium grande homem e um grande sacerdote !)>
« — ^Pois se elle quizen.. respondeu provavebnen-
te o pae do intelligente estudante. E D. Alexan-
dre dizia bem; o bom do velho queria dar-lhe
um caminho onde achasse a posição de que o
>s
36
considerava m^^cedor, qae estíTesse em bar*-
monia mm a capacidade e talento qae lhe coidie-
m^ e lembrapdo-se que podia abdicar n'ella' um
dia a mitra de bispo da diocese que gaveraava»
e legar á egreja por sua ísmiQ um aslbio e õÀBr
creto múQistro, ^ um rival de Jeronymo Osório^
trabalhou com acérrima constância^ para lhe ai-
caqçar um bene&do «da ordem de Christo, o que
conseguiu no fim d'algu£tô mezes. Aconselhado
pela mae e pae» e quasi arrastado pelo respeitá-
vel pastor d'almas chegou Garrett a professar as
ordens menores; mas D. Alexandre acertada
sempre nas suas escolhas, menos n'aqueUa; por-
que Garrett não tinha uma d'aqudlas pbysiono:
mias que quando apparecem> se diz d'ellas: ^
vmmo uma cara de padre 1 Observando minijh
ciosataente ao lado de seu tio, os estatutos q^e a
egreja sôe metter na mao dos ecclesiastiços co-
meçou a olhar para todas aquellas ceremouias
com desmedida indifferença e a fiK)strar-se enfar-
dado e tristonho, e vendo-lhe o velho no rosto
esse desapego, interrogou-o cobre tão estranho
procedimento. Garrett révestiu*se então de toda a
coragqm de que dispunha, tão novo ainda^ e res-
pondeu-Ihe que não sentia forças para empunhar
o pesado bastão de pastor d'alinas e que da mc^
37
itaor voDtaâe segoiria o curso da magistratura. O
tio estaeoo ante a saa repentina resolaçSo^ mas
breve cobrou animo. Era um d'estes bomens que
não desanimam fadl, nem se curvam aos mais fie^
ros desappontamentos da vida. Encarou o so**
brhaho ní'um olhar austero, e buscou lerrlbe no
intimo para o guiar pela palavra affectuosa, ao
camiaho da obediaoeía e da virtude. Nao colhen-
do porem, os frnetos que esperava d'i&sta opera-
ção, procurou com seus conselhos mostrar-lhe
o honroso lugar qoe podia occupar no porvir» so-*
bre as aras sagradas do christianismo; o respei»
to que lhe seria tributado pelo rebanho que guar*
dasse, e os interesses que poderia colher n'esse
estado, mas João Baptista, apezar de se apresentar
reágnádo ante as suas sanctas doutrinas, mos^*
traTa bem visível no rosto o turbilhão de con-
trovérsias, que Ibe ia no intimo. Esquecendo es^
ses symptomas atterradores, o tio buscou met«^
tel*ô de noTO na carreira que tinha encetado, mas
vendo que eram infructiferos os seus lavores^
cotk^ordou ccmi António Bernardo^ em não con^
trariar as aspirações do filho, e deixal-o seguira
rumo que desejava. Garrett, quando se viu solto-
das cadeias que começavam a prendel-o á egreja;
resfolgou satisfeito, & bateu livre, as azas em de^
38
» ' m \ ■ I m i I ^' ' ' ' ■ ! ' ' ' ' _ _ _ ' '■ ^ ^i^w*^iw^w^P^^i^^|^i^^^*^w >.
manda das regiões porque suspirava a sua alma
de poeta. Tendo-se familiarisado com o seu Es-
cbylo, & o seu Euripides tomou amor á tragedia,
8 apoiando-se a esses mestres, começou a ensiaiar-
se n'ésse género, com quo diliciava os ouvidos
de seus pães, e do tio, que também o escutava,
com satisfação. Os versos, esses, é que o poeta
guardava para mostrar mais tarde.
Concluindo deseseís annos de idade, seu tio
resolveu mandal-o preparar para entrar na uni-
versidade, e elle não descançou em quanto se não
viu em estreita convivência comas auras do Mon-
dego. Chegando áquella soberba capital das scíen-
cias portuguêzas, começou logo a cursar a ca-
deira de jarisprudencia, e renunciou o bene&cio
que alcançara da egreja, a pedido de Frei Ale-
xandre. Âpplicando-se com todas ^s suas; forçai
áquelles estudos, e não recebendo iio primeiro
exame os elogios e valores que imaginara alcan-
çar n'elle, aborreceu-se de tal forma, que dando-,
lhe de mão, entrou a frequentar as cadeiras de naa-
thematica, philosophia e álgebra, mostrando a seus
professores o elevado talento,. e a fina compre-
hensão de que era dotado. Sabendo isto seus
pães, não tentaram contrafa^el-o mas mostraramr,
se magoados, e aconselliaram-no com a sua gran-
39
de^prudencia, a que n3o deixasse o curso das leis.
Garrett, obedeceu á voz que mais d€lvia respeitar,
e continuou com os antigos estudos na firme re-
solução de os acabar, e pouco depois alcançou
que lhe fizessem í justiça que merecia, conce-
dendo-lhe um dos maiores prémios de louvor
que se deram na universidade. D. Frei Alexan- .
dre, tomou na devida consideração a obediência
do sobrinho, presenteando-o generosamente, com
dadivas d'amor e amizade. O estudante começou
então a entrar destemido em themas que desco-
nhecera até ali. O novo estudante possuia um do*
te sublime, uift dote que era invejado por muitos
e logrado por poucos que estudavam nas mes-
mas paginas onde elle chegara por esse tempo.
Era uma reminiscência tão sã e robusta, a sua, que
abrangia todos os dominios que lhe appeteciam ;
e jamais se viu hesitar entre as mais difficeis
proposições académicas, cujos turbilhões, ator^
mentavam a grande turma de cursistas. Estuda-
va ao mesmo tempo, os mais intrincados e pro-
fundos ramos scientificos, que já houveram na ,
universidade, a par de artes pouco fáceis, sem
com isso amputar o fio dos estudos que tão iner-
gicanaente sustentava, entre os seus companhei-
ros, pela maior parte apologistas desalmados do
40
leito de PrdcustOi.. Sim, fallo d'aqiieires estadmi**^
tesi qae se amarram como saDguesitgas, ao de^
bil baeulosinbo do género que encetaram para
seguir um caminho sò, e dão de mão a todos os
mais assumptos que não toem parentesco» n^i
consaguinidade, axa o g&a&ío a que se dedi-
cam,
É por esse mt)tivo que os padres pela maior
parte, sabem apenas aquella cantilena do EvafEH
gelbo^ e d'abi nlo tèem ordem de passar.. Apren-
deram aqueUes curtos períodos, da mesma forma
que eu estudei, para ajudar á missa, ao abbade^
da nnnha aldeola, e fallei em latiiíl, mas venham-
me cá perguntar o que significavam taes palavras»
na nossa linguagem! Venham, que estão s&rú4
dos! É o me^no que acontece a esses latinistas
que para dará entender q^x&^o alguma coisat di-*
zem muito pomposamente que estiveram em Colm->
bra t Isto não é sô no latim, é em todas as mais
classes de estudo^
Ganett não era assim; aquelle cérebro iMati«*
gavel, jamais se conhecera cançado, com a vasta
amontoação de pensamentos, conceitos e precon-
ceitos de que andava sempre inçado. Nada lhe
saciava a sede de aprender que o devorava.
Tudo quanta até '' ali fizera mover os nobres
i
u
filbos de Gcittembei^, em todas as nações e lín-
guas cultas na Europa, era pouco, e mesquinho
p&ra encher o vaciío que tinha aberto na sua ima-
ginação fogosa, todos os livros tinham mereci-
mento para elle, porqtfe em todos encontrava uma
novidade, e uma coisa proveitosa. Em fim, n'a-
quelle ser excepcional, promettia-nos, o mais com-^
pleeto encyclopedieo ; e se o não 'chegou a ser,
pód^se attribuir á sancta causa em que se envol-^
veu amda moço, e não á enercia, porque ess5
moléstia glutinosa^ nunea lhe roçara, nem leve-
mente pelas vestes. Ali começou o exceílente es-,
tudante a desenrolar ante os olhos ávidos da re*
piâ)Iiea conimbricence as empoeiradas e amarei-
las folhas de papel onde guardava as escrevedn-
ras que fizera na ilha Terceira, a occultas do tio 6
de seu pae, onde só sua extremosa mãe tivera
occasião d'ouvir com summo prazer, aquellas ex-r
pansoes do estro que despontava apenas, e já
era tão fugaz e creador. João Baptista como áei^
xãmos dito, nK)stràra ao tio alguns quartos de
tragedia que escrevera em creança, e não recebeu*
do d'eHe uma apreciação como entendia, — por-
que D. Alexandre em litteratura não gostava de
discutir-^ resolveu-se a esconder os versos aos
seus olhos, e por isso as suas producções ii^n-
42
tis só se revellaram embaladas pelas auras da
Fonte dos Amores, essa encantadora irmã de Hyp-
pocrenne e Gastalia, que tanto inspirou o primeko
catóor de Portugal! Os seus companheiros, rece-
beram-n'o com enthusiasmo delirante. Abraça-
,ram-n'o, deram-lhe vivas e acompanharam-n'o a
casa em triumpho. Estava coroado poeta i
Estes repelidos e quasi loucos applausos com
que tamanha alluvião, festejou o apparecim^to
das suas auroras poéticas, infundiram n'elie ain-
da-^mais amor pela litteratura, e levaraahn'o a
um novo hemíspherio, onde a natureza era mais
productiva, e a poesia brincava leda e jovial, so-
bre as azas da brisa que agitava as ervinhas es-
padaneas e enrugava o rosto dos regatos victrios,
e se alevaiitava depois de fatigada, para ir agasa-
Ihar-se em seu cérebro pensador.
Nas vastas margens d'aquelle Mondego, tão su-
blimemente festejado pela harpa do immortal can-
tor da desgraçada amante — esposa do rei Jtori-
cetro, assentado na relva rociada, e nas pedras
musgosas, era onde o tenro neopby to das camme-
nas, ia pulsar as cordas da lyra. d'alma, contem^-
plando os cachões espumosos das aguas, e os
curvados salgaeirâes, onde soluçava o zephyro
com suavidade, e trinava o passarinho apaisLO-
43
Dado, dando parte da sua existência, á meiga ave*
sioha que coibia nos pântanos, os vermes para
alimentar os tenros filhinhos que esperavam no.
ninho entre as folhagens e nas mattas selvosas.
Era n'aquelle paraiso, que o poeta se ensaiava pa-
ra subir aos astros nas azas da inspiração, e can-
tar as bellezas que a natureza apresentava no ma-
tisado dos prados, no aroma das flores, no expes-
30 das arvores, no.gorgear canoro dos cantores
plumosos dos vergéis, no balar dos rebanhos que
percorriam os pendores dos montes, no sussurro
monótono e fleugmathico das nascentes d'agua, e
no murmúrio dos cachões que se despenhavam
espadanados^ no vasto sulco que ali corria! Foi
n'aquelles campos tapetados de hervinhas molares
e frescas, que rodeiam a víisla metropoli de to-
das. as sciencias portuguezas, que o novel poeta
desprendeu seus voos fogosos, elevando-se qual
águia pi;)ssante, á$ alturas da idealidade e re-
moBtando as destendidas nqvèns que povoam
sanprQ as regiões do Zenilh. Foi n'aquelles dili-
cioâos outeirinhos, rivaes de Tempe e de Phoci-
de, por entre os renques frondosos que elle es-
cutou os bravos frenéticos e dilirantes da grande
republica, e onde lhe cingiram na fronte espaço-
sa, um laurel explendido, que o levava á digni-
44
ãade de pFimeiro poeta da academia. E em vol^
to em tudo isto, os seus estados galopavam com
espantosa velocidade, tomando a dianteira ao&
coltegas qae primeiro mofavam d'eUe, pela rejípro-
vação qae soflfreu ao entrar na universidade I E
. os professores começavam a estimal-o, e a ligar-
Ibe mais attenção do que áquelles que lactavam
todos os dias com os verdeaes.
N'este tempo ainda elte não revellára a sud veia
poética aos professores, mas correndo algum
tempo e sendo apertado fortemente pelo lente áe
mathematica e álgebra, mdignou-se e pespegou-
Ihe com ura soneto nas bochechas que^ fez erguw
todas as aulas i O mestre gostou da compo^siç%y
e elogiou-o muito. D' ali para o futuro todos lhe-
chamavam poeta em (plenos geraes,) e as suas
producç()es eram lidas com enthusiasmo, até pe-
los professores mais orgulhosos em matéria de»
litteratura. Correram tempos, e o poeta era in-
cansável nos. seus lavores poéticos. N'este eome^
nos, veio despertal-o um novo sentimento I
Leu muito, viajou com attenção pelas aventu-
ras mais notáveis do amor, e desejou amar. Mas
amar a quem? Era provavelmente esse o seu
constante pensamento ; amar quem o amasse tsmi*
bem. Mas esse quem estava ainda occulto atraz
45
dos bastidores do iiaipossivel. VeFeejou. Faltan-
do-Uie por fim o asumpto para tamanha coUecção
de Tersos como ambidonava, saiu das aulas, um
àta> e foi percorrer os arrabaldes de Coimbra
em |»*ocura de assumpto para um poema. Na
maiigem d'um ribeirinho descubríu um yqUo. Des-
ceu ao local, e viu... viu uma mulher 1
Nada mais natural — dirá o leitor.
Olbon-a, ella olhou-o e retirou-se. Tinha en-
contrado o ramo de Sybilla ! Frequentando aquei-
les sítios ^ a [miúdo, via sempre a nayade, e tan-
tas yezes se viram que se amaram. Por fim visi-
tava-^a todos os dias, e ella lá estava sempre, no
sen posto. Um dia porem, a nympha não lhe ap-
pareceu. Retirou-se a casa, e deitou-se, com a fir-
mo tenção de ir no dia s^uinte; foi, e não á
viut Passaram-se mezes, e o regato corria da
mesma forma, — mais triste só — as margens eram
ledas como ontr'ora, mas a deusa não contem-
plava a corrente como era costume. Tinha desap-
parecido! Então o poeta tomou-se scismatico, e
ia esconder-se, nos ermos mais solitários, para
d^affogar das suas magoas. Ahi é que elle era
sublime e grande; ahi é que elle era poeta. Quem
o : quizesse admirar, era embrenhar-se por entre
as eepas ramalhudas dos vallados, e contemplat-o
46
silenciosamente, quando estava immerso nas suas
intimas cogitações. De espaço a espaço, erguia a
fronte de repente, como se acordasse d'um som-
no leve, e fitando as verduras que o rodeavam,
murmurava com voz triste: «Annalia? Annalia?..-
Quem te arrebatou dos meus olhos?» — suspirava
elle com a voz queixosa do homem, ou antes do
poeta profundamente apaixonado pela visão que
lhe levou uma nuvem procelosa. Quem era essa
Annalia, leitor? Que segredos existiriam entre o
poeta e a possuidora d'um nome que tanto o im-
pressionava, e lhe vibrava t3o meigo e satfdoso,
nas abras mais intimas da alma de poeta? Não
sabes, leitor amigo e condescendente?!... Era
aquella, a quem elle, tencionava dar a colher os
seus aflfágos d' amante apaixonado I e... Perdão
leitor ou leitora ! a penna ás vezes enlouquece, e
escorrega... A nympha nao appareceu mais. O
poeta continuou a frequentar as aulas e fez tan-
tos versos que se esqueceu do amor; continuou
a amar, mas os seus amores antigos, seus pães,
seu tio, seus livros, seus poetas e seus amigos:
— «Fiz versos como um desalmado,» — diz elle
na introducção d'uma de suas obras. Com-
prehende-se aqui que vefsos são infalíveis para
serenar as sazões amorosas. Eu por mim não sei;
47
tenho feito os meus versínhos medidos a compas-
so, mds sem amor^ até jk fabriquei um folheto
d'eUes uma noite para distribuir pela manhã, co-
mo ouvi dizer ainda ha pouco tempo, a um dis-
tiQctp escriptor. «Que a litteratura de hoje, se
faz de noite para vender pela manhã»
Mas vamos ao assuímpto principal*
Por esta occasião escreveu Garrett uma satyra
ao desalmado critico José Agostinho de Macedo
qu6t^a um dos seus maiores inimigos/ Essa com-
posição .anda agora juncta ás Folhas Caídas, e
algumas fabulas e contos também d'esse tempQ.
Começando o poeta a roçar nos vinte annos, rece-
beu um golpe mais &tal e fundo do que a $ua
Annalia lhe deixara no coração que logo sarou
passados alguns dias de dilirio poético, poético,
só, já se sabe. Sentiu entrar n'aquelle peito ge-
neroso e sensível, um ferro sangrante^ que não o
prostrando por terra, avivou*lhe grandemente as v
lavas da imaginação, e forneceu-lhe uma divina
inspiração, para revellar mais vantajosamente,
quanto podia o estro que o queimava. Era um
assumpto grandioso, e digno de ser aproveitado
por aquelle talento singular, que não hesitava pa-
ra avançar alem das regras de Couto Guerreiro,
nos edlficios métricos, que nos deixaram no mes-
48
mo ponto em qae esperávamos ma mestre para
ensinar a fazer boa poesia ou canora ao menos,
porque ârz VigQy« no seu drama Ghatterton, qoe
para ò poeta lião ba mestre, é a immeasidão que
a nossa vista abrange. Então Gairettinfluidoporsens
amigos e mestres» que }be haviam laureado a ly«
ra lenternecedora» resolveu-se a dar amplo desen*
vokimeato a esse facto que feriu súbita e pro-
fundamente, a universidade e os coniml}ricens6s^
e rasgou o sendal com que occukava a lyra aos
olhos enrugosos de muitos doutoraços antigos
que se jactavam de estar em estreita convivência
com as musas pátrias, mas que ânalmente mog«-
travam-se pescadores de termos pomposos, e ga-
meliadas philosophicas, como dizia, creio qoe o
venerável padre Sancto Agostinho. O estro de
Garrett, rebentou então em torrentes impetuosas
do limbo &ak que jazera ignorado por muitas, e
desferiu com estranha inergia, as cordas da sua
akna, que desillusões mundanas ainda não tinham
estallado; — esses v^mes roedores que tão cedo
começam a germinar nos mancebos, principal-
mente n'aquelles que, creanças ainda, se sentem
queimados pelo fogo dos. sentidos e attrábidos
pelo iman feminino, na meza d'orgíã, ou perdidos
no vórtice da extrema di^olução, que faz bra*
49
■d»>*á_áA
mir o organismo, e entontece, <|narido nSo aii^
puta coxDjplectameDte os voadoiros qoe tentam le^
val-os ao supremo engrandecimento. João Baptis-
ta amara, e amava ainda, mas n3o os bordeis do
vicio qoe queimam, ensandecem, e mattàm al-
ma e escrito. Amava com a infinencia de joven
e de poeta^ porque onde não ha amor não ha
poesia, como disse algures, não sei que pensador
ou philosopho,
O assumpto fôra a morte rápida e sentidissi-
ma ã'um cathedratico da universidade, que fôra
sempre amado .e respeitado com veneração petos
numerosos akimnos que estudavam aquella facul-
dade ^H que Garrett se alistara, e fizera já es-
pantosos^ progressos, O incansável poeta ergueu*
se cbeio de entbusíiismo, e inspiração, e subindo
tígeiro aos aprazíveis outeiros do seu Helícou,
embalado por essa viração embalsamada de poe-
sia> modulou uma elegia, ou nenia fúnebre que
endieu de pranto e gratidão a todos os académi-
cos que lh'a ouviram recitar com tt)da a sua ca-
dencia d'alma. Todos os amigos do fallecido len-
te abraçao^am o discípulo que cantava tâo subli-
memente a saudade quê lhes despertara a falia
4o mestre. Esta proéucção do nosso e^eranço-
so poeta, revellava sufficientemenie a bondade
ALMEIDA GARRETT 4
50
que manara sempre na alma do erudito e pru-
dente magistrado.
Poucos dias depois, abraçado a Eschylo, es*
creveu uma tragedia em dnco actos» que encer-
rava algumas coisas boas, e. que se representou
pelos amigos que o influíram para a pôr em sce-
na. Garrett não foi muito feliz na representação,
mas os que a conheciam, e amavam a poesia pe-
diam-lhe copias, e por fim aquas] que a sabiam de
cor. Escrevendo também na mesma'epoca, a. sua
Lucrécia, tragedia ainda de mais subido mérito,
que também não saiu á luz da publicidade como
ja ultima, pela muita modéstia do auctor, ficou o
poeta gosando na academia de uma tão subidare-
putação poética, como nenhum dos seus companhei-
ros foi capaz de alcançar^ não obstante os grandes
exforços que fizeram. Os estudantes mqis instruídos
andavam sempre a pedir-Ihe que repetisse a lei-
tura d'esta ultima, porque diziam que s^npre que
a ouviam lhe encontrayam grandes novidades.
Elogios, e amigos das lettras não lhe faltaram por
essa occasião, e a par d'estes lauréis que tanto
merecia, e tão bem lhe ficavam n'aque}la fronte
soberba, soffreu também as successivas imperti-
nências da grande republica que principiava a di-
rigir a palavra ás musas^ mas das quaes colhia mal
51
articuladas respostas. Entre esses fabricantes ãe
regrinbas desiguaes como lhe chama o sr. Casti-
lho, qae molestavam impiamente Almeida Garrett,
contavam*se alguns que davam esperanças de fa-
bricar mais tarde alguns versos soffriveis, como
José Frederico Pereira Marrecos estudante de Ju-
rísprudencia, José Maria Grande, estudante de
medicina que veio a ser soffrivel orador parla-
mentar, o padre Emygdio, e muitos outros que
viam em Garrett um ente para occupar mais tar-
de o distincto logar que ficara vago pela morte
agonisante do desditoso Camões, que expirara
abraçado ao leal escravo da ilha de Java, e bai-
xara á morada commum, olvidado de todos os^
porluguezes ingratos, a quem legara a maior ma-
ravilha poética que se tem visto no reino das no-
venta léguas, e talvez em toda a Europa, um gé-
nio para contar em melodiosos versos, as vicissi-
tudes que o esperavam, qual outro Fernão Mendes
Pinto as contara em elegante prosa. Passados al-
guns mezes, depois doeste acontecim ento luctuosb,
achou-se opoeta muito doente, e recolheu-se a casa.
Âchando*se melhor, e voltando a frequentar pe-
la melado de 1820 as aulas, ainda nSo complecta-
mente restabelecido, continuou com as suas ta-
refas Ulterarias,com crescente admiração dos seus
62
collegas DO anno, e mesmo dos lentes da univer^
sidade.
Por e8se tempo eotregoti-se a uma composiçSo
qae eu julgo suíBciente, para §e chamar desas-
sombradamente poeta a quem a fizesse. Mas não
poeta só quanto á arte ou elegância, poeta de co*
ração e alma! Foi uma ode admirável ao trium-
pho da liberdade nos fins de 1820, que recitou
em geraes, na sala dos actos grandes da univer-
sidade, em que exclama para o numeroso audi-
tório com aquelle puro amor da pátria sasona-
do com os reflexos das cbronicas romanas, onde
viajara-attento e vira revellados os prémios com
que baixaram ao regelo do sepulcbro os pugna-
dores da liberdade:
«Ergo tardia vóz, mas ergo-a livre
«Ante vós, ante os céos, ante o univ^so,
«Se os céos, se o mundo, minha voz ouvirem!»
E depois de communicar aos ouvintes extasia-
dos, as suas sympathicas e nobres ideias, as cren-
ças e anceios que alimentava, prosegue com o
S3
mai& fando sentimentoi que pôde existimos seios
de ama alma generosa e sensivel :
«Nâo posso tanto ; nSo me atrevo ó sócios,
«Mas tenho um coração que é Lusitano,
«Mas tenho um coração que é livre, é de homem.
«Livres como eile, minha voz meu brado,
«O que a alma sente, vos espalhe n'a]ma
c £ o grito da razáo troveje ao mundo!
«Livrei Ahl livre um portuguez foi sempre.
«Sim: que essa infame sórdida caterva,
«Esse rebanho vil de vis escravos,
«Que ao.sceptro da ignorância insensam curvos,
«Esses... esses oh! Lusa academia,
«Do nome portuguez, vergonha opprobrio,
«Portuguezes nSo sSo, jamais o foram.»
Não è'«sta uma grandiosa concepção d'am ado-
rador da terra em que nasceu? Quem deixará de
amar o poeta que arranca do peito violado pela
doeoça, tão sublimes estrophes que deieitjsim c6m
melodia, entbusiasmam, exaltam com sua ideia
firmada sobre a .verdade» e que são capazes de
54
despertar o amor pela liberdade ao maior ãe&-
pota do mundo? Qaem?f... Quem terá animo pa-
ra negar um monumento glorioso a quem des-
carrega umá trovoada d'estas, sobre esses mons-
tros vis e sedentos do despótico governo? Quem
se não curvará diante d'um apostolo tâo leal, da
sancta causa liberal?
Tão alto brado de puro patriotismo, deve fi-
car gravado ecternamente nos corações dos ho-
mens liberaes que o escutaram, para que o repi-
tam diante de tgdos os que se presam de ser fi-
lhos d'esta abençoada terra de Portugal. Um poe-
ta assim, merecia aquasi, as palavras com que o
meu querido Palmeirim festejou o cantor dos
grandes feitos da Lusitânia antiga: *
«Era um astro fulgurante,
cEra um poeta gigante
cTinha mais alma c[ue o Dante
c Contava com mais amor!»
A
Eu se tivesse ideias de ser um dia poeta, e re-
solvesse evocar tal génio n'um verso, parece-me
que diria proximamente:
55
Oh i qae risonhas esp'raQça8
Dava Garrett na lyra f
Quem nâo ama tal poeta?
Quem por elle nSo suspira?
Quem n'uma idade d^aquellas
Erguera tâo alto brado?
Quem ouvindo-lhe a voz meiga
Não se sente enthusiasmado?!
Quem tão poeta nascera
€oiBo o cantor de Gamões?...
Quem sob as plagas do exílio
Sofrera tangos bald($e8 ?
Quem t^to se resignara
Ante as agras decepções?
Quem fora tâo laureado
Pelas mais cultas nações?
Só Camões ergueu mais alto
O seu eceo snblimado.
Nenhum génio Lusitano
Cantara tão inspirado !
m
■>^^*i^— ■W^^MWP^p
Mas siiff^ alfím. um gigante
ContandQ-lhe a negra sorte,
O que em vida lhe negaram^
DeurUi'o Garrett na morte t
Nenhum poeta alem d^elle»
Como Garirett cantou:
Nenhum poeta majs nobre
Nenhum mais alto vooul
£ que tal? não me ia esquecendo da prosa em
que me embrenhei entrando por esta selva en-
redada 1 Mas jà volto a ella, apesar de me ser
muito ingrata, pondo-me barreiras, e mostrando-
me precipícios que fariam tremer génios mais
animosos do que eu. Em seguida ás tragedias
Xerxes e Lucrécia escreveu Almeida Çarrett uma
terceira, a Merope que principiara em 1819, obra
que revelia já mais vasta erudição, do que em-,
pregara nas mais, muito engenho, e fecunda ima-
ginação; cujas qualidades essenciaes hão de col-
local-a, — se acaso ainda não a coUocaram, —
ao lado dos seus bons poemas. Tem scenas de
grande merecimento lilterario e effeito dramático,
mas não foi nunca representada em consequência
57
de o auctor começar por esse tempo a atolar-se
na politica com seus companheiros da. academia,
que lhe punham em scena as suas composições.
Esta peça dedicou-a Garrett a sua mãe por ser
uma das primeiras obras de mais vulto que saiu
da sua penna de creança. Se não tivesse tão apa-
gada a reminiscência que d'ella me ficou dava
uma amostra ao leitor, mas como não a tenho
agora aqui á mão, deixo ficar aqui a minha hu-
milde apreciação, e mais adiante me occuparei
d'esta peça e da sua publicação.
Em prol da pátria
Uds obramos c*oa espada; compre a outros
Coa penoa honral^a.
{(jÁxaim.^Camões},
III
Havia pouco tempo que o poeta acabara de
dar os últimos traços n'est.a ultima obra, e já co-
meçava a ferir com seu cinzel aguçado, uma pe-
dra tosca que arrancara em idade mais verde á
borda d*um rio, para formar d'ella uma estatua
em que tivesse o retracto d'uma deusa que lhe
vivera no coração 1 Era o Retracto de Vénus , poe-
ma didactico-social, e que me parece referir-se
áquella divindade que elle baptisou com o poeti-
60
GO nome d'Annalia. N'esta obra, o poeta parecia
ter desejos de revellar ao leitor que amava já
d'outra forma que não a primitiva. Parece que
perdendo aquella que amara cora o lyrismo de
poeta e joven, se envolvera logo no manto da dis-
solução, olvidando o amor virtuoso. Desenvolve
ali ideias tão attrevidamente luxuriosas, que me
obrigam a negar o que disse d'elle no capítulo
precedente — «Garrett amava... amava; mas não
os bordeis do vicio, que queimam, ensandecem
emaltam almae espirito.»
Não o lembro como modelo de virtude para
as pessoas essencialmente honestas, porque isso
era dizer o que não sinto, mas como uma bella
obra d'arte, e do grande conhecimento que o
auctor mostra da pintura, é digno de ser lido
por tod#s. E mesmo ainda que não tivesse esta
. ultima boa qualidade, nada podia adulterar a ho-
nestidade das leitoras, porque quem è bom, que-
. rendo, nunca será máo. A própria fc^ueira não
estende a lingua para lamber a estopa, sem que
um sopro de vento a incline, ou crepite a lenha,
e arremesse uma brasa sobre a matéria que se
inflama. Por isso não se deixe a leitora açoutar
por mao vento e leia este poema. É uma ima-
gem lindíssima e bem esculpturada, mas o que
61
*^'"*^^~^^^»« u i^i »»^^— ^ I I I p ■ . p n ■- ^ II 1 >
a desfeia borrivelmente sSo os vestidos extrema-
mente curtos com que se adorna, para^ se apre-*
sentar aos olhos pudicos da sodedade inno-
cente... qpe quer livros onde hajam exemplos de
moral, e não ideias que inflamam o espirito e os
sentidos. A phrase é inergica, sem sombras de af-
fectação, e empregada com elegância e magâifica
propriedade, mas a liberdade que Garrett deu ao
Uco da penna, que a derramou sobre o papel
raspou-lheem parte essa belleza, e salpicou-a com
o absyntho da mais devassa impudicicia, e au-
daciosa sensualidade. Gravitam ás vezes ali pen-
samentos, que fariam mover com ímpeto o bruto
que Gamões disse que a nada se movia. O auctor
apresenta a Vénus dos seus sonhos, a Vénus pa-
gã em trajos curtos, n'aH]uella languidez perdida
que provoca o homem, transporta-o do campo
da virtude, ás regiões do mais arraigado sensu9-
lismo, e o faz arder em desejos de barregão, por
que
«Em quanto nas lidadas ofilckias,
«Forjando o raio vingador dos numes,
«Vive o coxo marido sem receios, •
« Já^ deslembrado da . traidora rede,
62
•T^
cDo Cynerea mancebo entre os abraços
«Jáz a esposa gentil ennamorada,
«Nas languidas pi^pUas lhe transloze,
<0 prazer diyinal qae a opprime e anceia,
«Nos enflamados beijos, nas caricias,
«No palpitar do seio voluptuoso,
«No lascivo apertar dos braços niveos,
«Nos olhos em que a luz quasi se extingue
«Na interrompida vóz que balbucia,
«Nos derradeiros ais' que desfalecem...
«Quem do prazer nSo reconhece a deusa
«No excesso do prazer quasi expirando?
«Sorri-lhe ao lado o filho de travesso,
«E d'entre o myrtho as cândidas pombinhas
«Co estremecido arrulho a dona imitam.
«Âhl se o gosto supremo a um deus nâo peja,
«Porque mesquinhas leis nos vedam barbaras
«Tão suave peccar, docedelicto,
«Antes virtude que a natura ensina.»
N'este e em muitos mais ponctos, tem Garrett
muita e muito boa rasSo, e julgo que tem todo
o mundo a seu lavor por que a natureza manda
que se toquem os dois géneros da humana cons-
63
I
tracção, para que- progridam as gerações, e não
se apartem disolvendo a amizade que é indis-
pensável no mundo. Continua o poeta:
iD'est'arte as breves horas decorriam
cAos alheados fervidos amantes,
i£ vezes trez rotara o disco argênteo
iTriyia gentil, sem que no Olympio ou Lemno»
'A esposa de Yulcant) apparecesse.
< Já na eth^ea mansão vagos juizos
«Maliciosa forma, a inveja, aintríga
<E sorriso maligno ás deusas todas
«Do marido infeliz incita o fado,
«.....•••••••••
E em busca da infiel vagueia o mundo.
<
Tal é paixão zelosa o teu império !»
Voo voltar os olhos Mtra vez para traz, a ver
o que encontro que melhor ligue com a finda ci*
taç5a. .
^i««
64
^^^^^ . - - . - j
rMas quanto é bello, é grito or vencimento,
rSe á dôr suave do pungir fagueiro,
(Da ferida se encontra amigo bálsamo,
tE nos olhos da linda vencedora,
(Do ardimento o perdão, brando se acolhe !
iTu Marte, o dize o Cypreo, o moço o Teucro ;
lE vós que ousaes na terra imitar numes,
iQue do sumulo prazer rompendo arcanos
iN'um momento gozaes da eternidade.»
No fim do poema, indica viver de novo com
Ânnalia, em Ânnalia, ou que ella vivia em seu
coração de poeta apaixAn^do, por que diz:
« quando natura se empenhara
tEm dar-te ao mundo, carinhosa Annafia
« Um,' o um copiou meigos encantos,
«Que, ó minha Vénus, te compõem te adomam»
«Ali olhos no quadro; os teus formosos
i Estremada rasgou; tli as faces
«De neve, e roías, coloriu divinas;
«Foi amynhar-se amor, te abriu mimosa;
65
«Ali o callo d'alabastro puro;
«Os lácteos pomos que devoram beijos»
«Do faminto amador; lisas columnas,
«Que sustentam avaras mil segredos;
«Segredos cpie.» Perdoa: eis-me calado
«Volve a meus versos compassiva amante,
«Benignos olhos, para ti voando,
«Da critica mordaz censuras fogem;
-«Se accolheres o rude oíFertamento
«Seráo meus vei^sos como tu divinos.»
O resto do poema, quero dizer a parte que
Sca por citar, que é quasi todo, é cosiubado com
temperos d'este género, mais ou menos apimen-
tados ou insulsos isso nada adianta ou atraza.
Vénus, ou Annalia, a deusa que inspirou o
poeta, occupa ali o centro do quadro n'uma po-
sição provocadora . e sublime, e em Volta d'ella
jestao os melhores pintores, cujos nomes Garrett
conheceu, debuxando em suas telas aquellas for-
mas seductoras da estatuária trabalhada pelo Crea-
dor do mixto terrestre e celestial. As admiráveis
formas d'aqueUa imagem profana, dominadora dos
sentidos do homem, e com especialidade do ho-
ALMEIDA GABRETT . §
Ge
mem material, taogem as finas palhetas dos pin-
tores que a cercam, nos quaes o poeta mette
só o amor carnal, empregnado de materialismo
e depravação de castames, com seus affectos
desmedidamente devassos. Façamos justiça ao
poeta: se n'este livro existe uma parte que ultra-
passa os limites da chamada decência, abrange
por outra uma face moral, que nos faz esquecer
o. turbilhão d'ideias que primeiro experimenta-
mos, das mundanídades desordenadas, e instrue-
nos sobre a existência de homens que ignoráva-
mos pela maior parte, em que épocas floresce-
ram, e qual a sua procedência. Este poema foi
publicado entre os annos de 4 820 -Si pela anti-
ga livraria Orcei de Coimbra, e foi recebido por
conhecidos e amigos do poeta com muitos ap-
plaqsos, e parecé-me que ainda mais pelos edito-
res,, porque era procurado com s.umma. influen-
cia.
Vulgada desde logo por pertos e longes a exis- .
tencia do poema phenomeno, começaram vários .
invejosos a fazer uma guerra medonha a Garrett.
Os padres foram segundo me consta; os seus
maiores verdugos. Empunharam o azorrague da
maledicência, e coma inveja a ferver no cérebro,
pretenderam Jleval-o ao maior rastejamento. En- .
67
tre esses invejosos, que não sentfám forças para
se igualarem ao âuctor do Retracto de Vénus, ex-
tremava-se o vulto doesse padre talentuoso, e mor-
daz — José Agostinho de Macedo, que com estas
e outras rivalidades, perdeu a reputação que o seu
profundo estudo lhe podia grangear. Garrett con-
servou-se calado ante esses brados modulados
pela inveja dos detractores, que o calumnia-
vam. Deixou-os blasphemar, e guardou o silen-
cio que se requer para homens como os que o
dipprimjam, mostrando-lhes assim o pouco caso
qqe fazia de taes invectivas. Vendo elles que nada
podiam coosegiiir com suas accusações estúpi-
das, deram-lbe íim, mas protestando começar de
novo a empresa, e fazel-o descer da altura que ti-
nha vingado com qs seus voos altaneiros. Re-
gressando a Portugal o Cardeal Patriarcha D. Car-
los da Cunha, que fora desterrado por se ter re-
cusado a jurar, e dar azas á constituição de
1820, e sendo-lhe apresentado o livro, para o
examinar, juncto com vários jnízos críticos d'a-
quelles qiie o haviam rebaixado, D. Carlos con-
demnou o auctor, e prohibiu logo a venda 4o
poema com pena d'excommunhão maior. Esta-
condemnação foi um grito d'alarma para desper-
tar aquelles que ainda não conheciam o livro de
68
Garrett, porque se esgotou desde logo a ediçSo
apesar de se veader em segredo. Os últimos
exemplares Tenderam-se por um preço excessi-
vamente subido, e por fim haviam indivíduos, que
offerèciam dois e Ires mil reis por elle, e mesi-
mo assim não conseguiam obtel-o. Mas porque
se exgotou tao repentinanaente essa (Ara que foi
tão calumniada pelos Quixotes coimbrões e. Me-
nippes provincianos? perguntará o leitor d'estâs
memorias que me encarreguei de publicar? Sa^
bes porque leitor?! Porque era o fructo prohibi-
do, e os anímaesinhos que inçam este amalgama
de rivalidades, são todos desceíNentes d'aquella
habitante do Paraizo companheira d'Adão, que cu-
bicou os taes pomos do Éden, onde penetrara a ser-
pente sua irmã e companheira, para tental-a a
diliciar também o paladar de Adão. O fructo pro-
hibido foi sempre cubicado» e será em todas
as gerações que sobrevierem aos nossos dias.
Esta condemnação que o Cardeal Patriarçha car-
regou sobre Garrett, não o abalou nada, porque
se riu quando soube tal novidade! Tractaram áe
lavrar o processo, formado sobre a lei da li-
berdade dimprensa, e pouco depois remetterain-
n'o para Lisboa. Garrett, partiu logo para a ca-
pital, sem o mínimo susto, resolvido adefifender-
69
se das gdrras da jastíça> e refutar as ai^uiçõeâ
parvas e quasi iojuslas, que lhe haviam feito os
seus inimigos e invejosos, sobre o assumpto do
poema . e seu desenfreamento d'estyllo. Parece-
nos que depois que se estabelleceu em Portugal,
a liberdade dl mprensa, foi esta a primeira obra
que soffreu prohíbição, e este caso, tornou-se Io*
go tao notório em quasi todo o paiz, que chamou
a Lisboa os homeus que avultavam mais na re-
publica litteraria. Por esta época, já Garrett pos-
suía a carta de bacharel da u niversidade, e pare-
ce qoe este acto a que elle ia assistir, lhe era
decretado pela Providencia, para alcançar uma
nova coroa de louros, alem da de poeta, que to.
dos lhe davam pelos seus bradas altivos, — a co-
roa d'orador, porque se lhe proporcionava uma
bella occasião para revellar aos portuguezes, es-
se grande dote, punindo pelos seus próprios di-
reitos. Chegando o dia do julgamento, apresen-
tou-se João Baptista no tribunal competente pe-
rante o conselho de jurados; e perguntaudo-lhe
i hora extrema pelo seu advogado de deffeza, mu-
do e jovial, respondeu — que o advogado melhor
para o reu que não teme, era o mesmo reu. Es-
ta resposta fbi recebida pelos circumstantes, co-
mo a afSrmação de existir no reu uma força
70
maior. Preparado tudo^ e chegando o instante de
começar o julgamento, ergueu-se o poeta, enca-
rou firme, juizes e jurados, e começou a deffen-
der-se com tão moderada prudência, e fogoso en-
thusiasmo, que deixou extacticos e enternecidos
os seus julgadores,ea sala expessa d'ouvintes,que ali
affluiraparsí ver aquelle julgamento de novo género.
Á vista de tão eloquente e desataviada oração
foi logo o reu absolvido, e abraçado com dilirio
pelos homens que gosavam então os mefliores pos-
tos na litteratura, que tinham comparecido no tribu-
nal, para deporem as suas plenas ideias a favor do
poeta nascente. Entre esses padrinhos que foram
assistir ao duello travado entre o joven Garrett
e o conselho de jurados, acbava-se Pato Moniz,
um dos mais aguerridos e conspícuos deffensores
dos talentos que soffriam a pedrada traiçoeira
dos desalmados e maldizentes.
Todos os homens prudentes que escutaram
o poeta, liie louvaram o procedimento, e dirigi-
ram-lhe palavras tãò bondosas e sinceras, que lhe
affiançavam mais tarde, um lugar distincto na
tribuna portugueza. Por esta occasião, Outubro
de t82!, (1) estabeleceu o poeta a sua residen-
(1) Veja-se a nota no fim.
71
cia defioitíva em Lisboa, e começou logo a afun-
dar-se nas fomentaçôes politicas» que tinham ra-
mificações em todos os pontos do reino. N'esta
época acclamava-se a liberdade por toda a parte,
em baixas e altas vozes, e Garrett, sempre aman-
te apaixonado d'essa mãe d'opprimidos, d'es§a
rainha laureada do mundo, ergueu quanto podia
a voz de filho leal, e os voos do pensamento pa-
ra que ella florecesse sem ser tocada pelo sopro
maligno do despotismo que pretendia calcai-a im-
piamente, para não mais a ver erguida.
Foi então que o poeta delineou com a sua pen-
na explendida, o seu admirável Catão, e o con-
cluiu em poucos dias a pedido d'alguns seus ami-
gos e varias pessoas illustres, até desconhecidas,
que souberam a grandiosa tragedia que promet-
tiam as primeiras scenas, que o auctor recitara
n'uma reunião familiar. Foi tal o enthusiasmo
com que essas pessoas acolheram a ideia liberal
de Garrett, que segundo eUò mesmo afSrma no
prefacio,nem lhe deixaram tempo para o expur-
gar dô rebentos pêccos e infezados, cujo nasci-
mento nenhum escriptor evita por muito perfeito
que seja, e lh'o foram arrancando d' entre mãos,
á maneira que elle o escrevia. Emquanto elle es-
boçava um acto ensaiava-se o precedente no meio
72
— ^^— «^^W'«<W»«i
do vivo enthasiasmo dos assíste&tes qúe 6ram na-
merosos. O mesmo succedeu ha alguns annos ao
saudoso e grato discípulo do poeta, o sr. Gomes
d' Amorim, com o chorado actor Epiphanio Anice-
to Gonçalves quando escrevia a sua peça melo-
dramática intitulada Fígados de Tigre que o illus-
tre coripheu da scena portugueza easaiou pe-
lo primeiro borrão que o poeta minhoto tinha
feito, diz elle,quepor 6n»cadfeira,mas apesar dis-
so o melodrama galhofeiro do protegido de Gar-
rett, teve bastantes representações, e foi redon-
damente applaudi^lo no theatro de D. Maria II,
durante o carnaval de 1857.
Mas voltemos ao Catão e a seu auctor.
N'esta composição tão perfeita quão desejada,
esmerop-se Garrett com tanto cuidado e paixão,
nas ideias que desenvolve, puramente liberaes e
um tanto amarradas aos acontecimentos que se
davam n'esse tempo em Portugal, que depois de
a ver representar pela sociedade de curiosos que
se propoz a isso no antigo theatro do Bairro-alto,
em Novembro de 1821, ainda lhe corrigiu, alguns-
defeitos de pouca monta, que lhe encontrou e co-
heceu que podia fazer melhores essas situações.
E uma concepção maravilhosa, esta tragedia do
amante de^ Annalial Como è tocante eeommove-
73
dora esta seena de Gatão feríodo-se mortalmente
em Utica, quando sente as passadas do depravado
Decio, sabdlto de Júlio César, e proferindo estas
pala\Tas, ao baquear em terra com o golpe fatal !
tOh I Roma, oh I Roma! oh! minha pátria !
< Já n£o ha mais que a vida, — eii-a, recebe-a:
«Vamos ao menos jonctosao sepulcro f...»
• Quem seria capaz de a crear mais bella e apai-
xonada do que o coração nobre e liberal do grande
Gacreit ? Que paixão tao vehemente alimentava el-
le pela liberdade, quando mandou proferir estas
palavras por Marco-Bruto, na scena primeira do
primeiro acto: '
«Sei indo: — e tudo n'alma tenho impreáso
«Em fogo, — que incessante m'a devora,
«Mas ao peso da sorte inda não curvo:
«Tenho no peito coração romano ;
«E emquanto a espada do tyranno César
«M'o não souber varar, não cedo a César.
74
E a falia de Maniio na segunda scena do segun-
do acto I Que jacto tao admirável de inspiração,
verteu ali o inspirado poeta!
«A minha vóz Catão, tu bem o sabes ;
«A minha vóz o meu sincero empenho,
«Todo o meu coração é pela pátria
«É pela liberdade. Ah I este braço
«Que ora treme de velho, já foi rijo
«E pelejou por ella. — ^Mario Sylla,
«Catilina me viram sempre á frente
«De seus mais Fesolutos inimigos.
«Esta lingua que mal hoje articula
«Ineloquentes sons, já deu mais forte
«Brado na cúria; nem se ouviu meu brado
«N^outra causa senão da liberdade.
«É tremula hoje a voz, tremulo o braço
«Mas em Pharsalia não tremiam... Padres
«Desculpae, perdoae, — um derradeiro
«Lampejar de decrépita vaidade...
Que fiz eu? o que todos vós fizestes.
«• ,
«Poucos dias de vida enferma inútil,
«Que me sobram na terra, é sacrifício '
«De preço vil e abjecto. Orphão de prole
75
Só; deixado n'um ermo ao pé da campa
Que hóstia sou eu para o altar da pátria?
Serve assim mesmo o sacrifício? Prompto
Aqui está todo o ^sangue: pouco, frio,
Sem vida é já, mas de vontade; e fácil
Hade deixar as congelladas veias.
Náo pereçaes em sacrifício inútil
Vossos dias, — e os teus, gloria de Roma
Explendor derradeiro de seu nome,
Catão, esses' teus dias preciosos
Oh! nâo osharateieis táo sem fructoí
César teme, respeita essas virtudes
Que adornam o mais digno dos romanos.
Tu podes ainda ser o amparo, o abrigo
Da abandonada pátria. A liberdade
Acabou ; mas seus filhos desherjados
Foragidos, caçados como feras
Do monte a casa, e do povoado ao mont e,
Has de desamparal-os, quando podes
AUiviar-lho as penas, protegel-os
Ser-lhe pae? Oh! nâo posso mais... succurobe.
O coração tâo velho, á magoa, ao...»
E.aqui MaDlio, sem forças para continuar, e
concluir, senta-se, e dá logar ao nobre Catão que
76 .
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■ _ I L I _ L I I - - -■ - ■ - , , - , ■ ■ ■ ■
I
õ escuta, e gae atando o fio d'esta falia ao Qo da
sua, proseguét
«Nobre
«Coração é o teu — e generoso,
«Qae as nobres qualidades d^éireeiApirestas
«A qnem não sabe, nunca soube a teinpera
«De que taes corações são fabricados.
«César não tem mais sentimentos n^alma
«Que um só — desejo de poder. D*aiffectos,
«De paixões de homem, uma só lhe absorve
«As outras todas — ambição
São' bellas sublimes e grandiosas, todas as
scenas d'este rico thesouro dramatico-poetico,
que abrange certamente um dos melhores episó-
dios da historia de Roma antiga. Respira^-se sem-
pre n'esta composição de grande valor, o amor
puro, inalterável, e immaculado pela liberdade.
Que situações! Que pureza de lingoagem, e que
estyllo tão primoroso, e immutavelf Shakspeare,
Maffei, Alfieri, e Voltaire' não as creariam melho-
res apesar de serem apregoados, como os melhó-
77
res trágicos modernos. Este drama, depois de
namerosas representações seguidas» foi impresso
em Lisboa em 1822, acompanhado da pequena
farça do auctor^ intitulada : Corcunda por Amor
quô mais tatnie foi deitada fora da colecção das
obras complectas, não sei porque motivo ; talvez
fosse para metter em seu lugar as muitas pagi-
nas de introducções e notas, que o poeta reu-'
Día ás edições que se seguiram. N'este tempo
era Garrett oiiiciãl da secretaria d'estado dos ne-
gócios do reino, em companhia dos seus particu-
lares amigos Paulo Midosi, Rodrigo da Fonseca
Magalhães, e Ândre Joaquim Ramalho, lugares
que alcançaram em consequência de se terem en-
volvido nos principies politicos do aqno de 1 820.
Nã mesma occasião que entrou no prelo a pri-
meira edição do Catão^ mandou o poeta imprimir
também a Oração fúnebre de Manuel Fernandes
TbomaZi juncta com uma miscelânea de poesias
e discursos fúnebres recitados na sociedade Lit-
teraria e Patriótica, para mostrar o grande sen-
timento dos portuguezes, pela morte d^ess^e gigan-
te orador que Portugal perdera havia pouco teni-
po. Na mesma época, também se publicava em
Lisboa um jornal intitulado o Toucador y sob a
direcção, fde Garrett, e d'outro§ Utteratos distin-
78
ctos d'essô tempo. Consta que saíram poucos
números d'essa publicaOão, e que são hoje muito
raras as colecções.
As&im ia vivendo o poelâ do Catão e do Retra-^
to entregue ás suas queridas producções, rodea-
do dos seus melhores amigos, no goso d'uma
quasi perfçita tranquilidade d'espirito, — porque
' serenidade perfeita e felicidade perpetua é muito
raro encontrar-se — mas essa mesma porção de
ventura -perdeu-a por um acontecimento bem co-
nhecido. Vindo alojar-se em Portugal, pela malfa-
dada reacção de 1823, o avaro, estúpido, detestá-
vel e abjecto poder do absolutismo, e fazendo
Garrett todas as diligencias possíveis, e ás vezes
quasi impossíveis para que todos os bons portu-
guezes reagissem, e combatessem a par de si
contra o poder immenso d'esse depravado gover-
no, foi mal succedído nos seus intentos ainda que
dominados pelo coração, e sustentados algum tem-
po com dolorosas fadigas.
Baqueando a constituição com o peso bruto e
desmedido d'aquelle vasto pinhal de tyrannos,
foi Garrett exonerado do emprego que gosava
desde 12 d'Agòsto de 1822, e soffreu junctamen-
te uma perseguição carniceira, e ordem de se au-
sentar de Portugal, sob pena de pagar por alto
79
preço a ousadia de arremetter com um partido,
que regado pelos detestáveis Caligulas modernos,
(1) se enraizara profundamente n'esta nossa aben-
çoada terra, digna de melhor sorte. O poeta guar-
dou silencio poi; alguiQ tempo, sem fazer maior
caso dos rugidos que revoavam por toda a par-
te, e acolheu-se a lugar seguro, esperando que
serenassem os ânimos d'essa cohorte vil que o
perseguia, e a tantos que partilhavam as mesmas
ideias.
Muitos d'estes últimos já erravam em Inglater-
ra por esse tempo, abrigados com dóceis de ne-
voeiro, e com poucos meios de subsistência : al-
guns viviam debaixo da protecção dos nobres
portuguezes felizes, que ali viviam para não ve-
rem a miséria que ia na pátria, nem ouvirem os
gemidos de seus irmãos. Outros agachavàm-se
na€ cidades principaes da França, para conserva-
rem ao onenos as vidas, já que haviam perdido as
esperanças de salvar a pátria.
(1) Veja-se a nota no fim/
D'ÍDdigDaáo
Crgui « yoz, ckimei coitra a Tergonha
Que o nome portaguez assim manchayal
£m Tão clamei, minlias verdades duras
Holle oiiTido -os tyraxuros offenderam.
Punia desterro injusto a minha audácia.
(GaxreiX.'^ Camões)
IV
Chegando o mez de Junho de 1823, e não ces-
sando as cruas perseguições aos apóstolos da li-
berdade, o poeta resignou-se a soflfrer os espi-
nhos do desterro, e com os olhos ensopados em
lagrimas não sei se de raiva, se de paixão por
lhe roubarem tão indignamente o seu ninho pá-
trio resolveu-se a emigrar. Aconselhajido-o os seus ^
amigos' a que -não deixasse a pátria, respondeu
que preferia acceitar o nome de mendigo nas es-
tradas do exilo, implorando o sustento escasso,
ALMEIDA 6ABRETT 6
82
ou morrer á mingua n'essas plagas remotas, do
que recostar-se em alcaçares reaes, curvado a
um governo que abertamente detestava* Que, ou
havia de viver livre em sua pátria, ou jamais im-
primiria n'ella, a mais leve pegada. Aquelles que
o amavam, e não sentiam animo para o ver sair
as agoas do Tejo, jQsi^tjram ainda com elle, para
que se conservasse no paiz porque possuia um
braço inerglco, e uma voz eloquente, que podiam
contribuir para o arrancar das garras despóticas;
mas o joven tribuno, era tao constante em suas
ideias e resoluções, que não obedeceu a nenhum
avesses pedidos, e emprehendeu a sua viagem a
Inglaterra. Pouco depois chegou a Londres cheio
de resignação ante os agros vais-vens, da sorte,
e foi visitar alguns seus irmãos do infortúnio que
se agachavam nas noiargena do largo Tamiza. Vi-
sitando em seguida varía$ ilhas brittanpicas e al-
guns povoados mais dignos d'adaúração, voUou á
capital dos inglezes^ e ahi residiu juncto dos seus
patrícios até Fevereiro de 1824^
Publicava-se então ali um jornal portuguez, de-
baixo da direcção dos emigrados, intitulado o Po^
pular ^ e Garrett em quanto 1^ esteve escreveu al-
guns artigos que saíram à luz n'e$se orgaift por*
tuguez.
83
Em Março resQ^veurse a áehav o Tamiza, e
^ubatituilro pelo Seaa» e logo embarcou só, sem
4ieohum anú^ pou companbeúro de viagem, para
Fnini^ oode chegou em: Abril» e ioi fixar a sua
jresidemía m Havre de Graça joncto com vários
portugueses qoQ ali se tinham refogiado. N'esta
Ai^xai cidade, aos sosks doa marulhos do fill>o de
SàQ Seine, e refre^eacte pela viração d^ Sena m-
fmQTy: foi que d^a começou a escrever o seu Ca.-
moes no dia 13 áe Maio. Durante a sua curta es-
tabilidade n'a^aã:a paragem, até Agosto do mes-
mo âiHio, foi muitas vezes visitar o cabo de Nor-
flianâia e Ruão, capital â'aquelle departamento,
úodiet m lado d'outr<tô portuguezes seus amigos,
taxEbem infelizes e proscriptos como elle, passou
âigomas Imras felizes recitanda contenta os seus
qaeriâos versos, com que sei esqtieda das suas
4i3Sgraças e. de seus eonterraneos, e das calamida^
des. que assolavam a pátria, (pe o faziam andar
errante,. por climas longínquos, e a tantos seus com-
panheiros, que liaviam enrouquecido também co-
ma elte gritando em prol do governo liberal, que
esbarrara no charco infesto que fabricara o fallaz
despotismo. Ali e no Havre, foi que elle deu os
melhores traços tfaquelle poema precioso e qua-
si incomparável; naquella metropoU de tudo- que
84
existe grande, sao, sublime, e portuguez de lei;
n'aquella elegia immensuravel inçada de rique-
zas, que é capaz de fazer poeta o ente mais enfe-
zado e prosaico que Deus tirou da argilla, — a que
sellou no rosto o nome egrégio de Camões l Ga-
mões it o talento monstruoso que encheu de es-
panto e admiração os maiores gigantes do uni-
verso, e fez tremer os palmares d' aquém e alem
Ganges com o^ reflexos fíilminantes do astro que
lhe ardia nos seios, e que depois se apagou len-
tamente» assombrado pela indifferença de seus
irmãos do berçol Camõesll — que admirável epopêa
existe sob este nome tão digno de respeito! Se
o sr. Alexandre Herculano recebeu, e gosa ainda
a gloria d'inimitavel, creando Eurico, esse roman-
ce-poema ou poema-romance, rival das melhores
epopêas do inspirado escossez Walter Scott, Al-
meida Garrett, se acaso não lhe passou os limi-
tes nem trabalhou com mais constância, foi de
certo mais proveitoso, (1) ao paiz e á sua litte-
r atura, cantando o gigante a quem hoje Portugal
se ufana de ter sido berço, assim como na inno-
vaçâo e aperfeiçoamento da poesia moderna, ex-
(1) Veja-se a nota no fim.
85
pungindo-lhe a eiva mylhologica, de que os anti-
gos gregos e latinos ^ tinham empregnado, mis-
turando o profano com o divino, e pondo os deu-
ses do paganismo a fazer holocaustos ao Deu 5
verdadeiro.
O* próprio Camões usou d^essas imagens dos
atheniensesque Garrett degredou pela maior parte;
mas este apesar de prestar tão valioso serviço ás let-
tras, mostrou n'este ponto nSo seguir á risca as dou-
trinas que o mestre lhe deixara n'aquelle livro su-
blime dos Lusíadas. Comludo depois do condes-
cendente amigo de Jau, nenhum poeta nos apre-
sentou um poema com tantas sublimidades como
encerra o seu Camões l Quem depois d'esse gran-
de poeta que elle canta no seu livro, ferira tão
destramente os bordões d'uma lyra portugueza ?
Quem se atreverá a disputar a Garrett, a coroa de
myrlho que lhe orna a fronte respeitável, ou ne-
gar-lhe o lugar de primeiro poeta peninsular da
escola moderna ? Quem ousará conceber o pensa-
mento de se medir com tão agigantado collosso?
Eu estou convencido que ninguém entrara em tal
commettimento, porque passaria pela vergonha de
o contemplar do baixo rastejamento, como o cão
que sentado á porta do casal, arremelle com a
rainha da vastidão estelliferaj aos primeiros vis-
80
mMaimÊ^mÊ^ft^» m !■
lumbres da noite^ e a)nhecendo-^se vencido, vae
descançar na palheiro, protestando não entrar
mais na louca empreza de ladrar á lua.
Um esGriptor de mérito, disse que Garrett era.
uma litteralura inteira, e outro ainda deu mais
alguns passos a fevor do grande génio, porque
asseverou que era uma nacionalidade qúe resusci-
tava; e o infeliz Lopes de Mendonça era n'este
poncto uma das melhores auctoridades, e quanto
ao meu humilde entendimento, o folhetinista mais
elegante e consciencioso que floresceu no tempo
do creador de Frei Sueiro. (1)
Eu, sem ambicionar a coroa de escriptor, ou
d'outra qualquer coisa, digo sem o mais ténue
disfarce, que tudo quanto ha de bom e inimi-
tável na litteratura que nasceu depois da innova-
cão que fez João Baptista foi revellado por elle
no Camões, e por Herculano era Eurico e Monge
de Cister, São os meus livros queridos I . Os san-
ctuarios consoladores, onde me vou desfazer dos
agros aborrecimentos da vida ; são a ambrósia, o
balsamo,o nectai' que me sana os golpes do coração.
Aquellas duas imagens d'Herculano, Eurico e
(1) Veja-se nota no fim.
87
Hemengarda, sao bellas como poucas tem feito
ranger os prelos* mas as do Camões de Garrett,
essas só a um cefebro como o d'elle foi dada
animal-as com taiitã felicidade. Que inergia de
pulso I Que elegância, é quô vasta selva de pen-
samentos!
Com que vigor elle descanta aquella saudade
no desterro, e com que puro sentimento a envia
á pátria, sobre as ondas revoltas
«Do oceano indomado por tyrannos»
Com que profunda dôr d'almá, e conâ que di-
vinas palavras, elle abre o delicioso poema :
«Saudade! — gosto amargo de infelizes
«Dilicioso pungir d*acerbo e^inho
itQue me estás repassando o intimo peito
«Com dor que os seios d'alma dilacera,
«Mas dor que tem prazeres — saudadel
«Mysteriosonumen que aviventas
«Corações que estalaram e gottejam,
«Não já sangue da vida, mas delgado
«Soro d*estanques lagrimas. Saudade I
«Mavioso nome que tão meigo soas
88
<^^os lusitanos lábios — nSio sabido
«Das orgulhosas boccas dos Sycambros,
«D'essas alheias terras, — oh saudade!
«Magico numen que transportas a alma
«Do amigo ausente ao solitário amigo,
«Do vago amante á amada inconsolável
«E até ao triste ao inf^iz proscripto,
« — Dos entes o misérrimo na terra —
«Ao regaço da pátria em sonhos levas,
«Sonhos que sâo mais doces do que amarga
» Cruel é o despertar... Celeste numtn
«Se ja teus dons cantei e os teus rigores
«Em sentidas endeixas, se piedoso
«cEm teus aUares húmidos de pranto
y «Depuz o coração que inda arquejava
«Quando o arranquei do peito mal-soífrido
«A fóz do Tejo — Ao Tejo, oh deusa, ao Tejo
«Me leva o pensamento que esvoaça
«Timido e accobardado entre os olmedos
«Que as pobres aguas d'este Sena regam
«D^outr^bra ovante Sena. Vem no carro
«Que pardas rolas gemedoras tiram
«A alma buscar-me que por ti suspira»
Que mais poderá dizer do pátrio niDbQ> o man-
cebo que se acha na ílor da idade> a braços com
83
a proscripção, e sente estalar com saudade uma
a uma, as abras mais intimas e preciosas do co-
ração? Que bocca poderá dizer tão meigas e en-
teniecedoras palavras?
Petrarcha, o poeta coroado no Capitólio, modu-
laria melhores versos á sua encantadora Laura?
Ovidio deploraria as desgraças do seu desterro com
mais sentimentalismo ? Não sei porque não os co-
nheço, mas é natural que não ferisse mais do '
que Garrett, o coração dos amantes da poesia.
Como é grande e arrebatado o pensamento do
poeta n'esta saudade I E com qu e vasta erudi-
ção elle explica a força do sentimento que ôr-
cerra a maviosa palavra saudade, e a auctorisa ri-
val de todas quantas abrange a lingua do cantor
d'Ignez, do poeta das Saudades^ e do sapientis-
simo padre António Vieira 1 1
«A palavra saudade — diz elle nas ricas notas do
seu poema, — é por ventura o mais doce expres-
sivo e delicado termo da nossa língua. A ideia,
o sentimento por ella representado, certo que em
todos os paizes o sentem, mas que haja vocábulo
especial para o designar, não sei d' outra lingua-
gem, senão da portugueza.
A isto allude o poeta, ii'este. verso em que lhe
chama ignorado — o termo —
90
'Das orgulhosas boccas dos Sycambrofi>
«O que particularmente se deve entender dos
francezes, — continua elle, — tâo presumidos áe sua
língua tão apoucada»
Á vista d'este luminoso relâmpago d'intelligea-
cia do grande poeta, estou quasi resolvido a di-
zer que elle podia transcrever estes dois versos
do velho Camões, no alto do primeiro c?mto do
seu íivro, feita a devida vénia ao cantor do ca-
bo Tormentório, que ha de ser o rei da poesia
portugueza emquauto existirem os Ltisiadas e a
estatua do Loreto que representa a sua figura
em quanto vivo:
«Cesse tudo que a musa antiga canta
«Que outro vaior mais alto se alevantai
Na verdade, não se erguia um valor mais ai-
to, a pulsar as cordas d'uma lyra Lusitana^ mas
è certo que se alevantava um pincel» que se tí&o
91
attiiigía as formas ô eôreis com que ò robusto
cantor do ínclito Gama pintara os costumes úoi
incolaâ remotos e os feitos dos antigos Lusos»
dava um colorido honroso nas pegadas do poeta,
livrando-âs assim, de serem apagadas pelos pés
dos séculos, e mostrava ao mundo um seguidor,
— em parte — acérrimo e consciencioso das leis
e doutrinas que o grande épico derramara sobre
os seus hymnos sonorosos!
Como é pungente e sublime a dor que o rala
ao conlar-nos em tão elegante metro as vicissitu-
des do seu saudoso e querido mestre, do seu Luiz
de Camões ! I Em que phrase tão pulchra e estyllo
tão alto, elle descreve os transes doloridos do
auctor dos Lusíadas f I Como delinea com vivas
cores o quadro das varias phases .com que a so-
ciedade se rebuça, para occultar as mudanças re^
peotinas dos gestos, e o turbilhão de paixões desen-^
conlradas que dardejam quasi sempre nos rostos
das suas divinas imagens ! Como é tocante e sym^
pathico, aquelle segundo canto, em que o poeta
guerreiro, buscando repouso ao corpo fatigado,
nas cellas . do convento do velho missionário, de-
para com a ^ua amada, a sua querida Natércia
no esquife luctuoso, rodeada de padres, e amor-^
talhada já, para descer breve á tenebrosa estancia
n
do repouso do òoi*po ressequido pela saudade,
porque a alma,... a alma^ essa... voara já á ecter-
nidade sobre as azas da virtude, e ladeada de
nuvens d'incenso da Providencia divina I Como el-
le acaba a scena lúgubre do passamento da infe-
liz amante de Camões!
. .' «Em tanto
«Deu a volta fatal e derradeira
«A chave do ataúde ; cae a lagem
«Sobre a bocca do tumulo. A existência
<Se esvaeceu... começa a eternidade.»
E as sublimes palavras com que Garrett manda
contar a Camões a historia da perda d'aquella scen-
telha que jazia apagada em sua fronte, ao lado â'a-
qneiroutra viva e penetrante que o guiava ainda
nos caminhos da vida tormentosa e aborrecida:
«Era a minha primeira lição d'armas,
cFoi a primeira vez qne o mauro alphange
«Por d'entre os olhos me pruzou ço'a morte.
«Junto a meu pae,— á frente o viram sempre.
93
«Sobre o imígo baixel a paiino cheio
cGaia a nau do seu cominando... (Ucn
«Silvo de pelouro soou.— Mirado a elle
«Certeiro mouro tinha:— estendo o escudo...
«Movimento feliz f saivei-lhe ávida.
«A baila resvalou, e já sem força
«Leve aqui me feriu na sestra face
<E fria aos pés me cae)
— «Leve ferida
«Que um dos olhos!
«Oh t dois nos ha dado
•Liberal natureza — Que vale isso !
«Salvei meu pae.» —
Esta é quanto a mim uma das melhores sce-
nas do poema —guardando o verdadeiro respei-
to a lodo o canto V e X, que são saflQcientes pa-
ra immortalisar um homem.
Aquella imagem . puramente histórica do bon-
doso fidalgo D. Aleixo, quem a animaria melhor
do que a penna de Garrett? E como é original a
de D. Sel)astião, esse mancebo inexperto que foi
levar o corpo ás agras solidões africanas, arras-
tando apoz si, a gloria da nação a quem se cur-
94
vou o muedo mteka, xenájo passar seus filhos
pelajterra baptísandú bamispbario$ desconhecidos,
dando leis ainda nos mais affastados climas do
globo, e navegando sobre o lombo enrolado d'es-
ses vastos mares,, com a bandeira das Quinas
fluctuando ao som dos ventos, rugidores, que açou-
tavam essas inderruíN^ieia pjiramides, erguidas pe-
lo ouro da dissoluta Gleopalra,: em memoria dos
seus actos ignominiosos que sibilaram pelo uni-
verso, como ventos maldictos que amputam na
passagem destruidora» tudo que se não curva ao
seu poderio como o abetada vai^ea desabrigada.
Que palavras tão cheias de. subUmidade elle de-
põe nos lábios do seu grande heroe, para elle pro-
ferir ante o monarcha que lhe promette um pre-
mio honroso em paga dos seus serviços d'espa-
da e penna, e com que, elegância de phrase co-
meça e acaba este dialoga travado entre o vate e
o rei nos paços de Cintra, juncto dos cortesãos,
quando D, Aleixo lhe apresentou o guerreiro di-
zendo:
«Eil-o senhor, o nobre pretendente
' «Que desejaes ouvir
— tSim quero ouvil-o ^
«Quero e desejo; nSo ignoro o preço
95
«Das kias tettras; neii» â'um nro engenho
«A estima desyalio: em prol da ps^tria
«Uns obramos cV)a espada; cumpre aouh^os
4Go'a penna honraUa.
*»-«Se honra a minha penna
«Real senhor, a mipha amada pátria,
«Dil-o-hão sabedores e feltrados.
«Para servil-a espada e braço lenho
«Que por si faliaríío.» ♦
— «Digna resposta
«D' um poftuguez. Honrado sois amigo
tPor tal voa tenho e quero; e abonos vejo
<Em vosso rosto, que voltar nSo ousa
<íDa face do inimigo. — É este. — (Disse
«paliando aos cortesãos] de quantos d' Africa
«Aqui vêem, o primeiro que nãlo falia
«Cm suas cicatrizes:
— «Bastas eram senhor.
«As de Pacheco e... (Morreu áfome ia elle a diz^J
— «£u nâo ignoro
«Asperamente 6 rei o interrompia,
«Os feitos de Pacheco.»
Olhos pasmados
^Os cortezâos cravaram, no soldado
«Que tiSo crua yerdside se afoitava
«A proferir ali^-^algum jÀ.cuida
96
<Que d'escuro castello a torre o aguarda,
<0u que ao menos... Compondo um tanto o rosto
«Tomou el-rei :
— «Iremos para ouvir-vos
«Da penha verde á íresquidSo sentamos.
«Calmoso vae o tempo; e a demais, prazem
«Dobrado entre a verdura, os dons das musas.»
E O nosso Garrett lá conduz o alquebrado Ca-
mões apôs D. Sebastião e a corte, aos sombrosos
arvoredos da Penha, onde vae contar ao som dos
brandos favorneos, o assumpto da grande epo-
pea que prende n'essa occasi5o as attenções aos
lettrados e homens doutos da nação, os serviços
de subido valor de seus personagens, e os cos-
tumes dos selvagens ignorados até então na Eu-
ropa.
Ali dá conta Camões, da dictosa condição dos
filhos do indostão que fugiam espavoridos, vendo
a gente do Gama crusando as mattas virgens e
attacando feras, a dictosa gente que povoa as lon-
gínquas plagas da Ásia e Occeania, e de to-
dos os espaços do polo riental ; tudo ' que viu
e ouviu n'esses vastos hemispherios . que elle e
»7
seas animosos coaq[)anheiros demandaram [sem
ramo certo
iPor entre os furacões d'atra procellai
No fim levanta o rei a audiência, todo cheio
de entbosiasmo, e quando Camões acaba, o espi-
rituoso Garrett mette aquasi estas palavras de
suprema vaidade na bocca do rei :
lUm dia offuflcarei toda «ssa gloria
lE a mais altas canç<Jes darei assumpto
e quando Gamões se despede, manda Garrett ao
mancebo real, que lhe diga :
— «Voltae a ver-nie,
E vos farei mercê, como é devido.
E Camões lá desce a serra de Cintra á Lorà
em que também, descia o sói, a cujo calor reii-
ALMEIDA GABRETT ' 1
/
98
tara o livro que escpesera vkijandO' sohre agpa$
nunca sulcadas até-li. Que scenas Ganrett apre*.
senta n'estas interessantes situações i E como s3o
bellos os comentários que se seguem a eilas ! Que
feliz concepção a dó poema Camões l
Quem fora mais dextro do que João Baptista
d'Almeida Garreit, para desempenhar tão árdua
commissão? Eu pobre auctor d'estas memorias,
sem pretensões a poeta nem tão pouco a metri-
ficador de prosa rasteira, já exclamei n'um mo-
mento d'aborrecimento, espraiando a vista sobre
aquelle empório de sublimidades:
Quem ferira bordões t5o consonantes
Gomo o herdeiro do cantor do Gama?
O divino Garrett, o deus da lyra,
O sublime cantor de Dona Branca?
O nome de Garrett já nSo morre ;
Porém, se um dia por desgraça nossa
Deixar de nomear-se tal gigante ;
Deixará de fulgir no firmamento
O luseiro vivaz que alaga a terra,
Quando a lua repousa no seu leito
Ladeada de fachos rutilantes !
99
Se assiiâ acontecer mesquinhos Insos..^
Ghorae entSo na escuridSo profunda,
As cinzas do cantor que agora canto,
Porque nSo vereis mais o rei dos astros.
Lembro-me que escrevi isto na capa do poema
Camões, e ainda não me desdigo: porque a me-
moria de Garrett não será escurecida, sem que
tenham baixado á penumbra do esquecimento os
nomes d'Homero, Horácio, Ariosto e Dante, e
apoz elles, Demostbenes, Lycurgo, e Eschines.
Os louros verdejantes que Garrett ceifou no
campo das lettras, em todos os géneros, não
murcham, florescenj, vivem, e dão fructo para
alimentar as legiões da posteridade!
« Gemi n'aDgtistia,
«Penei ao desamparo, em soledade;
«Vagad sosinho á mingua e sem conforto.
« -
«Todo sofDri no alento diurna esperança.»
(Gabbbtt.— Cam(^0«)
Do Havre passou o poeta a Paríz entre os an-
Dos de 1824-25, já com os sete cantos comple-
ctos do poema D. Branca, (l)eo Camões muito
adiantado, mas não complecto ainda, porque as
saudades do lar paterno, atropellavam-lhe hor-
rivelmente a ideia, e nSo o deixavam concluil-o.
As correspondências pouco animadoras que re-
cebia da pátria, que lhe diziam o que ia n'ella
por esse tempo, os sons confusos que se escuta-
(1) Veja-se a nota no fim.
102
vam nas margens do' Sena acerca da crítica situa-
ção da Europa, e principalmente d'Hespanha» on-
de os batalhões liberaes esmoreciam e esperavam
a cada passo, tremendo com susto, o annuncio
fatal da guerra prestes a atear-se, assoprada pela
reacção absolutista, que n'essa época desgraçada
pretendia carniceira, assolar a mais fértil e pode-
rosa parte dá Europa, faziam-lhe estalar a penna
sobre o papel, "& sálpicavam-tf o de tinta, como di-
zendo-lhe a sorte que esperava seus irmãos, —
serem também borrifados com o próprio sangue
creadò com o sol da passada liberdade. Esta no-
va e bem triste decepção, obrigou-o a pôr de par-
te os grandes apontamentos que tinha juncto para
a historia do grande Génio Lusitano, e começou
a traçar a D. Branca, por ser, diz elle, trabalho
de menos responsabilidade do quô o primeiro.
Em Paris foi residir para uma pobre agoa-furtada
da rua de Coq-St,-Honorô em Novembro de 1824,
na companhia do honrado patriota José Victoríno
Barreto Feio, seu irmão em crenças e opinioes^,
6 nos haveres escassos que lhes tinha legado a
desgraçada queda da constituição.
«E quasi que tenho hoje saudades, — diz o
poeta poucos annos depois doesse desterrq, —
tal nos tem andado a sorte t^-*^ das engdUtadas
103
^ ^i^ii « » j
noites de Janeiro e Fevereiro que passávamos
n'uma agaa-fqrtada, com os pés cosidos no fogo,
eu e o meu amigo vellx); eile trabalhando no sen
SaUustio, e eu {lidando no meu Camões, ambos
proscriptosi ambos pobres, mas resignados ao
presente, sem remorsos no passado, e com espe-
raooâs largas no fucturo. — Graças a Deus,
de mim sei, e d'eUe creio que estamos na mes-
ma quanto ao passado e presente, mas o futu-
ro!...»
Concluindo o livro immortal de Camões, dedi-
cou-o ao seu muito particular amigo António
Joaquim Freire Marreco, (1) e para nâo compro-
metter a posição e dignidade do iliustre portu-
guez, seliou no rosto do Iííto, apenas a inicial
— H. — Ajudado por esse amigo dedicado e sin-
cerOj pode dal-o á luz da publicidade em Paris^
cuja composição se conduiu a li de Fevereiro
do mesmo anno de 1825. Correndo logo por
ukSos deportuguezese estrangeiros, recebeu o au-
ctor a par d'um espantoso acolhimento, e pro-
tecÇaO) algumas criticas de cores sortidas, mas
na maior parte injustas, Cabricadas pelos seus
abominadores. Esta obra prima, conta boje seis
(1) Y€ja«senotanoSm.. .
Jtí*
edições, a fora as que se tem publicado no Bra-
zil.
N'este período d'odios e intrigas detestáveis,
entrelaçavam-se graves e clandestinas negociações
relativas a Portugal, entre Lisboa e Vienna à'Ausr
tria onde se achava D. Miguel, e Londres que es-
tava cheia de emigrados portuguezes, hictando
pela maior parte com a escassez de recursos, on-
de a dextra beneãca da duqueza de «Palmei-
la, occultando-se da sinistra, lhes muniíicava os
valiosos soccorros que podia dispensar. Foi aqoel-
la illustre e virtuosa senhora, a única mãe que
protegeu a tantos desgraçados que repintavam as
terras d'Albion. Depois da publicação doeste livro,
que apesar dos seus numerosos emuladores, foi re-
cebido com e.ntl)usiasmo pelos amantes das boas
lettras, e amigos do auctor, mandou imprimir a
D. Branca, e resolveu por-lhe no frontispício as
duas iniciaes, anagrammaticas — F. E. — que usa-
ra FiUntho Elysio — Francisco Manuel do Nasci-
mento — e com a designação d'obra posthuma ;
o que fez acreditar a muitos e asseverar a outros,
que a obra era filha de Filintho, porque este
poeta morrera em Pariz em 1819, onde estava
exulado. Ora o sr. José da Silva Mendes Leal, fat-
iando de Garrett no seu Elogio Histórico recita
10»
do na sessão publica da Academia Beal das
Sciencias de Lisboa em 19 de Novembro de 1866 ^
diz que c emigrando Garrett tractara em França
com o padre Francisco Manuel, mais conhecido
pelo nome de Filiniho Elysio. » N3o posso saber
agora de quem é o erro, se do illustre. auctor do
dogio, se dos aactores das biographías do tra*
ductor do Oberon, que dizem ter morrido este
portoguez em 1819, como deixo dicto acima.
A D. Branca acabou-se de imprimir em 1826
e conta boje quatro edições. Apesar de ser filha
da mesma penna que traçou o Camões, parece-
me que não incendiou a cubica dos habitantes das
terras de Santa Cruz, (1) que não cançam de fa-
zer edições das melhores obras dos nossos es-
criptores.
Consta que Garrett em quanto companheiro de
casa de José Victorino, era empregado n'uma
casa de commercio parisiense^ (2) e ás noites^
quando se recolhia á miserável habitação de prós-
cripto, escutava com ávida curiosidade a beUa
(1) V6ja*se a nota no fioL
(2) Idem.
106
tradu<^o da Eneida ^rgitiana» que o seu velho
amigo fazia por essa occasião, e debaixo de cujo
nome S6 publicoa uma boa parte, mas não toda»
porque o dextro e profundo latinista» não che*-
goQ a concluirá, não obstante as 'stimulaçoes
amigáveis, que lhe fazia ultimamente o seu ami*
go, e a muitos respdtos o venerável barão de
Villa-Nova de Foscôa, com o vivo desejo, deqoe
a litt^atura portugueza podesse ufáoar-se de ter
em sua linguagem os grandes partos da imagina*
çSo fogosa do poeta mantuano. Mas infelizmente
não poderam vingar os rogos ancioàos do nobre
l^oscôa, porque uma doença renitente e perigo^*
sa, prostou de cama o digno deputado Vietoríno,
congénere de Garrett, e o ultimo volume da obra
de Virgilio, saiu traduzido pelo já falecido poeta,
José Maria da Costa e Silva. Barreto Feio era
um doestes homens sinceros e bondosos, que ra*
ramente se topam quando se precisa da sua pre*^
sença, e que pagam sempre com generosa pon*
ctualidade, as demonstrações de verdadeira wú^
zade que recebem de seus irmãos ; e juactò de
Almeida Garrett, á luz mortiça d'uma vela que
espirrava n'aquella habitação gellada pela intensi-
dade do frio, escutava também com pura e reli-
giosa attenção, alguns trechos dos seus mavio-
107
•*tm^
S08 versds, e d^omas tradac^Oes de Gatuilo, que
o novo poeta fizera em idade mais verde, nas
hara»> snbtrahidas á$ lides académicas, é ao des-
canço que lhe 'stipulava o 6en primeiro mestre,
bispo 4'Angra do Heroísmo.
Barreto applaudia o que merecia elogio, e em*
mendaTa4be o que conscienciosamente conhecia
«rrado.
Este nobre patriota era também o invólucro d'nm
cora<;3o generoso, e duma alma sensível, mas de
crenças e opiniões inabaláveis* Conta-se até que
estando por hospede em casa d'um titular da
corte, quando era deputado não sei por que cir-
culo eleitoral, que arguira nas camarás o seu bem-
feitor que lhe servira de pae nos tempos da ad-
versidade; interrogado acerca do seu proceder
d'ingrato, respondeu que emquanto no palácio do
que lhe dava o sustento, fallava pela bocca da
gratidão, mas que na casa onde se deliberava o
flicturo d'uma nação, fallava pelos lábios da cons-
ciência e da opinião que nutria desde o berço.
Era um dos homens francos e mais honrados
do ,D0SS0 século.
cBarreto Feio, diz o seu biographo, foi enthu-
siasta dos rasgos de virtude, de valor e amor da
pátria^ dos homens celebres da Grécia e Roma ;
108
penetrou no âmago da historia d'esi}as nações,
e chegando a ser apaixonado das belias lettras,
enriqueceu a IKteratura pátria, de belias traduc-
ções, entre as quaes avultam as de Sallustio e
Virgílio, talvez as melhores que a Europa hoje
possue.j>
E este nobre portuguez morreu também infe-
c liz como tantos homens, victimas dos sentimen-
tos' nobres e da intelligencia que Deus lhe got-
tejou nos «seios d^alma», para serem apóstolos
ousados dos grandes batalhões da ignorância, e
commandal^os na estrada da perfeição e da virtude.
c:
c
t
ff Voltei em fim & pátria
«Outra Tez de esperanças iUudído.
«Alguns serviços por benignos chefes
«Exagerados sim, mas oSo mentidos,
«Nada obtiyeram.
(Garrett.— CowiíJeíj .
VI
Restituída a liberdade ao lacrymoso Portugal,
que estava havia perto de três annos, orphão de
seus filhos mais leaes e lhes ouvia os suspiros
que do desterro lhe mandavam sobre a corren-
te dos mares que os apartavam, no anno de 1826,
começaram logo a mecher-se no exilo os mofi-
nos desterrados, dispostos a deixar o asylo es-
trangeiro, para beijarem a face da terra que se
levantava da enfermidade que soffria havia tanto
110
tempo. Por esta occasi3o voKou o inspirado Gar-
rett ao reino, sobraçado com os seus bellos poe-
mas filhos de saudades e magoas, animados já
com os beijos deliciosos da imprensa e mais tra-
balhos litterarios, de differentes espécies, que lhe
haviam sido inspirados, pelos ennos solitários do
exilio, e duras attribulações que experimentara
no decurso do seu tormentoso vagueamento. Che-
gando pois á corte de Portugal apressou-se a fa-
zer a sua apresentação na secretaria doestado dos
negócios do reino^ onde trabalhara em 1822 an-
tes da . reacção absolutista que o arremessara ás
terras da proscripção. Sendo-lhe reintegrado no-
vamente o lugar que occupara n'aquella reparti-
ção juncto com outros seus amigos, durante o
pequeno espaço do regimen constitucional de
1826-1827, encetou a publicação d'um jornal,
que intitulou o Pormguez^ tendente a defender o
systema constitucional e o^ melhoramentos d'ad<^,
ministração publica^ cuja sociedade se couB^unha
dos seguintes indivíduos além d'QUe: João Anto^
nio dos Santos, Paulo Midosi^ e Luiz Francisco
Midosi seu irmão, Carlos Morato Romai Ântomo
MariA CouQeiro, Joaquim Larcber» e Jos^ Libera-
to Freire de Carvalha» a quem Garrett enb*egou
o ieme de redactor prínoipaK Por este t^po foi
Hl
que O poeta Qscrev^ e pobUeoutarot^em a sua
Carta de guií^para: Eleitores , e no mesmo período,-
saia em Pariz ao primeiro volume do Parnaso
Imitamot uma prodQcçao que ali deixara sob a
epígFapha de Emaio $Qbre a hUtoria da lingm e
poesia portugmza^.
Combatidas ppuco depois as ideias do Partu-
gmz^ esse bedjQ colaborado orgam da liberdade,
por ; José Agostinho de Macedo, o critico mais,
mordas que por nosso jnal possuiu a litteratura
pátria, esse corrupto ministro da egreja, e pre-
sidente da republica da caíomnia, que a par d'uDi'
talento singular e uma vastissima erudição/ pos<»
sQia um alto grau d^bypocrisia : uma, abna de-
senfreadamente prop»:^a a praticar todos os actos:
que os homens virtuosos condemnavam; com*-:
batidas as crenças religiosas e i»*ofanas dos co<'
laboradores do jornal, pelo espião politico dotem^
po ida invasão francesa em Portugal^ foram pre*
SOS alguns redactores, e encerrados nas prisões
do Limoeiro em Agosto de 1827, e pronunciados
pelo crime de fom^tadores dos movimentos tu-
multuosos da capital nos dias 24> 25 e 26 de Ju«
Iba de 1827, Garrett entrou resignado para aquel*
)a sepultura de vivos sem maldizer o infame sal*^
timbaiv^o do ebrislianismo, que ali o levara injiísta*
Itô
mente, 6 só com o intento de fazer mal, e come-
çou a compor e planear os seus romancínhos mé-
tricos, sem se assustar das cruas^ arguições que
os seus emulos lhe faziam em tanto, queimados^
pela inveja de ]^3o poderem erguer-se á grande-
za a que o tinham levado as suas obras.
. Ali na prisco foi que elle concluiu o seu lindo
romance antigo a Adosinda que come^^ara ainda
em perfeita liberdade nos princípios de 1827 em
Campo d'Ourique, onde morava por esse tempo.
Saindo da cadeia da cidade os redactores do
jornal depois do julgamento, foi José Liberato dl-
mittido do emprego que exercia na secretaria do
reino, e acabando por este acontecimento a pu-
blicação do Portugtuez, fundou Garrett outro, inti-
tulado O Chronista semanário que tratava de cotsi"
meròio, litteratura e politica, que foi também
colaborado por parte dos homens que escreviam
no eWincto Portuguez. Do Chronista icãx^ vi ain-
da nenhum numero mas consta-me que tem arti-
gos de muito merecimento litterario. E o empe-
nho de Garrett continuava a ser sobre litteratura
e politica, mas a sua politica naa tendia a des-
graçar a nação, mas sim salval-a das garras dos
oppressores bárbaros, que se ensaiavam para a
empolgar novamente, e pisar com os pés impiòs
143
os seus c(»iteiidores; e^a soa eloquente littera*
tura miQca reãicularisara os actos virtuosos nem
menospjresara os sanctos dogmas da religião, co-^
ma fazia a auetor do Gama ou do Oriente, te"
buçaodo-se sempre eom a mascara da pbiloso-^
phia.
Pelos fins de 1827, foram persegoidos encar^
niçadiameiíte os nobres liberaes, que já se ha^
viam distinguido em 1820, pelos vastos partida^
riosL de Miguel cujo governo se tornava a as-
sentar em Portugal, e vendo-se os cartistas ex-
tremamente apertados tiveram de fugir para a
província de Gallizapara onde foi todo o Corpo
Académico, mas não acbando essa multidão de
foragidos, caridade nem amor entre essa selva*^
jaria bruta d'alem-Minho, passaram alguns dias
pes^mamente em consequência de lhe começa-
rem a escacear os soccorros que percisavani
para resistir ás ameaças dos partidários do usur-
pador que eram em maior copia. Yendo-se en-
tre estranhos sem coração que os aborreciam e
tractavam com desdém, mandaram os infelizes
portuguezes pedir a um respeitável titular que
se achava em commissão de Portugal em Lon-
dres, que os mandasse soccorrer n'aquelia triste
posição^ onde a fome já os ia ferindo ainda que
ALMEIDA GARRETT ^ 8
114
levemente. Sabendo o nobre duque de Palmei-
la, que era então embafxador em Looidres, que
os dignos e exforçados liberaes vagueavam op-
primidos e descontentes em terras gallegas co-
mo em Tuy, Ferrol e Corunha, mandou Paulo
Midosi a esta ultima cidade em 11 de Agosto de
1828 para tractar de os transportar a Inglaterra»
n'uma embarcação que mandou apromptar e sair
em demanda das costas de Galiza.
Chegando Pa ulo Midosi á Galiza como enviada
do Palmella, fez ajunctar immediatamente os in-
felizes que ali se espalhavam,, e executou o seu
encargo, com a ligeireza e prudência que se re-
querem em casos de tanta responsabilidade, e ur-
gência.
Pouco tempo depois que esta legião de foragi-
dos, se affastou dos mares gailegos, desembarcou
em Plymoutb, onde se formou um deposito para
os emigrados, sendo Midosi nomeado secreta-
rio geral d'elle em 28 de Setembro do mesmo
anno.
N'esta embarcação cheia de portuguezes, fo-
ram também, emigrados para Plymouth D. Vi-
cente Paim terceiro conde d' Alva, e o grande
orador — mais tarde — José Estevão de Magalhães
que pertencia ao batalhão Académico de Coimbra.
115
Garrett emigrou também por esta occasi3o de-
pois de ser novamente demittido do eihprego,
embarcando para Inglaterra, não sei se no Tejo,
se nã Galliza, mas é mais provável que fosse no
Tejo.
O certo é; que chegando ao desterro fez lo-
go representar em Plymouth o Catão aquelle
drama que já lhe grangeara immensas sympa-
thias dos lisbonenses, e um distincto lugar no
campo das lettras portuguezas.
Foi desempenhado pelos seus amigos, que re-
ceberam, tanto dè portuguezes como dlnglezes,
os applausos que merecera o feliz desempenho,
e o pnmor da peça. Consta que nas chronicas
da semana, de vários órgãos da imprensa brittanni-
ca, appareceram differentes artigos, dando conta
da peça e do desempenho, que passavam a car-
ta de actores aos curiosos, e punham Garrett
n'alguns degraos acima dos bons trágicos da anti-
guidade. Que talento, e que rara felicidade pos-
suía o nobre desterrado ff Em toda a parte, o es-
timavam f Todos se enthusiasmavam ouvindo as
suas producções, ou vendo-o fallar, com aquelle
propósito e elegância que lhe eram familiares f E
um tiòmeni assim que todos acatavam e reveren-
ciavam com todo o respeito, precisava de andar
116
vagueaudo de terra em terra, pedindo pousada a
estranhos, tendo uma pátria tão l)elia para alcm-
gar a vista fogosa sobre soas flores, seus rios,
seus prados, seus montes, e colher sobre essas
diferentes grandezas, a poesia d'alma. Percisava
d'errar pobre e triste, roido de saudades, á emi-
tação dos antigos romeiros de Sanctiago? Não;
mas percisava de liberdade para correr a sua pá-
tria e gritar contra os abusosj^ sem que Uie disses-
sem de súbito a phrase despótica de Gafe es^a
bocmíít Não; mas necessitava ar, e ar muito pu-
ro que não lhe abafasse as palavras, e o deixas-
sem expandir a robusta imaginação que lhe quei-
mava o cérebro, e os homens que rodeavam
usurpador pretendiam roxear-lhe os pulsos, con-
frangir-lbe a vóz e tortural-o sobre o eqúuleo
do despotismo. Por isso é que elle já se tinha
abrigado tantas vezes d'essas tempestades entre
corações estrangeiros, e nunca curvara a fronte
a esse rebanho de oppressores. Honra ás cinzas
do grande patriota que sempre conservou seu no-
bre peito conchegado ao lábaro, que abraçara
ao desprender-se das cadeias que o ligavam á
casa paterna I
Disolvido que foi o deposHo d'emigrados em
Piymouth, logo se dispersou essa immensidão
117
de infelizes por varias povoações brittanicas, co-
meçando em seguida a formar partidinhõs de
diversas cores politicas que fiseram descer sobre
elles com mais intensidade, as a zas do infortú-
nio que lhes tinham varejado a fronte antes e de-
pois de se despedirem do reino para se refugia-
rem alem-Minho.
Mas Almeida Garrett deu de mão com toda a
força do seu despreso a esses loucos intentos,
que deviam tecer indeclinavelmente, as mais vo-
razes desavenças entre a maior parte dos expa-
triados que tinham n'aquelles climas, só a protec-
ção do duque de Palmella, e sua bemfeitora es-
posa.
Para evitar que algum José Agostinho de nova
espedé ' o envdvesse n'essas tentativas absurdas
e o desconceituasse perante os seus amigos e
protectores, deu-se pressa em embarcar para
Brest> è deixou poucos dias depois a capital de h <
glaterra.
Em- Brest porem, conservou-se pouco tempo o
illustre poeta, porque recebeu ali um ofiBcio do
duque para comparecer em Londres dentro d'um
praso marcado.
Garrett cedendo á urgência da participaçSo
partiu no mesmo instante de Brest para Lén-
118
dres, onde foi recebido pelo illustre embaixador
com verdadeiras demonstrações de regosijo e
cordial ajQTecto. Recolhendo-se os dois ao gabiae-
te secreto da legação portugueza, Palmella revê-
lou-lhe os desejos que alimentava de o ter traba-
lhando juncto de si, com o grau de secretario da
embaixada onde se achava também empregado
Paulo Midosi. Garrett acceitou com satisfação o
cargo de secretario ao pé de Midosi, não só por
ser condescendente com a vontade do seu prote-
ctor, mas também para dar algum descanço á
imaginação que tinha sempre afundada nos seus
trabalhos litterarios, e que lhe eram prejudiciaes
á. saúde. O nobre embaixador agradeceu-lha a
boa vontade com que se promptificava a faser par-
te da embaixada, e d'envolta com um cordial
abraço disse-lhe algumas palavras consoladoras^
e de lisongeira esperança no fucluro.
No estreito exercício d'aquellas funcções, go-
sou então mais^ saúde, porque só nas horas va-
gas se entregava ás lettras e sciencias. Em No-
vembro ou Dezembro d'esse anno appareceu pu-
blicado em Londres, o pequeno livro da Adosin-
da^ esse romance popular estreietamente cingido ás
mais elegantes regras clássicas, e na mesma época
coUecionou, refundiu e aperfeiçoou, varias lendas
1(9
do -povo qae delineara com aturadas investiga-
ções. Passado pouco tempo foi tradusida uma
parte da Adosinda — julgo que a melhor — para a
lingoagem de Milton, peio muito estimado poe-
ta em Inglaterra João Adamson que era amigo de
Garrett. Os inglezes que desconheciam os mere-
cimentos do auctor do Camões, receberam com
grande admiração aquelle pequeno fragmento da
Adosinda, e alguns estudaram então a lingua por-
tugueza para lhe admirarem as obras, tão nomea-
das, como as dos grandes poetas da sua terra.
Apparéce este soneto nas suas obras poéticas, es-
cripto em Londres na mesma época, que pelo
sentimento qiie exprime, é digno de ser mencio-
nado n'este lugar. Esta composição parece ter si-
do feita por occasião de chegar a Inglaterra al-
gum emigrado seu amigo, a quem busca dimi-
nuir as magoas de se ver longe da pátria :
Saudade
«Séculos sSo, na vida que enfastia,
«Estes dias de exilio amargurados ;
^«Um por um, magoa a mágoa, vSo contados
«Em lenta cruelissíma agonia.
120
f Oh! roubemos-lhe ao menos este dia.
< Ao padecer que todos traz roubados ;
< Sejam pela amisade consagrados
«Ao casto amor, instantes d'alegria.
«Tem prazeres também a desventura:
«A própria carrancuda adversidade
«Sorri 6'oa esperança que lhe lux fuctura-
«Vem, amigo, no seio da amisade
•Festeja a esposa, sonha c'oa ventura,
«Que um dia hade mattar tanta saudade.
«r. . . Emtote
«Pela terra estrangeira, perigríno,
«Nas solidões do exilíOi fui sentar-me
«Na barbacan ruinosa dos castellos.
{(jjíMXTt.—Camiíes)
VII
Ouvindo Garrett fallar com muito apreço d'al-
gumas grandezas d'Irlanda, berço dos seus infe-
lizes antepassados, e d'Escocia, pediu uma larga
licença ao bondoso embaixador, para ir visitar e
admirar de perto essas maravilhas, cuja dis-
cripção o impressionava fortemente. Feita prom-
ptamente essa concessão pelo duque de Palmella,
foi Garrett passeiar em roda d'esses monumentos
notáveis, castellos derruídos» povoações denegri-
122
das pelo famo das fabricas de ferragens, e os sí-
tios mais celebrados por antigos e modernos
poetas e prosadores brittanicos. Entre outras no-
tabilidades que visitou o illustre poeta, figuram
o castello de Dudley seus fosseis e barbacans, as
profundas excavações que se faziam abji por es-
se tempo, em demanda dos materiaes que são o
commercio e a riqueza d^aquellas paragens ári-
das, desertas e queimadas pela atmosphera can-
dente formada por esses vários elementos exala-
dos da terra, cujas naturezas differentes se
embatem como os ventos Noto, Austro, Boreas,
e Aquilão que se topam no sibilar tempestuoso
entre a terra e as nuvens. A estas ruinas notá-
veis d'um antigo castello feudal dos antigos bre-
tões, que o poeta já visitara de passagem no an-
no de 1823 quando estivera em Birmingham, foi
que elle alludiu n'estes versos immortaes do prin-
cipio do canto sétimo do Camões.
<Eu vi sobre as cumiadas das montanhas
« D' Albion soberba ^as torres elevadas,
«Inda feudaes memorias recordando
«Dos bretões semi-barbaros. Errante
123
«Pela teria estrangeira, perigríno,
«Nas solidões do exílio, fui sentar-me
«Nabarl)acaQ ruinosa dos castellos,
«A conversar c'as pedras solitárias
«E a perguntar ás obras da mSo do homem
«Pelo homem que as ergueu. A alma enlevada,
«Nos românticos sonhos, procurava
«Áureas ficções realisar dos bardos. .
« «...
«Não vi quadrigas de vistosas justas
«Nas praças d'armas afiançada viva.
tf •« ,...
«Nadai só pelos fossos entupidos
«Do desfolhar do outomno, e bronco entulho
«Dos muros derrocados, — soltas pedras
«E immunda terra, á vista affiguravam
. «Insepultos cadáveres golpeadoà,
«Membros, inda cobertos d'aço e ferro,
«Dos que em contenda injusta pereceram,
«Pelo vaidoso orgulho, ou vão capricho
«Do castellao soberbo. Nas ameias
«Se me antolhavam hórridas cabeças
«Hirta a grenha co^as carnes laceradas
< ......•<...
«Gomo se a idade que destruiu palácios,
«Memorias de prazeres luxos pompas,
124
«Catasse mais respeito a taes restigios
cD'atrocidade e crimes,— e escreTesse
^ «Ao passar com a fouce efifemijada
«No limiar d'essas portas: Escarmento
•Ãs gerações por vir. — ^Doia-me alma
«Na solidão das minas, e a lembranças
«Mais gratas me fugia o pensamento,
«Para os vergéis da pátria esvoaçando.»
Que saudade tão aguda e lacerante exprime o
desconsolado mancebo n'este jacto arrebatado de
sublime inspiração I Que sentimento» e que en-
raisado soffrimento alimentava em seu peito pe-
los outeiros e prados alegres da perdida pátria I
< Para os vergéis da pátria esvoaçando ! >
Que pala\Tas humanas, pod erão calar mais fun-
do no coração dos homens que sentem e pensam
do que estas ultimas 1 Ainda me affoito a excla-
mar outra vez :
Quem ferira bord(Jes tSò eonsonantes
Como o herdeiro áo cantor do Gttma?
125
O poeta» depois de visitar esses torreOes mus-
gosos e <x>bertos d'era, as choupanas dispersas
que ladeiam a estrada dlrlanda, via a egreja e
os camparios de Dudley, e foi depois derra-
mar a sua admiração sobre Hagley-Park, uma
das maraviibas inglezas que foram mais enthu-
siastícameate celebradas pelos grandes poetas que
deu a mesma terra. Pope e Thomson nos ins-
tantes das suas mais altas inspirações i D'ali pas-
sou logo aos montes Gheviots e aos Grampians,
6 ás infinitas montanhas de Galles> onde se as-
sentou sósinho, sobre as rocas denegridas e al-
pestres> envolto nos espessos rolos de nevoeiro^
que ainda tornavam mais solitárias e lúgubres es-
sas penedias e pendores crestados pela atmos-
phera abrasadora. Passando depois a Dublin e New-
port pode apreciar então suspenso e extactico os
grandes monumentos que* já vira descriptos n'al-
gumas paginas sublimes do engenhoso auctor
d^essa epopea famosa que se intitula Ivanhoé, que
o faliecido Ramalho de Sousa verteu consciensio-
samente pára a lingua portugueza> segundo affir-
mam os melhores commandantes do corpo litte-
rario do nosso tempo.
Garrett pode: então conhecer mais profunda-
mente o grande bomem^.e o agigantado poeta que
126
a terra d'Escocía tinha lançado ao mundo e a seu
seio o havia recolhido de novo, depois de o ver
cançado em diliciar o universo com suas bailadas
e hymnos ímmortaes, e com aquellas prosas de
rara fecundidade.
N'estas dilatadas viagens, Garrett empunhava sem-
pre a sua pasta d'escriptor, e escrevia com traços
ligeiros as impressões que ia sentindo. Essas
impressões que trouxe para o reino, morreram
— creio eu— nas gavetas da redacção d'um jor-
nal ephemero que se publicou em Lisboa e onde
elle as entregou para serem publicadas em pe-
quenos* fragmentos. Voltando á capital da Grã-
Bretanha em 1839 entrou de novo no eiercicio
das suas funcções, addido á legação portugueza,
e pouco depois mandou imprimir ahi uma linda
coUecção de romances do povo, e poemetos ro-
manescos que intitulou humildemente Lyrica de
João Minimo. Apenas conhecido o pequeno livro
foi procurado com o mais vehemente trans-
porte até pelos que não conheciam a linguagem
dos Lusitanos. D'este volume de lindas poesias,
escolheu as melhores peças, a distinctapoetisafran-
ceza Mll.^ Paulino Flaugergaes, e traduzindo-as
para o seu idioma mandou-as junctar ás suas ma-
viosas producções métricas, que publicou em Pa-
127
ris em 1841, n'um elegante livro que se intitula:
Au bord du Taje.
< N'este pequeno volume de preciosidades poe^
ticas, vem uma linda ode, homenagem a Gar-
rett, que corre traduzida em portuguez, pelo
Sr. José Maria do Amaral, e publicada nas pri-
meiras paginas das ultimas edições d'esse tbe-
souro d e sublimidades e grandezas que se cbama
Camões. N'este mesmo anno appareceu em Lon-
dres, o primeiro e único volume que se cbegou
a publicar^ do Tractado de Educação. Esta obra
comprebende dose cartas que o auctor envia a
uma senhora illustre encarregada da instituição
'udma nobre princeza.
Presumo que estas cartas foram escriptas á aia
da senhora D. Maria II, que estava em Londres,
n'essa época tão cheia de calamidades. Este livro
em todas as paginas que são numerosas mere-
ce o nome que tem no frontespicio, já no'styllo
sempre elegante e correcto, já na fecundidade
dos bellos pensamentos, já pela ideia que o au-
ctor desenvolve sempre com successo feliz, já
pela erudição .vasta e felizes comparações phi-
losophicas, e exemplos históricos que apresenta
•para fazer sobresair melhor os seus preconcei-
tos, já na linguagem sempre sã que adoptou nas
128- _^__
primeiras produções e jamais deixara de sus^
tentar ; ja nos períodos dissimaladamente engra-
çados qae ningaem soube apresentar melhor do
qae eile : assim como nos breves mas explicitos
conselhos que dá ás turbas de que se constituo
tribuno para as guiar ao porto da regeneração
social.
Ouvi dizer ou li algures^ -*^ hão me posso ago-
ra recordar onde — que este bello estudo cons-
tava de Ires volumes, mas que se perderam dois
no lamentável naufrágio que succedeu nasagpas
da Foz do Douro, durante o cerco do Porto, e
não ha noticia de que Garrett, tornasse a por em
pratica esse monumento; primeiro no seu géne-
ro' em Portugal. É pena que obras d'estas não
cheguem ao poncto qua imaginam os homens
ousados e talentuosos como era Almeida Garrett,
mas esse só volume, fornece-nos forças para di-
zer-mos que já possuímos um tractado d'educch
ção.
A grande victoria que os constitucionaes ga-
nharam na ilha Terceka — Praia— em 11 d' Agos-
to de 1829, cantou-a Garrett em Londres, n'uma
composição poética recamada de tão verdadeiro
amor pátrio, que alem do Camões e Catão, pare-
ce-me que nenhuma poesia lhe saiu tão do inti-
i29
mod^alma; £ \m dos mais arrebatados pensamen-
tos que tem a sua numerosa litteratura ! Ainda
faz vibrar com mais vebemencia as cordas do co-
ração, do que a odo que .citei no principio da bio-
grapbia, que eUe recitou na Athenas portugueza^
Esta composição intitula-se: A Lealdade^ ou a vi-
storia da Terceira^ e Garrett dedicando-a ao cm-
de de Villa-Flor, depotô duque da Terceira, e aos
bravos soldados da constituição, mandoq-a publi-
car n*um dos primeiros números do Chaveco Li-
beral^ jornal que se publicava em Londres nos
fins' do mesmo, anno, pelos illustres emigrados
portuguezes. D^ís o poeta mandou-a imprimir
em .separado n'um pequeno folheto, em conse-
qu^cia de receber muitos pedidos de Portugal e
França. Esta deliciosa canção tem vinte capitur
los, em vários metros, e acaba, com coros de sol-
dados e;saHando 1>. Maria II, ao tbrono que es-
lava, occupado por D. Miguel.
Nos princípios de 1830, tempo em que o poe-
ta esteve por ventura mais despreoccupado e tran-
quillo no desterro, começou e concluiu um tra-
balho quelha deu uma grande faceira, e o fez subir
mais alguns degrau», do tbrono,. em que conter-
râneos, e affaslados o haviam erguido, para. ser
admirado pelos pygmeus da posteridade! Contan-
ALVEIOA GARRETT 9
130
do approximadameDte trinta e um annos deidade,
tendo provado já as mais amargas vicissitodes e
desenganos, e seotindo-se muito mais abastecida
de estudos, era de esperar que voltasse os olhos
para o seu passado litterario, onde pairavam al-
gumas nuvens crianceiras que percisavam de ser
dispersas; e assim o executou n'esse anno, N'uma
â'essas horas divinas em que sentia subir a ima-
ginação rodeada de luz ás altas regiões de Phebo,
lançou mão do seu querido Catão, e fez-lhe uma
authopsia formal. Leu, releu, cortou-Ihe os ver-
sos que tinham a cor da infância, animou o que
se abysmava no rastejamento, fez descer o que se
alteava demasiadamente, alterou, modiflcou, di-
vidiu-o todo em pequenos molbinhos borrifou-os
com o bálsamo da sua intelligencia, e depois de
reverdecidos, enfeixou-os todos com tanta segu-
rança que nenhuma tempestade poderá destruil-
os. Depois de tão correctamente emdlendado com
aquelle cuidado que empregava sempre, enviou-o
á imprensa londrina, onde saiu a segunda edição
precedida d'um longo prefacio cujo principio é
concebido nos seguintes termos :
«cA extrema indulgência com que este drama
foi recebido do publico, impunha ha muito ao au-
ctor a obrigação de o emmendar, e tomar mais di-
131
goo áe tão lisoDgeiro favor^ do que elle sairá na
primeira edição. São todavia passados mais de
quatro aunos» desde que ella se extinguiu, e só
agora, na preguiçosa convalescença, de longa enfer-
midade, appareceu breve remanço, de mais serio
trabalho que se lhe podesse dar. Sobre feiissima
d'erros d'imprensa, saiu aquella edição, com to-
das as folhas do primeiro molde, incorrecta no
slyllo, falta de natural e verdade na phrase. Alem
d'estes senões de colorido accresceram algulis e
muitos no desenho, impropriedade na fabula ou
enredo no drama, ou correcções nos caracteres e.
semelhantes. Todos estes defeitos nasceram dos
vinte e tantos dias em que a tragedia foi compos-
ta ensaiada e representada, e dos vinte e um an-
ãos que então doudejavam no sangue de quem a
escrevia. A todos esses e ao mais capital d'elles,
— á tibieza e requenez do quinto acto, se poz
peito em evictar n'esta edição.
«O desanimador estudo do coração humano, o
fatal conhecimento das humanas paixões, e de
sua influencia e acção nas revoluções politicas, o
habilitaram para entender agora melhor o seu Tl-
to-Livio, e o seu Plutarcho. Assim commentado.
432
pela experiência de dez annos de revelações, es-
}es dois grandes pbanaes da historia antiga, gaia-
jam o aaotor da tragedia, nas formas que n'ella
fez, no desenho dos seus caracteres, e no eolorí-
do de muitas scenas que na primeira ediçlo visi-
velmente mostravam a não inexperta do pintor
que as traçava sem ter d'onde as copiar do vi*
vo.»
Ora escrevendo aqui as próprias expressões do
grande poeta, julgo ter cumprido soffrivelmente
a minha missão, com relação á melhor tragedia
que possuem os portuguezes. Tenho ojivido di-
zer que a Castro d' António Ferreira, e mesmo a
de João Baptista Gomes, são melhores do que o
Catão, porem eu sustento e sustentarei em quai^
to tivçr olhos para ver, e oavidos para esputar,
que o Catão é o melhor drama em verso que
existe na nossa língua.
Pelo meiado de 1830, quando essa apertada
crise de Julho pôz em alvoroço orna vasta legião
de.portuguezes> e fez ranger os prelos de mais d'u-
ma nação, acabava João Baptista d*escrever> e en-
tregava aos prelos, um dos seus mais admiráveis
festões litterarios. Era o livro de Portugal na bor
lunça da Europa, inspirado pelos movimentos
revolucionários, que se crusavam entre as três
133
nações que se estendem eótre o Minho e o
Sen^.
Gatrett encarou silencioso e resolnto esses ho-
risontes inflãmmados das três nações, e com es-
pecialidade as absurdas coliigâções da França e
subindo aos pincaros do seu alevantado Sinay,
derramou os olhos fulminantes sobre esses cam-
pos tempestuosos, como os volveria o triste or-
phão vendt)-se desbordado, repellido e expulso
dos seus dominios, por tutores desalmados, e de-
pois de conhecer a área onde se urdiam tantas
traições e ambições ; desceu ao gabinete de es-
criptor, e começou a meditar. Pousando então
no silencio mais perpetuo, o braço vigoroso so-
bre alguns quartos dé papel, empunhou uma pa-
lheta d'aço fino e deu principio a um grandioso
espelho, onde presentes e vindouros tivessem a
historia dos trabalhos mysteriosos, com que os
grandes homens do século, pretendiam calcar a
bandeira da sancta lU)erdade e hastear em seu lo«
gar brilhante, a do fallaz despotismo, cravejada
de grilhões para apertar os pulsos aos desgraça-
dos povos da Europa. N'este livro phenomeno
apparece tão vivo e grandioso o coração d'um
grande estadista como no Camões, o d' um poeta
de coração e alma. Era uma imaginação infatiga-
134
vel e creadora, aquella do gigante cantor de Ca^
mões. Quando saia um novo livro d'aquelle ce*
rebo fogoso e ardente, nao era mais um voluíne
que ia encher as bibliotbecas, mas sim um novo
homem que surgia no mundo rodeado de luz,
para arrancar um povo afficto dos cárceres da
ignorância e encarreiral-o ao campo do engran-
decimento e da suprema ventura.
Este rouxinol,... sim rouxinol, por que o rou-
xinol canta, í — nSo trinava só entre a copa da
laranjeira ou no silvedo, onde dera os primeiros
signaes de vida; alava-se á vista do loureiro al-
tivo, e ia espalhar as suas melodias sobre o chou-
po gigante que devassa os ares.
E em todos os campos sabia manejar com des-
treza aquella penna explendida e brilhante que
empunhou durante tantos annos.
Honra ao seu nome que está já gravado na
columna da celebridade, como o d'aque]les que
augmenta em grandeza, á maneira que correm os
séculos.
«Â fiUBha Tóz, o meu sincero empenho
«Todo o meu coração é pela pátria,
«É pela liberdade...»
[Garrett.— Co/ào]
VIII
Em 1831 ainda Almeida Garrett se conserva-
va em Inglaterra^ onde vivia irosuluto esperando
que rebitasse entre seus companheiros do exí-
lio, o grito d'alarma, e apparecesse no mar um
vaso de confiança, que os transportasse ao seio
de seus leaes amigos qué pelejavam na pátria é
na ilha Terceira contra as tropas de terra é na-
vaes, do usurpador. Quando souberam no es-
trangeiro que chegara à Europa o duque de Bra-
136
gança e se acbtva á frente dos defensores da
Terceira» Garrett assentou praça n'um batalhio
de caçadores formado em Belleisle, e embarcou
em seguida, desembarcando nas agoas dos Aço-
res, em Março de 1832» ao cabo d'uma viageni
tormentosa e. longa.
Quando a corveta começou a frizar ligeira os
mares açorianosi ouviram os de terra uma celeu-
ma confusa que saia da embarcação que se apro-
ximava. Os emigrados, subiram em grande copia
á amurada do navio, e mal poderam distinguir
os píncaros agrestes de Monte-Brasil, fizeram ec-
coar pela extensão das gandras estas saudosas e
enthusiasticas palavras — Paíria / Patriajt Viva
Maria t Viva a Liberdade ! f
Saltando logo nas praias da Terceira essa ex-
pedição do exercito libertador, foi Garrett visitar
alguns velhos amigos que ali possuia do tempo
da infância e de quem recebera boas provas de
amisade quando ia visitar aquella terra onde sa
relaecionara estreitamente com as musas que tlio
perfeitamente cultivava. Passados poucos dias sem
haverem operações de parte a parte, foi cbama*
do para trabalhar no gabinete do então nâni^tro
da fazenda de D. Pedro, e encarregado interínar*
mente de pasta da justiça na iiba Terceira» Jos6
'
137
>AÉ>.tlteaiM«i«aM
Xavier Mousinho da Silveira^ onde esteve fuaccio^
nando emqaanto o Regente pern^aneceu nos Aço-
res. Três mezes depois doestar no gabinete de
Mousinho, foi nomeado para ordenar e dar exe*
cuçao a varias leis orgânicas, o que elle exe-
cutou com grande pnidencia e mérito não cq-
Bbeddo nos seus predecessores na legislação.
Por este tempo era já disolvido o batalhão em que
se alistara em Belleisle» e Garrett pediu então par
ra servir voluntariamente no batalhão Académico^
6 sendoOhe satisfeito promptamente esse pedido^
embarcou para o reino com esse montão de li-
beraes, deixando summamente penalísados os di-
gnos habitantes da Praia, com qqem convivera
aigun^ mezes nas mais estreitas relações d!ami'^
zade. Sobre este golpe fatal, soífreu o poeta ou-
tro ainda hkiís pesado, que o fora ferir profunda-
mente DO coração oppresso. Foi o transe dolo-
roso porque passou ao affastar-se dos seus nobres: ^
amigos, e das sympathias que grangeara entm
eUés,-^uma dura injustiça^ um acto quasi despo-.
tico, que lhe fizeram os seus superiores, quasi na
hora extrema de partir para o continente. Tendo or
poeta tratado na véspera, do ajunctamento .da&
suas coisas, para as levar para o Míndello, q cono^
mwdante do corpo, ou quem mais governava» ou
138
CS
queria governar, obrígou-o a deixar a ilha inúne-
diatamente, sem a companhia dos seus thesou-
ros lilterarios que tanto lhe haviam custado velan-
do noites inteiras para os por em ordem de ver
o mundo da publicidade» e talvez o único sacrá-
rio onde ia deliciar o espirito nas horas ein que
o aborrecimento e os vacillantes negócios da pá-
tria lhe amarguravam a vida de peregrino. O poe-
ta obedeceu submisso ás ordens formaes de quem
o constrangia a tal ponto^ e disse adeus aos Aço-
res resignado e sereno, empunhando a pesada
arma de voluntário, e carregando com a mochila
de soldado raso. Foi por este motivo que sen-
do-lhe mais tarde enviado para o Porto o volu-
moso fardel de litteraturas diversas, se perdeu no
fundo do rio Douro, quando a embarcação que
o conduzia juncto com as malas dos seus com-
panheiros entrara a barra medonha que conduz á
cidade invicta! Assim desbordado, o viram pouco
depois saltar nas areias do Mindello, com um
sorriso de verdadeira alegria estampado nos lá-
bios, e a espingarda constitucional descançada so-
bre o braço de poeta, e sentar-se logo ao pé de
seus collegas, e pousar sobre os joelhos a mar-
mita esfomeada onde se distilbuia o alimento des-
lavado aos pugnadores da liberdade. Ali masti-
139
ganda as batatas cosidas com o salgado bacalhad
da constituição» o viram todos resignado, en-
carar contente, as agoas socegadas, que se des-
tendiam ao longe em calmaria, e sorrir para os
que o rodeavam, dizendo que breve teriam o pra-
zer de ver a pátria em igual quietude, rendido o
detestável déspota a quem próximo faltariam os
meio» de resistência. No fim d'esta ligeira e pou-
co frugral refeição, pegou n'um pequeno livro,
que um seu camarada Ibe apresentou aberto, e der-
ramando um olbar fugitivo sobre algumas pagi-
nas exclamou transportado d'alegria e consola-
ção, como se ali estivesse o bálsamo refrigeran-
te para lhe sanar as chagas abertas no coração:
«— ^Meu pobre filho... foste gerado no seio das
afanosas angustias d'um desterrado, e com elle
te bas alimentado durante o peregrinar doloroso
d'um viver d'amargura s, mas alfim teremos ó
premio... o premio que aguarda na pátria o infe-
liz proscriptOi que traz os pés cravejados das
areias das gandras torradas, e o coração rasgado
pelos abrolhos das invias florestas de traido-
res.
Descança meu filho, que depoz a lucta que pres-
tes acabará, gosaremos o delicioso repouso em
nossos lares, e tu serás querido e acatada pelos
140
homens de coração que sSo (1) indulgentes e ^re-
sam ós exforços dos infelizfô.» E limpando uma
lagrima que lhe escorregava pelo rost« rugaso e
pálido entregou ao soldado o*fructo das suas áau-
, dades. Era o poema Camões 1 Erguendo-se pou-
co depois o batalhão, o poeta esqueceu as suas
desgraças e a dós seus livros, e viram-ti'o todos
então galhofar e rir com os seus mais syíDfathi-
cos amigos na marcha para o Porto á i^ectaguar*'
da das tropas do Mindello. Pouco tempo depois
que chegou á cidade invicta, foi Garrett encarre-
gado como ofSciàl ínaíòr, de organisar as secre-
tarias doestado dos negócios do reino e esinú*
geiros, pelo que foi muito elogiado e obsequiado
pelo imperador D. Pedro, quando viu os seus
perfeitos trabalhos que seriam certamente en\e*
jados pelos estadistas mais eminentes da Europa.
Em Agosto de 1832, tendo mais vagar começou
a fazer o rascunho do primeiro volume dò ro-
mance Arco de SancfÂnna de que fallarei adiante.
Em 19 de novembro do mesmo anno de 1832»
foi o poeta enviado em commissão a Londrtô to-
mo secretario da missão extraordinária incum-
bida ao duque de Palmella, Mousinho <l'ÂIbu-
querque, e marquez do Fundial ; e depois de cod-
(1) Veja-se a nota no fim.
141
clair essa missSo importante embarcou para Fran*
ça a visitar q Dobre Palmelia que fugira para ali
com sua familia quando chegou em 1830 ás agoas
da Pp2âa que estavam tomadas pelas grandes for*
ças navaes do usurpador. Por muita felicidade
pode n'essa occasiSo, salvar-se o duque com sua es-
posar bastante doente, e outros diplomáticos^ na es-
cuna britannica Jack oflUeLcMem^ porque se as
embarcações de D. Miguel lhe podessem estender as
garras sedentas, sugeitava-se a soffrer uma mor^
te affrontosa no continente, como succedeu a al-
guns desgraçados portugueses, e succedia ainda
mais se os exforçados liberaes n3o se apressas-
sem a saccudir o jugo traidor que os mar-
tyrisava. Assim, escapando quasi milagrosa*-
menle, a essa tortura, foi residir para uma
povoado denominada Passy, nos arrabaldes de
Pariz.
Chegando o illnstre poeta á grande capital da
França, e nSo encontrando já o duque, ficou ali
por algum tempo -^ julgo que por falta de meios
com que se transportasse a Portugal — até que
p&de voltar finalmente á pátria, indo logo apre-
sentaP"Se ao corpo onde deixara a sua querida
espingarda, mas não chegou a abraçal-a de novo,
porque o ministro encarregou-o da reforma geral
142
dos estudos do reino, estregando-lhe a nomea-
ção de secretario d'essa commissSo.
No fim de grande e trabalhosa lida, deu Gar-
4*ett por finda a commissio, apresentando ao mi-
nistro um perfeito reportório para illucidar os mem-
bros d' essa juncta sobre o melindroso assumpto.
Foi muito elogiado o pensamento do auctor, mas
infelismente esta tentativa não pode vingar os de-
sejos do ministro, em consequência da repentina
e inesperada doença que surprehendeu o Regen-
te, e ainda mais porque o tbesouro não podia com
as enormes despezas que demandava tão utii,
quão espinhosa empreza, — e assim ficou aquel-
le perfeito trabalho, dormindo na secretaria, co-
mo todos os planos de grande merecimento, ser-
vindo só mais tarde de modelo para crear vários
systemas, que se teem adoptado, quasi todos
d'uma duração epbemera.
Vendo o poeta que não davam desenvolvimen-
to e execução ao seu prospecto, pediu que ao
menos lh'o conservassem intacto até que um go-
verno mais resoluto, o posesse em practica.
Em 14 de Fevereiro de 1834 foi o auctor do
Camões encarregado de negócios de Portugal pa^
ra a corte de Bruxellas, onde serviu até Janeiro
de 1836. Ali no exercício das suas funcçSes, pô-
143
de dar-se com affinco ao estado da lingua de
Goôtbe, Scbiller e Klopstok» os escríptores qae
melhor conheceram e cultivaram a litteratura al-
lemã. No fim de tantos annos d'amarguras e
trabalhos, levava a effeito um desejo que alimen*
tava desde os primeiros annos da academia, o de
conhecer esses três grandes vultos da culta Alie-
manha. Nas horas em que o seu ministério esta-
va sem negócios dUmportancia a tractar, encon-
trava-rse sempre João Baptista amarrado com pu-
ra devoção aos melhores livros de João Wolfgang,
o poeta que em creança chorava d^alegria vendo
representar no tbeatro burguez de Francfort, as
peças horripilantes dos trágicos antigos.
£m tão boa hora começou Garrett a estudar a
lingua progressista da AUemanba, que nos desoi-
to mezes que residiu em Bruxellas, adiantou mais
do que muitos naturaes que cursavam universi-
dades.
Sendo nomeado ministro residente para a cor-
te . de Copenhague em Novembro de 1835, nãa
acceitou esse cargo em consequência de sentir a
saúde fortemente abalada; e conservou-se na
Bélgica como deixo dito, atè Janeiro de 1836.
Ali foi que o rei Leopoldo o agraciou com a
honrosa condecoração d'oãicial da sua Ordem no
m_
m i V i .III ' ■ ' iii ' ■ .1 .1 ...■ ' ■ . " i I 11 . ■ ' III ■
dia 7 d* Agosto de 1835^ e pouco depoia ou pou-
co antes foi feito commeõdador da Ordem 4e
Cbrísto. '
Voltando a Portugal^ recusou-se a acceítar q
cai^o d^administrador d'uni dos melhores distri-
ctos admínistrativoa qoe lhe foi offerecidò por es-
sa occasião, bem como a nomeação d*enviado ex-
traordinário e ministro plenipotenciário para a
corte do Brazil.
Em Junho ou Julho do mesmo anno de 1836»
tendo os deputados da epposiçao deliberado crear
um jornal politico» entrou o poeta, para essa' sor
ciedade» e fnndou o periódico com o titulo. d&
Portugmz Constitucional^ e colaborou-o — creio
eu *- alguns números» mas pela revolução de Se-
tembro deixou de tcmiar parte na redacção. N'es-
te tempo recusou-se a acceitar variou empregos
que lhe offereceram» como o lugar de Presidente
do Tribunal superior do Commercio» e de Conse-
lheiro do Supremo Tribunal de Justiça» e também
uma pasta n'um ministério composto d^individuos
seus amigos pela maior parte.
Dando de mão a todos ^tes offerecimentos
que lhe faziam a todo o momento», pediu em com-
pensação a S. M. F. que fosse condecorado com
^ medalha da Torre e £spada» o cavalieiro inglez
145
. .. . II^^I J ' » ! II I .1 .■ . 1 ■ I I ■ .1. -I I II» II ■ I I II ■■ ■ II 11—^
"' '■■*■' — ■■ ■ , » ^
Joao.Adamson, pelos grandes serviços que prés-,
tara a Portugal e sua litteratura, escrevendo as
suas bellas Memorias de Camões. O mesmo solí-
átxm para o digno historiador Roberto Soutbey,
que escrevera a magnifica historia do Brazil. Estes
dois * cavalteiros foram agraciados promptamente
pela senhora D. Maria II que mandou declarar
nos , despachos, que essas concessões eram feitas
em attenção a João Baptista d'Almeida Garrett.
O poeta ficou penhoradissimo á Soberana por
ver que Ugava tanta importância ás suas petições,
e lhe dispensava tantas sympathias, a ponto de
declarar que concedia honras e condecorações a seu
pedido. Em 9 de Novembro d'este anno, foi o
poeta nomeado Juiz do Tribunal do Gommercio
de Segunda Instancia, lugar que acceitou de boa
vontade, e em 14 de Novembro do mesmo anno,
agraciado com a carta de conselho, e o diploma
de cavalleiro da Ordem da Torre de Espada do
Valor Lealdade e Mérito.
Passados alguns dias recebeu o cargo d^inspe-
ctor geral dos theatros e espectáculos nacionaes.
Em 16 de Dezembro foi nomeado vogal da
commissão encarregada de organisar as cortes
geraes e constituintes dà nação. Por occasião de
solicitar a mercê Real para os dois cavalleiros
ALMEIDA GARRETT 10
146
Adamson e Soutiíey; pediu também qcie' se fizes-
sem cavalleiros de Chrâto, o barão de Reifem^
berg, illostre sabk) da AUemanha que prestara
grandes serviços a Portugal e á rainha no tempo
da emigraç3o, e o director do observatório de Bru-
xellas, Mr. Quetellet, pbiiosopho e litterato dis-
tincto. Nos priDcipios de 1837, foi Oarrett no-
meado enviado extraordinário e ministro plenipo"
tenciarío para a corte de Hespanlia, mas não pô-
de tonaar conta d'esse cargo porque fora então
eleito depfatado ás cortes de 1836 a 1838, peta
provincia do Minho, e pela ilha onde passou o
fim da infanda e principio da adolesc^cia no re-
gaço da familía, e embalado pelas saãs doutrinas
de D. Frei Alexandre da Sagrada Familia seu tio
e mestre. N'este tempo era Garrett membro ho-
norário da Academia das Bellas artes de Lisboa
e d'outras associações. Escreveu também este an-
no^ e publicou, o Manifesto és Cortes Constituin-
tes da Nação. Sendo pois eleito deputado e
tendo um lugar aberto na tribuna, pode o
grande poeta mostrar ás turbas embasbacadas, a
soa subida eloquência, e a expoútaneidade da pa-
lavra, que já divulgara inda joven, no tribunal,
onde fora chamado para responder pela sua com-
posição poética qoe já citeis o Betram de Vénus!
147
Era «sta talvez, a primeira vez, que^estremecia o
vasto edifício de S. Bento, com os brados d'um
orador robusto 1 Era a primeira vez que a nume-
rosa assemblea borrifava as camarás, com lagiúr
mas arrancadas ao som das palavras inergicas
d'um poeta I
Aqueiles que tinham ainda nos ouvidos, os ecr'
cos iBoiestadores de passados oradores, levavam
ps^so a passo, os lenços ás pálpebras, para es- .
tancar as torrentes impetuosas que lhe rebentar
vam das orbitas, que tremiam com os olhares
peneb^ntes d^aquelle génio superior e brilhante,
que. imperava forte e vigoroso sobre a grande. .
assemblea! O grande orador, derramando aquei-
les jaetõs de sublimes pensammtos, sobre o au-
dictorio estactico e silencioso que o escutava n'es-
ses deliciosos momentos d'altíva e nao imitada
inspiraçlo, e fazendo silenciar profondamente até
os S6!»s ^mais encarniçados adversários da palavra^ .
assimiihava*se a esse grande colosso de Rhodes,
mirando do alto engrandecimento, as camadas de
pygmeus, que< o admiravam assombrados, envol-
tos no lodoso rastejamento em que jaziam esque-
cidos. Tudo era pequeno e enfesado ante aquel-
le YuHo gigante, que ninguém ousara acommet-
ter! Tudo tremia e enfiava, quando elle batia com
148
altivez e vehemencía as robustas azas da inteUí-
gencia, remontando as erguidas regiões, onde a
nenhum orador fora dado chegar. Até José Este-
vão, o próprio José Estevão, o Eschines portu-
guez, e talvez primeiro orador nos conceitos
oraes, exactas e engraçadas comparações, e ci-
tações eruditas que apresentava no discurso, mui-
tas vezes tremeu e vacilou, para lhe responder
e afifogou no peito a palavra fulminante que lhe po-
voava os lábios, com que pretendia cortar o dis-
curso do enthusiasmado orador. Éra que o exal-
tado Estevão, receiava perder n'aquelie oceano
d'ouvintes, o qne já tinha colhido em dilatados
debates parlamentares, — a profunda sympatíiia,
e alta estima que os portuguezes lhe tributavam!
E quem nao confrangiria o animo e a vontade,
ante a figura arrogante e intelligente, do gigante
cantor de Camões?! Quem entraria na louca em-
preza de querer apagar-lhe aquelle fogo, que re-
verberava nas frontes dos demais oradores, e lhes
oflFuscava a pequena luz do espirito?!
É que José Estevão nunca havia conseguido o
que Garrett fisera ao dar a primeira passada so-
bre as aras I — tomar o pulso a toda aquella
caterva d'aspirantes a oradores, e mesmo aos já
consummados — José Estevão era fogoso, elo-
149
quente e dominador, mas esse mesmo fogo quei-
mava-lhe quasi o uso da razão, e o resíduo d'el-
la, fugia-Ihe por fim, impellido pelos ventos, as-
soprados por aquelles que brandiam as mesmas
armas e na mesma área que elle pisava na luc-
ta. Garrett esse, era já um génio muito differen-
te, e uma razão mais. firme e pensadora, um ta-
lento mais profundo! Todas as suas palavras
saiam sempre cheias de convicção e robustez f
Não titubeava para divulgar- os seus pensamen-
tos, como esses oradores que estão sempre repe-
tindo o fatal digo, que rouba inteiramente o me-
recimento e a força á oração, que acaba quasi
sempre com a friagem do gelo. .
Garrett, era sempre firme e inquebrantável,
nas suas afiBrmações ou negações. Jamais as ca-
marás o ouviram pedir desculpa dos erros que
commettera no calor da discussão, como aconte-
cia a José Estevão. Essa fraqueza, humildade,
sede à'applausos, ou não sei se diga ignorância,
que possuía o maior emqlo d' Almeida Garrett,
nunca girava nas veias d'este. O. poeta orador
nunca descera á humilde posição d'Estev5o ; nun-
ca se arrependera de proferir os dictames que
sentia ferver no coração, e lhe subiam ao cére-
bro em cachões indomáveis. Era a viva imagem
150
do positivismo; não retirava as nobres filhas da
sua lingua, porque eram expellidás pela álma, e
estrivavam-sé logo sobre ò amplíssimo estrado da
verdade nua e crua. Depositadas ahi, as suas
francas e leaes opiniões, jamais o deixariam man-
chado como o soro abominável da mentira.
Garrett, não fallava com os lábios, ou faltava pe-
los lábios: as suas palavras saiam espontâneas
dos mos d'àlmay e voavam aos ouvidos dos
ajunctamentos, sem que a lingua tivesse tempo
de as emprazar um instante, para lhe tirar a for-
ça que trasiam d^aquelie vaso inestimável.
Garnett, era um d'estes geíiios pbenôm^aes,
que em cada palavra legam ao mundo uma gran-
de sentença, e fertilisam os torrões encadecidos
pela aridez da atmosphera com cada pegada,
que imprimem na terra; cujas lagrimas^ nutridas
com o amor da pátria, lavam complectamjente a
ignorância d'um povo I Haviam momentos em
que se exaltava tanto em fallar de passadas
desgraças e vecessitudes suas e alheias, que se
lhe enluctavam os olhos, e soltavam intensas ca-
choeiras de pranto, que lhe subia ali sob a in-
fluencia dos seus sentimentos nobres, e puros affe-
ctos que alimentava pelos irmãos oppressos!
N'essas situações de excessivo enthusiasmo, cu-
151
Jos eccos enterneciam os corações mais impeder-
nidos, não era o homem que fallava, o orador que
buscava termos fulminantes para verter sobre um
montão de homens d'uma classe mais humilde^
ou illustrada que a sua, nem mesmo o poeta
que dilirava sobre os bordões cançados d' uma
lyra apaixonada, não; eram as cordas mais inti-
mas da alma d'um génio privilegiadp, que vi-
bravam aos sopros d'um coração generoso, que
se debatia em guerra de morte, com as lufadas
procellosas que tentavam cortar4he a passagem
que operava no caminho da virtude e da lealda-
de, para que. seus irmãos o seguissem até chegar
ao templo da felecidade.
Não era a lingua que dictava o prospecto da fu-
ctura tranquilidade dos povos, era a alma que
suspirava, na incerteza de saber se os seus ais
eccoariam no céu. Era o amor que consagrava á
pátria, que o transportava a essa elevação des-
medida, onde bebia aquelle génio arrebatador que
ali derramava ; eram as ideias amargas que inda
lhe povoavam a mente, do que soffrera em prol
,da terra onde abrira os olhos pela primeira vez,
quando viu seus altares profanados, pelos ho-
mens que constituíam a tyrannia que ahi reinou
alguns annos : era o. anciar fervoroso que alimen-
ISS
tava> àp não medir mais, os dédalos pavarosos
qae topara darante o seu vaguear de per^iDo
por climas estranhos, debaixo de soes e ventos
que lhe crestaram a fronte durante o seu viver
de miséria.
Conheeia-se n'aquelle ser previlegiado uma tão
vehemente' força moral e persuasiva, que nao
parecia robustecida ao sopro dos ventos terres-
tres, mas abençoada e deposta nos seus lá-
bios eloquentes, por Âquelle que creou o céu e
a terra^ o bom a o mau, que é juiz superior,
entre todos os juizes que julgam os actos dos po-
voadores do mundo. Era a voz d'um aqo que
descia á terra, para abafar o ecco pestilento das
paixões desenfreadas d'alguns membros que cons-
tituem este amalgama incommensuravel, onde
chafurdam os entes virtuosos, no lugar que era
destinado aos réprobos;
Garrett' era grande, muito grande, grande poe-
ta, grande orador, grande dramathurgo, grande
publicista e grande alma, como poucas teem ha-
vido na nossa terra. Era grande, sim^ ninguém
o nega, mas no meio de todas as suas grandezas»
também provou por vezes, algumas rebeldias do
estro. N'esses instantes ou momentos de contra-
dicção — faça-se-lhe justiçai — via-se-lhe pairar
1^3
no rosto pallido^ e ás vezes affogueado, ym ama-
rello vislumbre de cólera e despeita, mas que el-
le dissimulava promptamente, com o sorriso sar-
cástico de que soube usar sempre com maravi*
Ihoso êxito.
Mas aquelle sorrir de cynico, que tinha pen-
dente dos lábios perante as mais apertadas si-
tuações, não brotava certamente do seu peito
sensivel e generoso; alimentava-o só exterior-
mente, para sustar o peso da maldição dos ho^
mens que tentavam derrubal-o a toda a hora, do
atto do seu pedestal. Era sublime contemplal-o>
em briga renhida com os dois únicos elementos
que o estimulavam para arrancar a espada de
sceptico, e cobrir-se com o manto do cynismo, — o
desejo de revelar os seus Íntimos pensamentos,
debatendo-se em guerra medonha com a musa
oratória, que se recusava a inspiral-o quando as
suas tendências ^am para batter, e menospre-
sar, as loucuras que lhe repercutiam nos ouvi»
dos, e via commummente sanccionadas pelos de-
putados que nada iam fazer ás cortes em provei-
to da pátria, que precisava quem lhe desse apoio
e nao a fizesse descer aos abysmos da extrema
aniquilação? Foi assim que este talento superior
e monstruoso, entrou na liça oratória, ladeado
154
pelos ^versarios enraivecidos, qae deposeram
vergonhosamente a arma da cobardia. Foi um
génio incomparável no nosso século ! Prineipe ou-
sado em todos os themas em que mettea o pé
pela primeira vez : caudilho exforçado em todas
as missões de que o encarregaram.
Nmguem como elle, soube manejar o florete
deffensor nas aras parlamentares, contra os cem*
tendores sophistas que o atacaram á queima rou-
pa; ninguém como elle, soube atravessar a barra
da intelligencia, no caminho que seguiam os Zoi-
los no campo das lettras ; ninguém como elle
soube receber o choque dos desappontamentos
da vida, que sempre o seguiam de perto! Nin-
guém se resignara mais, perante os soes enve-
nenados qne lhe beijaram as lábios, deixando-lbe
por legado a descrença e o sepcticismo; nin-
guém ousou lançar a mais leve passada alem da
sua, mas atreveu-se elle a deital-a á frente de to-
dos.
Viu-se-lhe adiantar o passo á frente do gran-
de Coelho de Magalhães, o orador que não estre-
mecia diante de ninguém, e zombava do medio-
cre cabedal dos que oravam a seu lado; e en-
tão, escutal-o com a fronte baixa como quem te-
mia ser fubninado por aquelles olhares de fogo
15b
que Garrett assestava sobre o audictori^ quando
soltava a voz eloquente. Almeida Garrett, o ora-
dor que era agora respeitado e querido como um
enviado de Deus, fora recebido nos seus princí-
pios políticos como o grande apostolo do Orien-
te, o leal discípulo de Loyola, o foi outr'ora pe-
los rústicos malequenses ; mas os que antes o
maldisiam e atacavam com a sanha do tygre cur-
vavam-se por fim humildes ao vel -o passar, e ado-
ravam-n'o. Com Garrett succedeu quasí que a
mesma cousa. Os homens que o perseguiram ao
vel-o nascer para a tribuna, confessaram-se ven-
cidos finalmente, quando o viram erguer-se aci-
ma de todos, e rangeram os dentes invectivando
a sua própria impotência, como Satanaz mordendo
na cauda quando S» Miguel o despenhou no in-
ferno! E o nobre deputado envolvido em tão gra-
ves e trabalhosas occupações ainda lançava os
seus meigos sorrisos para as suas pobres obri-
nbas como elle lhe chamava.
«Fraco homem de iettras sou, ~ nâo
(T presumo d'ellas, mas nunca prostitui
«a minha prosa Q'uma mentira, os meus
«cversos Q'uma lisonja.»
(Garrett.— Discursos)
IX
Tendo-lbe sido como deixo dicto acima, en-
carregada a inspectoria geral dos theatros, e es-
pectáculos do reino, comegou por esta occasião
a trabalhar com infatigável constância, para pro-
mover a instrucção d^ homens intelligentes para
a litteratura dramática, bem como n'outros gé-
neros, creando logo com muito trabalho o Con-
servatório, edificando o theatro normal, e instru-
indo artistas escolhidos para a scena do novo
^38
theatro qae elle promettia crear com as suas pe-
ças, todas thesouros de sublimidades litterarias,
como ainda não se tinham visto n'esses casarõfô
d'espectaculo, qae eram a vergonha da nação.
Jqncto com estas bellas instituições creou tam-
bém uma meza de censura para as obras thea*
traes que seus auctores destinavam á represen*^
tacão, cujas funcções estavam incumbidas aos e^
clesiàsticos. Garrett protegeu sempre com sincer
ra cordialidade e boa vontade, todos aquelles que
o consultavam, como titteratos, artistas, e todos
os mais em que os seus profundos estudos podiam
influir. Nunca fora orgulhoso nem déspota este
grande beroe da historia litteraria do nosso paiz.
Ensinava o que sabia, e empregava todos os meios
que estavam ao seu alcance, para arranjar quem
ensinasse aos outros o que elle ignorava. Acon-
selhava todos com a pura aífabilidade quetiidia
sempre' n^aqueUa alma de poeta ; não era doestas-
sabichões balofos da moda, :iue pretendem abra-
çar o céu e o mundo, ô repelem os que se 'vão
alistar nas mesmas fileiras. Garrett nâo era as-
sim: qnem o procurasse, encontrava n'elle sempre
palavras meigas e de consoladora esperança, que
s3o talvez as melhores academias, o melhor cur--
so, o melhor apoio que o homem pode encontrar;
159
o báculo mais firme onde se apegue para lançar
a mão aos ramos do erguido loureiro, e laurear
a fronte que guarda o génio, muitas vezes denU'o
do invólucro da timidez. Ahi temos para amos-
tra do que foi o denodado escriptor, e do que os
seus estudos o os seus maduros conselhos servi-
ram, o nosso distincto poeta Francisco Gomes de
Amorim, digno de todos os respeitos e elogios,
pela gratidão e saudade que sempre guardou
pelo mestre que lhe afinou as cordas magnificas
d'aquella lyra, que começou a desferir as primei-
ras harmonias ao som do farfalhar ruidoso das
palmeiras da America, e dos bramidos do colos-
sal Amasonas.
Em II de Junho de 183S, começou Almeida
Garrett a compor com toda a solicitude o Aticto
de &l Vicente, esse drama verdadeiramente por-
tuguez que abriu com feliz successo as portas ao
theatro moderno, e o expurgou das nauseantes ca-
taplasmas dramáticas que haviam tido principio
no antigo theatro do Bairro-Alto, e ainda se fa-
ziam ouvir então no fundo e arruinado barracão
da rua dos Condes. Esta magnifica obra do au-
ctor do Catão apresenta-nos um quadro suffici-
entemente avivado com as côrés da época de el-^
rei D; Manuel, do caracter apaixonado do poeta
ICSO
das Saudades, e do jocoso Gil Vicente, cogiKxni-
nado o Planto Portugmz) que fez os alicerces pa-
ra o nosso theatro antigo com os seus actos. De-
pois de complecto este bello trabalho, apreseutoo-o
o poeta no thealro da rua dos Condes para en-
trar em ensaios, o que logo se fez, tendo logar
a primeira representação na noite de 15 de Agos-
to do mesmo anno de 1838, entre os applausos
vertiginosos, e bravos dos espectadores que todas
as noites enchiam o theatro. Este drama foi im-
presso pela primeira vez em 1841, juncto com a
tragedia Merope, que nunca tinha sido impressa
até ali.
Por esta occasiãe soUicitou o novo dramathur-
go, da bondade Real, que fossem condecorados dis-
tinctamente os melhores litteratos e artistas qne
então floresciam, e pôde alcançar a medalha da
Torre de Espada para o seu Ulustre amigo e col-
lega, que Deus conserva ainda entre nós para sus-
tentáculo das nossas lettras, o sr. Alexandre Hercu-
lano — o inspirado creadpr ou animador d^Eurico,
essesacerdote guerreiro, e da virgem e apaixonada
Hermengarda, a victima do soberbo e ambicioso
duque de Cantábria seu pae, e auctor de muitas
outras obras que serão sempre universalmente es-
timadas, e jamais deixarão de occupar lun lugar
164
distiaeto nas livrarias dos homens que amam ápai-
xonadamente as bellas-leUras, e os ctiUores da
ideia que souberam prafaudar o coração humano.
Igual mercê, pôde alcançar Garrett para o sr. An-
tónio Feliciano de Castilho (boje visconde) o pro-
fundo auctor da Novíssima Heloita da Chave do
Enigma^ do estudo poético acerca de Camões, dos
Ciúmes do Bardú, e de muitos opúsculos que a
nação foltiêa com avidez pelo seu grande mereci-
mento poético e philosophico ! ! I
Pouco depois foi também agraciado com a me*
dalha da' ordem de Cbristo, a pedido de Garrett,
o dislincto actor Epiphanio Aniceto Gonçalves e
outros lidadores do theatro, como scenographos,
e vários indivíduos pertencentes a diversos ramos
artísticos e scíentificos, que se cultivavam no con-
servatório que ellé havia instituído com todos os
seus exforços.
Até áquella época ainda se não tinha premia-
do devidamente no nosso paiz um operário da^
ideia, ou um artista de talento superior, como
tantos que nasceram sob este -delicioso fiima-
mento, e morreram sem premio, como Pacheco,
Albuquerque e Camões!
Vergonha 1 1 Foi necessário que surgisse Garrett
(Ventre os espinhos do desterro, para dar o^s(3
ALMEIDA GARRETT 11
162
grande exemplo aos nossos reis — ensinal-os á re-
compensar os serviços dos homens extremados
por talentos e virtudes, como tantos gigantes Lu-
sos que a sociedade percebeu só para os marty-
risar e matar com fome e apupos.
Se este grande génio tivesse nascido tresentos
annos antes e presenciasse os quadros desolado-
res que pintou no seu Cainões, nâo teria o prin-
cipe dos poetas portuguezes acabado os dias
tao desamparadamente, entre seus irmãos, que è
um labéo vergonhoso, estampado na fronte dos
descendentes do grande vencedor d'Ouríque! ,
A viQtima da hypocrisia vil dos falsos conse-
lheiros, (1) havia de se mover ás expressões do
cantor de D. Branca, e o amante da infeliz Na-
tércia seria bemidicto e acatado, pela corte da
monarcha que perdeu a vida em ÂIcacer-Kibir,
e premiado pelos seus trabalhos d'espada e pen-
na. Mas desgraçadamente, Almeida Garrett só ap-
pareceu entre nós, quando os ossos do grande
Luso eram jà extinctos n'uma sepultura ignorada
pelos portuguezes!
£ pena que existências tão sublimes como a
de João Baptista, só appareçam na terra de se-
(1) D. Sebastião,
163
Gtilos a séculos; e o que ainda é mais lamenta-^
vel é gue a sociedade que os rodea, não possua o
necessário grau de inteHigencia para os compre-
hender, e só lhes chame gigantes quando desap-
parecem do mando, perseguidos pela miséria e
pela infâmia dos que embalançam thuribulos em
derredor dos tbronos onde se assentam os monar-
chas.
Se os agraciados ficaram gosando uma gran*
de reputação e alcançaram uma coroa de gloria, a
Garrett coube ainda muito maior gloria, porque foi
quem ceifou os louros com que a fabricou para
os condecorados.
Procedendo-se ás eleições geraes pelos fins de
1838, foi o nosso poeta eleito deputado pelas
ilhas dos Açores, e continuou com as suas calo-
rosas discussões, que chamavam todos os dias a
S. Bento um ajunctamento escolhido e numeroso.
Algumas horas que lhe sobravam das grandes li-
das camarárias, aproveitava-as n'um perfeito es-
tudo, e projecto de lei para garantir os direitos
de propriedade litteraria em Portugal ; projecto
que apresentou depois de inteiro, nas camarás,
para ser discutido e resolver-se aquelle assum-
pto, que era o pensar constante d'alguns homens,
havia já muitos annos, e que não tinham conse-
164
guido concluir, apesar das altas diligencias que ti-
nham empregado.
Consta que este projecto de lei do grande ta-
lento, é concebido sobre bases tão solidamente
construidas, e ideias tão ampla e elegantemente
desenvolvidas e sensatas, que faria inveja aos pro-
jectos dos estadistas mais notáveis das outras na-
ções. — Correndo logo impresso este primor d'es-
tylo e pensamentos inteiramente novos, foi parar
ás m3os'dos homens mais sábios nacionaes e es-
trangeiros, recebendo uma honrosa homenagem
dos litteratos e estadistas da Allemanha, que vive-
ram com Garrett em varias cidades onde elle es-
teve, e d'oulros que o estimavam conhecendo-
' lhe apenas aquelle nome que soava já grande e
altivo nas terras mais illustradas da Europa. Es-
tes preciosos lavores litterarios, filhos de profun-
das meditações no regaço do silencio, foram no fim
de muitos debates, approvados em parte pelas ca-
marás dos deputados, em 1840, e passado isso es-
queceram-n'os redondamente sem que podesse vi-
gorar essa lei, por não ter sido commumente ap-
provada pela camará dos dignos Pares, e pas-
sou muito tempo sem se fallar em tal assum-
pto.
Em 2 de Julho d'esse anno de 1840, foi Garrett
165
nomeado plmiipotenciarfo do governo, para con-
vencionar um tractado de commercio e navega^
çâo com a republica dos Estados Unidos da Ame-
rica, cujo governo, solicitava essa convenção com
Portugal desde muitos annos, e nunca se conclui-
rá, apesar de se entregar o desempenho d'ella, a
vários homens públicos, que sempre a deixaram
aquasi no ponto de partida.
Garrett pôde avançar mais, e em menos espa-
ço de tempo de que os seus passados. Começou
a desempenhar essa commissão, com a influen*
cia que se dava às coisas, de que o encarrega-
vam, e conseguiu assignal-a e conciuíl-a nos fins
d'Agosto do mesmo anno. E alem de todos estes
trabalhos a que se entregava, e negociações de
grande responsabilidade, tinha a seu cargo corri-
gir, emmendar e dirigir a edição das suas obras
complectas que vendera por esse tempo á muito
acreditada livraria, conhecida em quasi todo o
mundo, que gyra sobre a antiga e acreditada fir-
ma de Viuva Bertrandá Filhos, estabelecida pró-
ximo da egreja dos Marlyres. Esta nova edição
coBQeça por Camõesj Catão, e Auto de GU Vicen"
te, etc. Em 1837 era o poeta presidente honorá-
rio da Sociedade Escholastico-Philomatica Lisbo-
nense^ e. no principio de. 1840, membro corres-
166
poDdente do iDstituto-bistorico e geograpbico do
Brazil.
Abertas as camarás de 1840, precedidas pelo
gabinete de 26 de Novembro de 1 839, e estreita*
mente apertadas pelos deputados dos bancos da
esquerda, pode o ministério alcançar o favor dos
votos do centro, com que triumphou o poeta,
tomando por essa occasião o iogar de primeiro
orador do centro, bonra devida ao seu conbecido
talento, e ainda mais á cordial amisade que Ibe
tributava o seu amigo, e coilega na tribuna^ Bo*
drigo da Fonseca Magalhães que servia então in*
terinamente de ministro e secretario d'estado dos
negócios estrangeiros, funcções que chegou a
exercer eíFectivo, em Junho de 1841. N'estd tem-
po era Garrett sócio honorário da Associação dos
Advogados de Lisboa, e d'oulras. N'esta sessão
das camarás de 1840, Garrett, dispunha-se a
combater inergicamente as vans opiniões dos ora-
dores da esquerda, e sendo provocado d'aquelie
lado antes que desse motivos para isso, tossiu
assoou-se e ergueu-se, rugindo, qual Lycurgo ar-
remettendo com Leocrates, e alongando os olbos
sobre o expesso maltagal d'ouvintes, prorompeu
n'um discurso de tanta força, que levou ab" cama-
rás ao maior grau d'exaltação e temor! Dominou
167
todoâ e o próprio ediOcio, é muito natural que
sentisse um abalo n'aquella occasiao. Este dis-
curso de grande superioridade foi preferido para
refutar as ideias do primeiro orador da opposi-
ção, José Estevão, sobre o discurso da coroa re-
lativo a questão ingleza, € o poeta intíiulou-o
Porto Pyreu, por comparar ali os seus adversa-
ria» com um celebre louco-sonbador da Grécia.
Este rasgo sublime e grandioso do parlamento
portQguez, è tão cheio de eloquência, puras ideias,
e imagens tão magnificamente debuxadas^ conceitos
tão firmes e convincentes, que os homens mais
experimentados em pugnas oraes que se achavam
nas camarás n^essa hora de espectação e delirio,
afirmaram e affirmam ainda que é o melhor flo-
rão que existe nos annaes da tribuna portugue-
2;af Dizem que atearia a chamma da inveja ao pró-
prio Demosthenes se vivesse ainda.
Para se ter a certeza que foi um discurso de
grande mérito, não era perciso possuir-se a subi-
da intelligencia que se necessitava para lhe pene-
trar no âmago, e tomar conhecimento com as ex-
tremidades; bastava presenciar o espanto com
que todas as camarás o receberam, e o silen-
cio que reinou em tamanho labyrintho durante
mais de duas horas que o poeta gastou a proferil-o.
t68
O iilustre* dôputado» depois de àmr que aão
fâsia maior caso das calumuias que lhe teciam os
seus adversários, espalha iias camarás estas pala-
vras que peneiram como bailas nos corações pros-
tituídos dos seus emuladores, fazendo abaixar os
olhos a uns, e rugir de raiva a outros :
«Por mim, ladrem todas as gargantas do cão
infernal, que nem me importa açaimal-o defpd^a,
nem uma sopa lhe bei de dei lar para lhe calar
um latido.
aComo cidadão nunca renunciei um direito,
nem que me custasse a fazenda, a vida, a pátria:
tenho-o provado nos cárceres, no exilio, qa misé-
ria...
«Como súbdito nunca faltei a. uma obrigação:
e não menos assellei. a minha lealdade.
«Como portuguez, nem um pensamento leve,
momentâneo — chegou a cruzar-me inda no cére-
bro de que não possa vangloriar-me á face do
mundo,
«Gomo funccionario publico, quiz minha boa
estretla que ainda não estivesse em lugar a que
podessem chegar nem tis suspeitas da inveja...
«Fraco homem de lettras sou, não presumo
d^eJlas, mas nunca prostitui a níinha prosa n'umd
mentira, os meus versos n'uma lisonja. FaUem
169
esses opúsculos que> a nação ipin^tugueza ainda
tem 9 indulgência de ler. Fraco soldado fui, o
ultimo o derradeiro d'essa phalange em que tan-^
tos morreram para nos immortalisar a todos. Mas
nSo fiquei nos bailes de Pariz ou nos pasmato-
rios de Londres (1) em quanto os meus compa-
triotas vinham encerrar-se nos débeis muros do
Porto ; nem a minlia mão apesar de imbelle e
doente, recusou pegar na espingarda de soldado
para ficar nas reservas de França e d'Inglaterra,
manejando a penna censória que tudo achava
máu, quanto se fazia pelos que expunham a sua
vida por elles. Cobri-me de vestido grosseiro,
nutri-me do pSo grosseiro do soldado razo, nun^
ca tive outra paga e outra etapa, fiz como os ou-
tros sem ser valentão; e a débil pegada que o
meu obscuro pé imprimiu nas praias do Mindel-
lo ha de ficar gravada na historia, como a dos
bravos, cujos heróicos feitos rodeiam d'uma au-
reola de gloria, os francos serviços de seus honra-
dos companheiros, que, para o commum empe-
nho não deram pouco no que deram, porque era^
tudo quanto tinham.
(1) Palavras de Josó EstovSo.
170
«No Porlo Pyreu, estavam os que cobrindo as
cazacas bordadas de brazões feodaes com a so-
taiia de tribuno» escondendo debaixo d'ellas as
decorações aristocráticas, iam fraternizar para os
clubs republicanos a certas horas do dia; e n'ou*
trás despida a sotana, iam ás escondidas intro-
duzir-^e nos salões reaes, forrar as paredes do
paço e desforrar-se em orgulho e vaidade, das
horas da compressão em que tinham sido obri-
gados a affectar Ibanesa e humildade. Como nos
tempos de gloria da velha rua dos Condes e
do Salitre quando o rei encoberto desabotoava o
cazacão e proferindo a solemne palavra, íí^coiíâ^-
ces-me? caia tudo aos pés do rei de theatro e o
theatro com palmas e bravos ; assim snccederá a
estes quando o povo em mais vasta plateia abrin-
do-lbe a sotana de tribunos, vir por baixo as
fardas bordadas em todas as costuras, o orgulho
de õdalgos novos, a presumpção da gralha coiu
as pennas de pavão. Também o theatro ha de vir
então abaixo não com palmas, mas assobios e
apupos!
«No Porto Pyreu estavam os que. imaginaram
que este honrado povo portuguez se tinha esque-
cido de que pela Legitimidade lhe viera a liber-
dade, que na fidelidade dos seus reis, tinha a me-
171
Ihor garantia d^ella, e a única de sua indepen-
dência; que na religião de Jesu Christo — a só
crença que professa a igualdade do homem — ti-
nha o mais seguro amparo e fortaleza de seus
direitos. Que assentaram que bastava dizer insul-
tos aothrono, para que o throno ficasse impopu-
lar; que bastava mofar da religião para que o po-
vo abjurasse a religião de seus paesl
O povo zombou d'elles 1 1 O povo curou-os 4a
sua loucura, desenganando-os, amando a religião,
respeitando ò throno e querendo a liberdade com
ambos. O povo foi o seu medico, queixem -se d'el-
le se podem, mas as receitas ahi estão— e ás visi-
sitas do medico, ao menos não as pagaram. »
E assim acaba o grande discurso do gigante
poeta-orador ; do infeliz soldado da liberdade,
do patríarcha das lettras, do talento incompará-
vel a muitos respeitos.
Toda a camará se sentiu dominada e assom-
brada com tão altos e firmes brados. A própria
pbalange da opposição confessou secreta e publi-
camente, quanto era insufficíente para se medir
com aquelle choupo altivo I E es§es oradores na-
da mais lhe fizeram do que a justiça que elle me-
recia, á vista d'aquelle rasgo inimitável de gran-
dezas do pensamento. Tamanhos turbilhões d'e-
f72
loquencia não se podem comparar conscienciosa-
mente na tribuna portngueza, se não com o vul-
to gigantesco de quem os derramou sobre a as^-
sembléa extasiada. Monumentos como este, não è
dado a todos erguel-os, n'um jacto tão repentino
e sublime, como aquelles com que Garrett fazia
gelar o sangue nas veias dos seus renhidos oppo-
sitores que se mordiam por não terem forças pa-
ra- o imitar.
Comtudo o arrebatado José Estevão, estriban-
do-se imperioso e arrogante sobre o numerosís-
simo partido que o cercava, para applaud ir os sots
conceitos e convicções, respondeu-lhe alguns dias
depois n'um extenso discurso sobre a ordem, e
arremetteu fortemente contra as doutrinas do
poeta, mas as suas imagens nunca tomaram as
cores vivas, e as formas divinas, das que apre-
sentara Garrett, nem alvoroçaram tanto os ouvin-
tes. Mas ousadia, atrevimentos, e citações erudi^
tas já apregoadas mil vezes, não lhe faltaram des^
de principio até o fim do discurso, pelo que es-
peraram longo tempo as duas camarás com de-
monstrações de^bem visível impaciência. O com-
petidor de Garrett disse precipitado e colérico
depois de se confessar inferior, e vencido por
João Baptista, que os louf os com que o poeta en-
173
ramava a fronte (l'orador> estavam envoltos n'um
retalbo de manto cynico ; mas estas palavras de*-
pressoras nada poderam humilhar o robusto ani-
mador do vulto de Aben-Afan e da Menina das
Roiccinoes^ por que o Porto Pyreu riu-se por essâ
occasião d'aqQelIa caterva de... de envejo$os, e
gargalhará sempre sem temor» de todas as bafo-
radas parlamentares que tenderem degredar Gar-
rett, do campo onde elle derramou os puros in-
censos da intelligencia que lhe trasbordava d'a-
quelle vaso inexgotavel, em que muitos ambicio-
naram humedecer os lábios que sentiam estalar re-
sequidos pela esterelidade do talento. IVIas nâo o
conseguiram nunca, por que a taça onde o nobre
poeta guardava alegrias e soffreres, crenças e de-
senganos, baixou com elle ao regelo dos extin-
ctos» entornando-se com a couMilsão temível que
gyrou no envoltario d^aquella maravilhosa reU-
quia, ladeada sempre de religião, poesia, e ^mor
(la pátria.
Então, quando o viram cair, alguns que o ro-
deavam choraram vendo expirar aquelles raios
vivificantes que brilhavam no pendor de sua fron-
te respeitável; e outros resfolegaram com ruido-
so enthusiasmo, porque já tinham auctorisação
para dar á luz os seus feios pecos, e atiral-os ao
174
seio da sociedade, sem a presidência do humano
coração d'algans parteiros que lhe censurassem
' o procedimento. Assiçi desassombrados depois
da morte do fogoso orador, e senhores das mul-
tidões, tem alguns barateado mais facilmente, a
honra, a pouca fortaiesa, e a independência da
nação que lhes sorriu no berço, e vendido as pró-
prias consciências, ao ouro vil dos infames. Gar-
rett nunca seguira os passos doestes últimos ; sof-
freria de melhor vontade os horrores da fome e
a escuridão das prisões, os cardos do exilio — as-
sim o provou muitas e muitas vezes — os apupos
e maldições da cohorte indigna que lhe escarra-
va nas pegadas, na impossibilidade de cuspir n'el-
le, e os escarneos da prepotência encrespada, do
que sacriGcar as crenças de verdadeiro patriota,
que tinha pousado sobre o altar da immutabili-
dade.
Por esta época foi o poeta nomeado chro-,
nista-mór do Reino, segundo alguns documentos
que apparecem d'esta dacta.
E o poeta andava atraz dos ministros para al-
cançar tantas honras? Parece-me que não.
kE vós, vós todos assemhlóâ illustre
«Os erros desculpae do ingenno vate.
<v Louvor e applauso
«Nem o quero de vós, nem o supplico.»
(Gàrrbtt.— Caíôo^
Dissolvidas que foram estas camarás, onde
Garrett ganhara a reputação de primeiro orador,
e colhera os mais gloriosos trophéus, recolheu-se
ao silencio domestico, resolvido a descançar de
tantas fadigas ; porém, passado pouco tempo co-
nheceu que a sua imaginação não queria descan-
çar, e principiou a procurar um meio de a intre-
ter, porque reagia fortemente contra a quietude a
que elle a obrigava, e os limites que lhe circum-
176
screvia. No intervallo que as cortes se conserva-
ram encerradas, abriu o seu b,em concebido e
proveitoso curso de leitura sobre historia, cujo
prospecto de abertura llie attrahiu unaa immen-
sidade de mancebos estudiosos que eram entre-
gues n'esse tempo a mestres orphãos de auste-
ridade e principies, para aquelle tão grave em-
prehendimento, e que para Garrett fora objecto
da maior facilidade.
Annunciada a solemne abertura d'esse estabe-
lecimento de novo género em Portugal, compa-
receu ahi a corte, o ministério, quasi toda a di-
plomacia^ as academias,' as duas camarás do par-
lamento, os tribunaes, e alguns titulares com suas
esposas, e muitas corporações e associações pu-
blicas e particulares que encheram as vastissi-
raas salas da escola do Carmo, cujo edifício esco-
lhera f) poeta para estabelecer as suas prelecções.
Cheias as salas de senhoras e cavalheiros, e
quasi concluidos os preparativos para o grandio-
so espectáculo, ao som de baixas murmurações
do vasto audictorio, tudo esperava com viva an-
ciedade o apparecimmto do poeta-orador, que.
devia enternecer e fazer palpitar de gopo o cora-
ção d'aquelles que sempre se sentiam impressio-
nados coríi a sua Voz surdo-clara.
177
Todos estacavam sempre ante aqnelle.sem^
blaatò pailido» qae manifestava com grande van^
tagem as amargm^s tempestuosas qcíe Ibe tinham
estalado o corpo» deixando-lhe por herança o con-
tinão soffirimento, abraçado ao qual devia saccu-*
dir a vida á borda do sepnit^ro, rojando-se n'es^
se pavoroso recintbo do esqnecimrato para rece-
ber em saa fronte explendida a terra arrastada
por nm coveiro miserável.
Os eidos do grande aiidictorio» de cada vez
se iQxtiQguiam mais na saia ! £ (pxe todos espe-
ravam anciosos a cbegada de Garrett, e nao que-
riam p^der as palavras que elle se dispunha a
proferir n'aquelle grande acto.
De súbito correu nas salas ma ruido mais dis-
tincto, que foi graduabnente expirando, seguin-
do-se-Ibe um perpetuo Meneio 1 Tudo silenciou
então, como a fabrica a que travaram a machina
de mt^vimento! Todo pareceu suster a respira-
ção para nao cortar aquetie silencio t Era chega-
do o novo corypheu da instrucção publica, que
devia guiar os d^protegidos da fortuna ao tem*
pio que atéli tinham buscado em \90.
Garrett derramou om d'aqoelles olhares expres-
sivos de poderoso talento sobre a escolhida as-
sembléa, e tomando o logar que lhe pertencia oc-
ALMEIOÂ GARRETT iâ
178
eupar> começou a proferir um discurso, em que
manifestou a grande necessidade que havia d'uma
escola de tal natureza em Portugal, para a real
instrucçSo dos amigos da litteratqra, e mais scien-^
cias que encetavam, e se riam por fim na im-
possibilidade de as levar o cabo por falta de quem^
os quad^juvasse; o plano que lhe parecia mais
adopta vel para o fucturo estabelecimento; e os
fructos que d'ali se podiam colher em proveito
do paiz, onde os homens mais extremados em
lettras e sciencias, começavam a inclinar a fronte
para a sepultura, como o chorão que dobra so-
bre o lago estagnado que lhe apodrece as falhas
e a haste da vegetação.
As ideias do poeta, foram commummente ap-
plaudidas pdas numerosas corporações que pre-
sidiam á festa, e viram-se humectados os alhos
dos que prosavam as (H*ações do poeta, e lh& co-
nheciam o viva desejo de instruir aquelles que
eram pobres de espirito, por falta de bons mes-
tres. Até se viram chorar d'enthusiasmo os pró-
prios adversários públicos e particulares do gran-
de orador, cujo timbre de voz, accendia um não
sei que, que enternecia e dominava. Até os génios
mais insensíveis e frios se sentiam n'aquelle mo-
mento suspensos dos seus lábios, e constrangiam
17»
a custo, a respiraí^o, para conservar a sereni-
dade Q(n que a assembléa descançava. No íim da
discurso houve nas: salas um complecto delirio 1
O audictorio deu então azas aos lábios que mal
podiam domar a força de enthusiasmo,.e rompeu
Q'uma exclamação unisona, cheia de bravos e pai-,
mas: damas e cavalheiros, foram apertar a mão
ao talentoso apostolo da instrucção; e elle rece-
beu todas essas provas de sympathia e affecto,
com aquellas maneiras nobres e delicadas que
eram tão suas, e imperavam sobre a amizade de
quem tivesse a fortuna de iractar alguns momen-
tos com elle.
Saindo parte do numeroso ajunctamento, após
aquelles vivos transportes d'admiração, fícou o
poeta ainda algum tempo no gabinete, conver-
sando com os seus amigos, ajudantes e discípu-
los, sobre a bella instituição e os applausos que
recebera de pessoas tão instruidas e de qae não
era merecedor, dizia elle. — Mas estas palavras eram
filhas d'aquelle bocado de modéstia que sempre
conservara, por que os seus trabalhos não me-
reciam só applausos e palmas, eram dignos ainda
de muito maiores honras — que eu não me aba-
lanço afizer aqui.
Finda a conversação com alguns diplomatas,
18Ò
■>il iKlliriMO— «WiaàMMBfc
que ficaram pard o comprim^tar, e vários ahi-
mnos do Conservatório, retiroo-se o (toas d'a-
quelle tempio, aberto aos devotos do adianta-
mento e propagaçiSo d^essa luz vivificadora 6t)ri-
Ihante qae no nosso tnundo raeiottat se chama
— instrucçSo dos povos menos protegidos de for-
tuna, 6 bons mestres.
ff Tem maus figados a tal g«n-
atioha... Quebrou-se-lhes a arma do ri-
ttdiculo, tomaram sem escmpulo a da ca-
«lumnia.
(Garrbr.— GU Victnh).
XI
Procedendo-$e ponco depois a novas eleições,
em varies districtos do contíDente 6 ilbas adja-
centes, foi Garrett eleito novamente deputado por
um do$ círculos d'Ângra do Heroísmo, p(»r, Lis-
boa e Víaona do Castello. Sabendo isto o poeta,
ainda se enthusiasmon mais com o sea curso, a
que continuavam a presidir as mais illustres no*
tabilidades da corte, e um numero considerável
de estudantes de muitas esperanças que ali <x)n*
182
corriam nos dias determinados. D'envolta com
estes grandes serviços em proveito da pátria, c(T-
meçou e acabou o 'poeta uma tarefa que só era
digna de si e da sua penna robusta e cuidadosa.
Foi o seu elegante dramazinho em três peque-
nos actos, cuja acção se passa na época da exalta-
ção geral dos mais leaes portuguezes em 1640.
O drama é formado sobre a restauração dos nos-
sos torrões pátrios, dás garras dos castelhanos
que havia tanto, que nos pisavam sobre a terra
que nos pertencia. Pintà-se ali com cores inalte-
ráveis o caracter immutavel e resoluto de J7. Phi-
lippa de Vilhena, cujo titulo pôz o poeta lo fron-
tispício d'aquelle rasgo admirável da historia por-
tugueza. Aguella scena em que Philippa estende
o braço austero para seus filhinhos tenros empu-
nhando a espada defensora, e os manda luclar
até morrer pela indepeodencia da pátria, não é só
uma obra cinzelada por um historiador attilado,
mas também um quadro soberbo d'iim pintor
que despertaria certamente a inveja no próprio
Rubens.
Como o poeta traça um drama sobre o peque-
no mas excellente relâmpago histórico ! Que sym-
pathicos caracteres, os dos personagens que elle
apartou para a magnifica peça I E como é cor-
1S3
reDt6 6 portugueza aqnella linguagem que põe na
bocca d'algumas figurasi
Este bonito drama escreveu-o o auctor expres-
samente para ser decorado debaixo da sua di-
recção, por alguns alumnos de declamação do Con-
servatório, escolhidos por elle.
De tal forma os influiu n'este poocto, que cheios
de orgulho pelas palavras que lhe ouviram, estu-
daram em pouco tempo os seus papeis o mdbor
que se podia desejar.
Ânnunciado pouco tempo depois o ensaio ge-
ral, e convidadas as mais distinctas famUias de
Lisboa, e os principaes lidadores da scena portu-
gueza, chamou Garrett os seus discípulos, e fel-^os
entrar em mais um ensaio para que o desempe-
nhassem como era necessário diante de pessoas
tão intelligentes e de tão apurado gosto. O poeta
não cabia em si de contente vendo a boa ordem
e felicidade com que os novos actores lhe anima-
vam as imagens que esculpturara com o cinzel de
dramathurgo 1
Chegou 'finalmente a hora marcada para a re-
presentação I Entre os illustres espectadores que
t> poeta convidara, viam-se suas Magestades Fi-
delíssimas, d'onde. partiam a cada passo, as ap-
provações mais animadoras, que os reaes espe-
184
ctadores tènoamaram no fim âo espectáculo, maD--
dando aos actores alguBS presentes^ de grande
valor, e alta consideração.
Garrett, no fim, mostrou-se penhoradissíma ásc
Beaes Personagens que aM se achavam» e a to--,
das as pessoas que se dignaram acceitar o con-.
vitepara a.estrêa dos seus alumnos.
Foi uma festa explendida aquella representa-
ção da bella . composição dramática do sympatbi-
CO cbronista mór do Reino 1 Foi um acto gran-
dioso» como ainda se não tinha presenciado em
Lisboa.
Decorrido mais de meio, o anno de 1840, e
reabertas as camarás, recomeçou Garrett as suas
discussões renitentes e calorosas, a f^vor da re-»
forma da instrucção e administração publica ; de^
bates em que colheu os maduros fructos que
muitos deputados precedentes em vão tentaram
empolgar para se ornarem a si e aos seus adu-
ladores. Garrett colheu-os, mas não os foi cingir
em nenhuma fronte que não a sua, porque a nion
guem tinha que os agradecer senão ás suas opi-
niões verdadeiras e sans, que alcançavam sempre
a victoria. Os tentames de Jonio Dttriense (i)
(1) Anagramma que Gaxrett usou na.infiE|acia.
18S
. !.■■ .^m.
qaast que se podiam dizer sempre inteiras eie*
cuç5es> porque formava-os sobre as suas convic-
ções inquestionáveis, e não se dobrava ante quei-
madores d'ineenso» e bypocritasl Dizia diante de
todos aquelles qae pretendiam guial-o á estrada
pedregosa» que era homem de si mesmo, e d»
mais ninguém* que havia de dizer o que lhe mau*
dava o coragao» e que nSo se curvaria jamaôs a
negociantes de consciências, em que lhe custasse
a vida ou os logares que os poderes pubUcos lhe
mandavam occupar. Dizia-o e provou-o mais d'u-
ma vez. A instrucçao, e a administração publi-^
cas, eram agora o seu pensamento continuo e in-
quebrantável. Ninguém como elle até'li, soubera
entrar n'este assumpto de tanto interesse para
Portugal, e que jasia desde muitos annos abraça*
do a um systema peco e maneta, que só servira
para gastar sommas consideráveis aos govemos^
que n3o podiam com tamanho carregamento. Por
isso, o poeta gritava com todo o vigor dos seus
pulmões contra a vergonhosa pequice dos govei^
nantes que deixavam andar aleijados estes doia
ramos de necessidade essencial. E aos brados re-
tumbantes e crenças firmes dò poeta, iienhum dd*
putado ousava fazer opposíçao, porque todos sa-
biam que tinham as forças cuidadosamente fech^h
186
das na mão d'elle; e portanto, era tão certo cai-
rem fulminados em terra, como a elle o comple-
to e verdadeiro triumphol
No parlamento de 1841 tinha forçosamente de
se discutir uma grave e muito seria questão, com
o governo da nossa visinha Hespanba; e era,
que, não tendo o gabinete portuguez, dado o ne-
cessário desenvolvimento ao tractado que ella nos
tinha apresentado, para a livre e franca navega-
ção, nas agoas das duas nações da península, por
causa das altas barreiras que Portugal encontra-
ra a transpor para levar ao termo essa conven-
ção, a nossa fanfarrona visinha, começou a soltar
tão aterradoras murmurações contra o gabinete
de Lisboa que estimulou fortemente o nosso go-
verno, obrigando-o a pôr-se de prevenção para
arremetter com ella a toda a força, e fasel-a sN
lenciar com gente armada que mandou preparar
para guardar as fronteiras. Portugal erguia-se
ameaçador, e gritava contra a ousadia dos visi-
nbos d*aquem Pyrennèos, mas o ministério tre-
mia, e as tropas recuavam por serem tão dimi-
uutas à vista dos seus inimigos — e o povo andava
offegante, embaraçado è cheio de terrores.
Garrett era ministerial; e olhando at tento e
flrme do alto da sua tribuna, para esses primei-
187
ros fumos revolucionários, conbeceu então intei-
ra e profundamente a medonha crise em que se
abalançava o ministério — fumos produsidos pelo
fogo hespanhol, e assoprados pelos ventos portu-
guezes, que apesar de brandos, foram sempre
atrevidos, — e não querendo baquear vergonhosa-
mente juncto com seus sócios imbelles, recebendo
uma nódoa indelével em sua fronte respeitada, e
ainda maior mancha na reputação já longamente
conhecida ' e apregoada, abandonou o seu lugar
d'oFador do centro ; e quando nos primeiros dias
de Julho se organisou o gabinete, passou para os
bancos da opposição, seguido do pesar roedor
d'aquelles que havia defendido sempre com a
mais viva inergia d'alma e coração.
Não sabemos o que havemos de pensar sobre
este tão estranho procedimento do illustre depu-
tado, mas estamos firmemente convencidos que
não practicou tal acto, sem pensar n'elle madu**
ramente, e esquadrinhar com attenção, todas as
faces dos motivos que o levaram a tal commetti-
mentp. O ministério rugiu então terrível e amea-
çador contra a resolução do poeta que o tinha
salvado por tantas vezes de cair n'um pego, ca-
vado pela pequenez e fraqueza, que* sentia para
guiar a nau da nação sobre as ondas encapela*^
188
das da pbalange oppositoría; mas Garrett conti-
nuou a orar da esquerda, sem recolher os olha-
res desdenhosos dos seus antigos rodeadores» que
d'antes lhe fabricavam arcos trimphaes e lhe ata-
petavam as aras com flores de aroma artificial,
que eram sorrisos bypocritas, e palavras lison-
geíras, como aquellas que o cavalheiro d^mdus-
tria costuma dirigir^ aos homens que desconhe-
cendo o que seja caridade, abrem a bolça e aca-
tam com sorrisos os apóstolos da adulação.
Pouco depois doeste acontecimento desconsola-
dor» a 15 de Julho do mesmo anuo, eOectuou-se
entre os tempestuosos debates d'uma assemblea
enorme, a gravíssima discussão da lei da decima;
e tendo o ministro da fazenda ofiendido impia-
mente Almeida Garrett, este ergueu-se cheio d'in-
dipàç3o, e pedindo a palavra em defeza dos seus
direitos de bom cidadão, proferiu um discursa
tão eloquente e caloroso, em que queimado pelo
fogo da imaginação e pelo sentimento de ser ata^
cado tanto á queima«roupa, chegou a perder o
metal de võz que sempre fisera eccaar n^aquelle
edificio, gerador d* inimisades entre os homens que
se deviam amar é viver em commum accordo -^
salvas as necessidades dos povos d'uma nação,
tal foi a exaltação e arrebatamento com que elle
189
se m^goeu para reíbtar as ídmas» tornar de no^
Dbum efiEèito as arguições, e condemnar os ter*
mos pouco decorosos que Ibe dirigira o seu com^
petidor, e as grosserias que l>af<Nrara em seu de
saboQo. Àquellas inergicas palavras de Garrett*
vibradas com a sanba yirtigínosa e potente do bO'»
mem que se sente offendido no sen amor próprio^
pareciam recolhidas d'outra escola que n3o a do
grwde poeta, e moduladas por entre a coiitrac^
ção indómita d'outros lábios, que nio estivess^n.
affeitos como os d'elle, a sentir o peso dos audi*
ctorios suspensos e commovidos.
Este discurso de vasta eloquência, extremasse
de todos os mais que proferiu o mesmo orador,
em todo o decorrer da sua carreira politica^ em
forma, estylo e extensões ; e o que é ainda m^is
digno de ser mencionado, são aqueilas imagens
tão extremamente vivas e nuas que nenbum ora^
dor ousara apresentar com resultados tão felizes
c(Mno os que grangearam estas ante os olbos dos
homens que sabem abraçar o bom, e afiEastar-se
do Ínfimo, vil e indigno. A grande caterva de es-
pectadores que presidia a este tremendo rasgo
oral, olbava-o admirada e «lenciosa, e encarava-se
mutuamente, mas não fazia a mais leve gesticu-
lado nem articulava o mais singello som que a.
190
imgua pudesse fazer ouvir. Os seus antigas satel--
lítes, esses,... os seus passados derr amadores dUn^
senso, é que o encaravam com odío e rancor;
esses que nos debates anteriores o applaudiam e
admiravam, porque inda er^ ministerial e os ar-
rancava das situações em que se enredavam^
d'onde sem elle lhes seria tão dijQScil a saida,<^o-
mo ao lobo que caiu no fogo e sente o pescoço
entre o forcado dos monteiros; eram os que
agora lhe atropelavam impiamente, as virtudes
que lhe tinham mettido nos seios do coração que
confessavam adorar submissos e reverentes. Mas
o offendido . orador, nunca quebrara o vaso das
suas convicções á voz da calunuiia nem estreme-
cera aos olhares odiosos que vira relusir tantas ve-
zes diante de si.
No dia que se seguiu a este notável aconteci-
mento parlamentar,' foi Garrett exonerado por
vingança, do lugar de presidente do Conservató-
rio Real de Lisboa, de chronista-Mór, e também
da inspectoria geral dos theatros, e espectáculos
nacionaes. Rebello da Silva, faltando algures does-
te rápido momento da vida de Garrett, diz: «In-
fehzmente ia quasino começo a obra da. regenera-
ção do theatro, quando lh'a arrancaram das mãos,
e a torceram, e a desviaram do seu progresso, p
(91
EffectlvameDte o incaosavel Bscríptór mettera
mãos a essa grande empreza, jurando arrostar
com todas as di£BcuIdades qae topasse no cami-
nho, para lhe dar um fim coroado conl os glo-
riosos áuspicios que merecia o assumpto. Este
golpe de vingança insuitadora brandido tSo injus-
ta 6 precipitadamente pelo ministro sobre o elo-
quente orador, que era culpado apenas de dizer
a verdade, e condemnar os abusos que via em '
acção e de defensor dos direitos que a lei Ibe
fornecia, nada o pôde ferir porque o que dissera
estava dicto, e as ideias que apresentara estavam
unanimemente sanccionadas pela maioria/ onde
vira incluídos alguns que eram seus antagonistas. •
£ quando os nossos inimigos se movem a nosso
favor lem casos tão melindrosos como estes, te-
mos certa uma victoria complecta. O poeta rece-
beu o oíiicio que o exonerava dos seus cargos,
com os lábios forrados com aquelle sorriso iró-
nico tão seu conhecido, que tão sublimemente em-
pregava sobre aquelles, junctade quem provava o
gosto agroso dos grandes desappontamentos hu-
manos,— e sollando despreoccupado e firme uma
retumbante gargalhada, disse para as pessoas
que eram com elle, e prísidiram a este actoi que
para outro -fora o mesmo que sugar o fado da
suprema imimlbai^: — Esperemos i E: volveodo
á sua habitação seguido d'alguns amigos» a ali"'
mentando ainda o sorrir de Demócrito disfarça-
do, recostou-se commoda e fieugiçaticamente na
sua cadeira de osòríptor cpe era Junctô da secre-
taria. Empunliou aqodla penna robusta, que era
capaz de abalar os alicerces do mundo e fazel-o
girar sobre novos cairis; è mediu com ella umca*^
demo de pape] ] 0^ que o "(iram proceder assim
julg2i*am, o que era naturalissimOy que os acoute*
cimentos recentes lhe haviam inspirado um novo
livro em que d«sse conta no seu estyllo desata-^
viado e corrente» das chadas maia hediondas d'a^
guns regedores da pátria ; porém as ideias dos
que naturalmente assim pensaram^ foram pouco
depois abafadas com documentos mágniQcamente
elsd)orados pelo punho do próprio Garrett. Fin-
cando só curvado sobre o seu thesouro de litte*
ratura,» tossiu» molhou a p^ma» e arremessando
loi^e de si o véu do sarcasmo que se lhe rare£a*
sia no rosto, deixou sair do coração uma d'aquei^
las luÊidaa de aborrecimento que trazem sempre
apoz^ a maviosa quietação do espírito, e transfor-
mam a sanha irritada do homem, na imagem
mansa do cordeiro*
Depois caiu em protoda meditação e siiendo.
193
coma. qaem espera o eceo d'iima vo2 celeste a
qae. deseja prender moa ac^o da terral
Fdtz:do homem, que recebe o grande choque
da prepotência, e acominette as maiores vicis-
situdes, com o animo sobrenatural que Garrett
guardava sempre n'aqueile peito vigoroso t Feliz,
digo, porque não dava guarida a ódios, nem abo-
minava os seus mais feros detractores e envejo-
SOS. Feliz, se hoje Uvre das torpezas humanas,
repousa entre gallas, na celeste mansão dos jus-
tos que tantas vezes evocou i ! £ o poeta me-,
ditava. De repente, como a locomotiva que co-
meça a tomar a força motriz, ouviu-se rugir aquel-
la macblna potente, que atropelava tudo que in-
discreto Ibe tomava a passagem, e os seus ran-
gidos annanciâyam a partida d^aquelie robusto
pensamento para um novo clima, onde tinha a
colher um ramo de louros que havia de florir
ainda aos bafejos das gerações vindouras.
Era mais. um vaso de superior argilla, habita-
do por uma flor olorosa, que ia depor em cima
dos alegretes do . seu formoso jardim theatral !
Uma obra cheia de riquezas Utterarias 1 Mas que
otH*a poderia produzir aqueUe cérebro tão forte-
mente motejado pelos recentes debates parlamen-
tares, que fizeram paralisar o sangue e adonne-
ALMElDA GARRETT 13 .
194
I
cer a líDgua a tantos oradores d'algam mérito?
Qoe força podia restar ao bomém que estiver duas
horas dominando a grande chusma de salvadores
da nação ? Que poderia parir uma imas^açâo
que tanto luctara na véspera contra os medalhões
do paiz ? Podia muito, porque era como os po-
mos do bem e do mal da ^vore feminina, que
quanto mais se lhes tira, mais produzem. Era, se
nao a melhor, uma das suas concepções mais fe-
lizes e dignas da estante que guarda as melhores
composições dramáticas; o Mfageme de Santarém^
ou a Espada do Condestiwel, drama em cinco
actos, que o poeta trasia impresso na mente ha-
via bons dois annos, e ligeiramente delineado n'al-
guns papeis dispersos, que n^éssa occasião nãa
se deu ao encommodo de consultar.
Este drama está sublimemente desenvolvido á
luz d^aquelle relâmpago fulgente da historia por-
tugueza desde a morte de D. Fernando, e du-
rante a regência da rainha D. Leonor, amante do
gallego João Fernandes Ândeiro até á acclama-
ção do Mestre d'Aviz. O poeta firma a peça so-
bre aqaella celebre anedocta, da espada que D.
Nuno Alvares herdara de seu pae D. Álvaro Paes,
nobre prior do Crato. Nuno Ah^ares, enlâo fron-
teiro-mór do Alemtejo e protector do Mestre d'Aviz
191!'
' ■! ' ■ _ ■■■*■■■ ■MM M BI M M W I _L I l> I ■ I I H l I I ■ ■ < ' ■ _,l_ ■ _ il '' _ ,, , 11 ' ■ " >
para o assassinato do valido da rainba, represen-
ta aU um bello papei com o seu amor sincero
pela virtuosa Alda» e com a lembrança de fazer
acclamar o filho legitimo de Pedro Cru. Garrett
descreve n'este drama de subido mérito littera-
rio, os costumes mais enraisados nos ânimos
populares, suas crenças e opiniões, seus ódios aos
estrangeiros, assim como dos guerreiros que se
preparavam já para talar de Castelhanos os cam-
pos d' Aljubarrota. Aquellas duas imagens do dra-
ma> o Ãlfageme e o velho sacerdote Froylão, a
(^em chamavam o S, Gonçalo das raparigas de
Santarém, são quasi inimitáveis.
Aquella Alda, suas paixões e palavras innocen-
tes, suas confissões sinceras e seu amor franco e
virtuoso, parece-me que ninguém a animaria me-
lhor..
< Para fazer uma descripção exacta e minuciosa
doestes cinco actos sublimes percisava^se diurna
penna que nao tremesse como a minha, e por is-
so contentem-se os leitores com o breve esboço
que ahi fica.
Este ramo de louros verdejantes, que logo se
ajunctaram, á já brilhantíssima auréola do rege-
nerador do theatro portuguez, floresceu immensa-
mehte no alquebrado theatro da rua dos Condes,
196
I
— .. --■ ^—- ^.-^ ^--.),^ ■■ - . ^^ ^^^^ , ^^ I . II _ r
sob a protecçio do conde do Farrobo» mas o óar*
taz que «loundava o espectáculo» d3o dizia o
nome do auctor, p&r que era esse p tempo em
que todos o admiravam no parlamenta» e Garrett
nSo queria descer do alto da tribuna ao prosce^ |
nio theatral. Ã primeira representação foi na noi^
te de 9 de Março de 1842» entre ávidas excla-
mações d'enthusíasino d'uma platea escolhida
que chamava o auctor no fim de todos os actos
com delirio immenso» mas Garrett não appa-
recia; e os espectadores voltavam ao tbeatro
nas seguintes representações, para conhecer o es-
criptor que os diliciava com palavras tão sympathi-
cas.
Pouco tempo antes de gosar a vaidosa Lisboa,
as meigas palavras que o poeta mandava profe-
rir pelos melhores lidadores do theatro, no en-
canecido pardieiro, foi Portugal despertado pelo
annuncio d'um acontecimento que fez estreme-
cer muitos portuguezes i Foi o grito d'alarma que
rebentou na cidade invicta no dia 27 de Janeiro
de 1942, — grito que eccoou retumbante e me-
donho nos ouvidos dos homens que se viam na
necessidade de o abafar pela prudência ou pela
força.
Garrett foi eleito deputado pela capital n'es-
197
se anno» e deixando em descanso os seus la-
vores litterarios, foi assentar-se na camará^
que estava então em vasante de deputados
que deviam occupar os bancos para onde elle ha-
via passado quando se viu desamparado pelo
grupo ministerial, que tremia da louca ameaça
madrilena*
«Esses nossos honrados companheiros
«De tanta cicatriz ennobrecidos,
«Que a espada tantas vezes empanharam,
«Tanto sangue Terteram por seguir-oos,
«Por defender da pátria a sancta causa ;
«De suas Tidas, acaso a mesma pátria,
«Não nos confiou a nós, cuidado e guarda?»
(GAiiitETT.— Caíâo)
XII
 morte prematura e sentidissima que assom-
brou por esse tempo a vida do grande patriota, o
conselheiro António Manuel Lopes Vieira de Cas-
tro, muito digno abbade da parocbia de S. Cle-
mente de Basto, com quem Garrett percorrera
as primeiras paginas académicas em Coimbra, e
partilhara as amarguras do desterro em Inglater-
ra, durante a emigração de 18^8, veio-lhe pun-
gir dolorosamente o coração d'amig09 e fome-
200
cer-lhe ao mesmo tempo um sublime assumpto
para engrandecer mais os ricos annaes da nossa
lilteratura, contando a historia poUtico^eclesias-
tica do talentoso minislro d'estado e da egreja
catholica. Guiado pela saudade cortante do ami*
go que deixara d'existir, lançou de novo mão da
penna, já quasi adormecida, e compoz em senti-
das phrases uma memoriorhistorica em que lhe
immorlalisou aquelle nome, tâo avidamente q
saudosamente coado por entre os lábios de to-
dos os homens que amavam do coração, os prin-
cípios Uberaes^ e os sacerdotes possuidores das
grandes virtudes que elle mostrara em todos os
cargos tanto públicos como ecclesiasticos» e atè
empunhando a espingarda de voluntário, firme e
animoso, e marchando sobre as forças do usur-
pador que o arrancara da suaabbadia para o atirar
ás provanças do exílio açodado pelos seus infa-
mes sectários.
Este sumptuoso monumento erecto peio nosso
poeta ao virtuoso pastor de S. Clemente, foi im-
presso pela primeira vez em 1842, n'um folheto
ornado com o retracto de Vieira de Castro, e saiu
ultimamente reimpresso a par d'outras bio-
graphias no volume dos Discursos parlamenta^
res.
201
Estando as camarás do parlamento d'este an*
no» ainda friamente organisadas, e nSo havendo
âiscQss5e$ de maior gravidade, recolheu-se Gar-
rett temporariamente á estreita solidão domesti-
ca, e começou a escrever nas margens dos seus
livros impressos que os prelos já requeriam, as
emendas que lhe segredava a consciência, que
deviam substituir alguns rebentões, que as mui-
to serias occupações lhe haviam deiíádo passar
desapercebidamente, e ao mesmo tempo filhas
da ligeiresa com que sempre apromptava os seus
originaes.
Entre as muitas e escrupulosas correcções qúe
fez nos seus livros melhores, avultam as da dilí*
dosa epopéa Camões em que sempre se esmeros
, com muito mais atten^o e que se imprimiu pela
terceira vez em 1844. Com estes e outros affa-
zeres levou o poeta alguns mezes, e apenas os
interrompia por curtos intervalios, quando ha-
viam a traotar negócios mais graves, ou se acha-
va aborrecido. Nos princípios de Março de 1842,
havia sido o poeta nomeado membro da commis-
s3o organisada ' em Lisboa para tractar os negó-
cios com a Sancta Sé, mas parece-me que nSa
pôde fazer parte d'ella nem protegel-a por essa
occasiSo, em consequência de ter soffrído por es*
202
se tempo uma queda perigosa que o obrigou a con-
servar-se alguns jne^es em sua casa, por manda-
do dos facultativos que o visitavam repetidas ve-
zes no decorrer d' essa longa reclusão.
Esta incidente infortunoso do poeta não pun-
giu menos os seus amigos, e mesmo os mais af-
fastados que buscavam o seu domicilio^ que es-
tava sempre aberto para receber os corações ge-
nerosos e todos aqu^Ues que o procuravam.
N'esta solidão forçada pôde Garrett conhecer
mais a fundo as grandes sympathias que lhe dis-
pensavam, vendo entrar a toda a hora em casa
os seus companheiros do iofortunio e da grande-
za, e alguns talentos que por modéstia ou aca-
nhamento, se tinham occultado a seus olhos, e
aproveitavam aquella occasiãoem que ninguém
despresa quem procura animal-o, para travar re-
lações com elle, o que era uma grande honra.
 dar credito a alguns documentos que tenho
à vista, esta fatal isolação do poeta, foi de supre-
ma utilidade para a moderna litteratura theatral,
já sublimemente engrandecida por elle; porque
foi quando escreveu o seu admirável e aberta-
mente inimitável Frei Luiz de Sousa, esse drama
modelo, essa elegia em prosa sublime, e de novo
género, certamente a melhor que possuímos e que
203
tem impressionado mais vivamente as plateas de
primeira ordem, e contribuido para qae vertam
lagrimas copiosas os espectadores da mais inaba-
lável construcção.
Existe um documento do próprio Garrett, que
desmente o que acabo de dizer, quanto á dacta da
composição do drama, porque diz ter tido princí-
pio, no dia 27 de Maio de 1843. Sem querer ele-
var-me acima de quem affirma o contrario do que
explica o manuscripto do poeta, creio de prefe-
rencia n'este, porque ainda que não seja exacto,
estou mais do que convencido que ninguém se
transformará em Quixote para me contradizer I
Este collossal monumento da litteratura moderna^
este soberbo empório |}e puro sentimentalismo,
em que se descobre um quadro magestoso das
maia arrogadas paixões humanas, leu-o o auctor
em se^ão do conservatório Real', ante um grau*
de numero de pessoas instruídas que o admiraram
e applaudiram, com demonstrações de maior rego-
sijo, e do mais puro affecto pelo homem que o
creara. N'este delicioso trabalho, ainda se encon-
tra a traducção da profunda amísade que o poeta
tributou sempre ao cantor dos Lusíadas. Aquel-
le dialago da scena segunda do segundo acto,
cruzado entre Maria, a filha de .Magdalena de Yi-
204
■ IM >* 1
Ihena, e o honrado Telmo, velho e dedicado es-
Èudeíro da antiga casa de D. Jo3o de Portugal, é
muito digno dé entrar n'estas acanhadas memo-
rias. Maria contempla três retractos que pendem
da parede, que^sao o de D. Sebastião, o de D.
Jo5o> primeiro marido de Magdalena, quejulgan-
do-o morto, contrahe segundas núpcias com Manuel
de Souza Coutinho, de cuja ligação saiu Maria; e
o terceiro retracto é de Luiz de Camões. Maria
depois de mirar attenciosamente os três, diz apon-
tando por flm para o do infeliz vate d'Ignez
— f Creio n'aquelle outro que ali estáj ãquelle teu
amigo, com quem tti andaste lá pela índia, n'aquel-
la terra de prodígios e bisarrias, por onde elle ia...
como é ? ah, sim... «N'uma mão semj[)re a espa-
da e n'outra a penha» — «Ohl (exclama Telmo
cheia de tristeza} o meu Luiz coitado 1 bem lh'o
pagaram. Era um rapaz mais moço do que eu,
muito mais..', e quando o vi a ultima vez... foi
no Alpendre de San Domingos em Lisboa — pare-
ce-me que o estou a ver — tão mal trajado, tão
encolhido.:, elle que era tão desembaraçado é ga-
lan... e então. velho 1 velho alquebrado, — com
aquelle olho que valia por dois, mas tão sumido
e encovado já, que eu disse comigo: «Rtiim terra
te conierè cedo, corpo da maior alma qtiedtítou
m
Portogall E dei-lbe um abraço.^, foi o ultimo..*
Elle pareceu ouvir o que me estava dizendo o
pensamento eá por dentro, e disse-me: «Àdpus
Telmo! San Telmo seja commigo n'este cabo de
navc^façao... que já vejo terra, am^o» — e apon-
tou para uma cova que ali se estava a abrir. ~
Os frades rezavam o oificio dos mortos na egre*
ja... EUe entrou para lá, e eu fui-me embora,
D'ahi a um mez^ vieram dizer-me: — cLá foi Luiz
de Camões n'um lençol para SancVAnna»— E
ninguém mais faltou n'elle.
— cNinguem mais?!., pois^nao lêem aquelle
livro que é para dar memoria aos mais esqueci-
dos?
— a O livro sim: accaitaram-n'o como o tríbu*
to d'um escravo. Estes ricos, estes grandes que
opprímem e desprezam tudo o que nâo são as
suas vaidades, tomaram o livro como uma coisa
que lhos fizesse um servo seu, e para honra d'el-
les. O ser\o, acabada a obra, deixaram-p*o mor-
rer ao desamparo sem lhe importar com isso...
Quem sabe se folgaram? Podia pedir-lbes uma es^
mola» escusavam de se encommodar a dizer que
não. .
«Está no céu (diz Maria muito enihmiasmadaj
que o céu f^-se para os bons e para os infeli-
206
zes; para os qae já cá da terra o advinharam! —
Este lia DOS mysterios de Deas ; as suas palavras
são de propheta. Não te lembras do que lá diz
do nosso rei D. Sebastião?... como havia d'elle
então morrer? Não morreu. (Mudando de tom)
Mas o outro, o outro... quem é este outro, Tei-
mo? Aquelle aspecto tão triste, aquella expressão
de melancbolia tão profunda... aquellas barbas tão
negras e cerradas... e aquella mão que descança
na espada como quem não tem outro arrimo, nem
outro amor tfesta vida...
— «Pois tinha, oh se tinha...
— «Aquelle era D. João de Portugal, um hon-
rado fidalgo e um valente cavalleiro» — diz Ma-
nuel de Souza Coutinho entrando na occasião em
que a filha e o escudeiro, olham fascinados para
os quadros que representam os três grandes per-
sonagens da historia portugueza; D. Sebastião,
Camões, e D. João de Portugalll Em toda a par-
te sabia o grande Garrett erguer um brado de
gloria e saudade, ao desditoso amante de Catfaa-
rina d'Alhayde. Nunca via cheia a arca destina-
da a guardar a historia do sonoroso épico. Esta
obra é precedida como deixo dicto d'uma memo-
ria sobre a litteratura e estyllo que adojitou em tão
melindrosa e interessante composição, que foi li-
207
da na occasi^o do drama, no Conservatório, e de-
dicada aos membros d^aquelle grande estabeleci-
mento. È seguida d'um honroso Juízo critico, re*
plecto de soberba erudição e agudos conceitos,
Qlbo da penna firme, d'um dos melhores prosa-
dores moderDOS, o já fallecido Luiz Augusto Re-
bello da Silva que deixou orphão tão cedo um
explendido logar no campo da nossa litteratura.
Para se poder avaliar o grande mérito d'esteym-
so critico, basta dizer-se que é do immortal au-
ctor da Mocidade de D. João F, do Ódio velho não
cança, e de tantas obras que são o orgulho da
^erra que possue ainda quasi inteiro o cérebro
d'onde ellas emanaram. Diz-se que este formoso
trabalho dramatbico, não ^a destinado ao tbeatro,
mas pedindo-o uma familia illustre para ser re-
presentado, e cedendo o poeta a esses desejos
representou-se por uma sociedade composta de
pessoas credoras de subida consideração, e cos-
tumes irreprehensiveis, na quinta do Pinheiro na
noite de quatro de Julho de 1843. Por este tem-
po apromptou o poeta um volume de versos ly-
ricos que se intitula: Flores sem fructo, que a
casa Bertrand deu á luz em 1845. No mesmo an-
no saiu a lume no segundo volume das Memorias
do Conservatório, o excellente Elogio histórico do
208
barão de Ribeira de Sabrosa, que foi recitado pe-
lo auctor^ em ses^ plena d'aqaelle estabelecl-
metíú de saprema utilidade para a moeidade que
ama o estudo. É um pequeno discurso, mas conce-
bido n'um estylo primoroso, e cheio de l3o riquissi^
mos pensamentos, que o toniam mais valioso do
que os monstruosos volumes de certos auctores
que tecem elogios em termos pomposos, mas on*
de as ideias, já cobertas de cans, revelam sem-
pre a mesma coisa: isto é, se acaso alguma coi-
sa conseguem revelar. Cá estou eu lambem met-
tido no grémio, pobre escrevinhador, que começo
a crer, que escrever uma biographia com todos
os r. r. é tão espinhoso como levar o rio Rhoda*
no ao ultimo extremo da serra Guadarrama ! Se-
guir os passos d'úm homem, contar-lbe as pega-
das e assentar n'um bocado de papel todos os
seus gestos, e palavras que proferiu, e os aper-
tos de mão que deu, pode-o fazer quem for espi-
ão, como os ha por ahi em abundância, mas um
pobre diabo, que está como eu, entre quatro
boiões de rapé, não sei quantos centos de charu-
tos, meia dusia de fumadores e umas dusias de
caixas de fósforos á José Osti,é fraco de mais para
tentar tamanhas empresas. Mas vamos lá que com
todos estes senões, vou levando, ainda que muito
md
ajoujado» o fardo a cpiâexpntas mtíÍRB dcbeis ccs-
taSy á estação onde ajustei ^iral-^ 4e mim.
Mas Tdteinos a enganchar o>camKSo<|ue pi^*
leotaioente o cascalboso dosvioque^ miiilia ma**
nia ]ilteraria me apootcMi, Depois do volwíe 4as
flores ^m Frmto, put^icou^se ;o plíaieiro^ voittr^
me do bello i{on»ana«iro. doppeta, contendo cháca*
ras» trovas, lendas e soiáos. MeoDOfs prèoceupado,
eiOre os annos 1843-Í844» c(mieçoa a saccu^ir «
poeira. a i^as daronieap^ que já oocaeçára a áe-
seopoeirar em 1832» encontradas Jio çoavento:
dos Grillos no Porto^ onde e&livera alojado o seu
batalhão âprantO' o ^rqo; e depois d'esta opera-
ção copiou os caracteres quá o tempo ainda couh
s^?aya intactos, refonãíQ^os e mettepdo /no iam-'
Uqoe das suas investigações, os fragmentos que
estavam apagados» começou a puriiicdl-os coma^
attenciosa solicitude que empregava em todos os
seus trabalhos. Algims âías de trabalho, e a cbro-
nica Miada e amareUada, proãasiii om espiri(0
que &z espirrar i^oidosamente muitos :ii;uiividuQSv
e com especialidade o deco» que rugiu como o.
tigre que se topa lendo «mortalmente pelo caça-:
dor .de feras sertanejas, e fligitf com horror <3a
hediondez das imagens que ò poeta principiara a
desenhar a traços lígeiroí mas indeléveis! iVesta
ALMEIDA OABRETT i4
21Ô
velba obrcmica — romaace» narração critica da
tempo de. Pedro Ci^, ou mais propriainente /115-
ti€€irOj foi qoe Garrett arrancou os dois roiomes
do de ^co de SancfÂnna, cujas sceoas d'aber-
tura correm nas proximidades d'esse arco memo^
ravel da rainha do Douro, iiue foi complectamen-
te derruído ha bom par de annos.
O primeiro yóbàme doesta obra saiu dos pratos
no principio de 1845» quando o poeta ainda não
possuia, senão ligeiros 2q[>ontamôntos para o se-
gundOy que devia concluir a confissão da cbroni*
ca encanecida pelo correr dos annos.
O extenso e profundo prologo que precede es-
te primeiro volume» foi um verdadeiro foguete de
grannadas» que sobe rugidor aos ares, cujas bom-
bas descendo rápidas e fumegantes^» vão estourar
entre a gentalha» dispersando-a» e fazendo-a indi-
gnar contra o fogueteiro.
Os sacerdotes» — os mãos» que os \irtuosos
aparta-os o poeta para outro lote — os sacerdo-
tes são ali horrivelmente mordidos» e asperamen-
te torturados entre algumas paginas de ferro que
se occultam no pequeno livro.
Molesta sem commiseração com o bico da pen-
na aparada» mais algumas corporações sociaes»
que lhe assiravam a imaginação nos tempos cala-
211
mitoso&6m que eOe extrabía essas palavras úo
coààce fradescOí cheio naturalmeote de emplas-
tros latinos escriptos por algum fradalbão lú-
brico, sensual e depravado, que presenciou, ou
teve parte nos banquetes luxuriosos do bispo do^
Porto, o infame seductor da fllha de Abrahão Za-
cutto, o bemfeitor que o agasalhara em casa : es-
sa desgraçada mulher, mãe do filho do bispo,, que
a vergonha obrigou a disfarçar- se em taberneira, e
que o povo começou a cognominar bntxa de
Gaia. Esse sacerdote empregnado de infâmia e
perversidade, que manchou tantas virgens ajuda*
do doa seifô indignos acolytos, è alam arrancado
do seu ministério, e rechassado do reino, pelo
rei Justiceiro, que toma conhecimento da reclusão
em qoe teve a infeliz Anninhas, fiel e virtuosa es-
posa de Affonso de Campanban.
A critica mordaz e. estúpida d'alguns adversá-
rios do poeta, recebeu, como se costuma dizer,
com cara de ferreiro velho, esta primeira parte
do romance, e o auctor para se desforrar d'essas
graves accusaçoes, como sempre fòi:iã seu capri-
cho, tractou de copiar e recopiar o trabalho do
segundo volume, augmentaiKlo-o consideravel-
mente sobre a extensão primitiva, e mettendo-lbe
alguns trechos, que, ainda que dissimulados, sao
212'
^hawfarfAAMaíMI»
acc
a resposta e desaggipavo das injustífas qtiê «o»-
metteram com elle. Depots d'uifia bmve adver-
tência em que se declara, os Motivos qm haviam
retido aquelte trabalbò b» atfaodega da sira joris-
dicção sem prompto despacho/ abre o primeira
capitalo, desfecbaDdo mm estas paljrwas aas bo-
chechas do leitor descuidado.
«De2 aimos esteve G^vantes^ para trasladar e
por em ordem» os ma&usepipCos de Gid-llamet*
ben-engeli, e dár-nos em fim, a ultima parte da^
historia do cavalteiro da Maiicba. Ett nSo te fis e^
perar senão cinco leitor amigov e betlevolo, por
este segundo e ukimo tomo do bemdifito Arco de
SancfAnna. E tive de fazer eu tudo, ea só por
minha m3o, decifrar a inrevesad^ lettra do códi-
ce dos GríUos, que entre palavras safadas» linhas
inteuras illegiveis, folhas rotas, e outras di£Qcol-
dades similbantes, me deu mais que faiser do que
um verdadeiro palimpsestes.
«Nãò tive tf este intervallo, ô verdade, qtie não
tive quem me fizesse uma segmida parte suforepti-
cia,^ e calumfiiosa» eomo âseram ao pobre Miguel
Cervantes, que o obrigou a dar tantas satisfações,
e a torcer até o rumo da> soa historia.
«Mas críticos e ceusorts n3o me fs^taram, pra*
gas e praguentos me vieram de toda a parte; e
213
cbegaram a accasar-niB de Quixotisimo, e que so<*
Dhei gigantes, em moinhos de vento, para ter com
qaem biígar, e degolei exércitos d^innocentes cor-
áeiro&, cõino se foram a pugnaz moarisma abei-
rei Almançor, o d^^arrêgaçado braço.
«E tudo isto porque, leitor amigo? Porque
ameacei com a ponta do azurrague d'elrei D. Pe*
dro, as pretensões absurdas, e anti-evangelicas
de certos agiotas do catholicismo, que abusaram
da boa4è da presente geração, e pretenderam
grangear em proTéito seu, e de suas pessoas o es*^
pirito mais religioso da época.
«Ha dnoo annos chamaram-me vesionario. Que
dizem hoje isentares censores ? Vejam a Inglater-
ra, onde^? i sombra do Puseismo e d' outras for-
mas da t]*ansiçSo <e transacção, o catholicismo en-
trava já nas mais fortes cidaddlas da fé luthara-
aa, Tdjam oomo por lá se tem abusado, e como
o governo se começa a arrepender da súa tole-
rância;!
£ o pobta ainda não pára aqui; continua a de^
safiarsem medo os seus emulos.
«Vejam em fim na nossapequena e pobre ter-
ra, a ignorância, a crápula, a simonia, o si^vills-
mo politico a âúadar deshonrando a estola e a ml*
214
tra, entregando-as ao desprezo e ao odío peda-
lar.»
Quem arremelte assim com umà cohortede
crilícos como tinha Garrett por occasião de pu-
blicar este livro, revela mui vantajosamente, que
em parte nenhuma os teme. Bffectivámeíiten3oos
temia, porque lhes soube tomar as forças com tSo
bello resultado, que todos se cailaram quando el-
le arremessou ao mundo litterario aquelle raio,
que logo os fulminou em terra. Só assim vergo-
nhosamente caidos na terra lodacenta, é que co-
nheceram, e se arrependeram de ter commettido
tal desacato. Garrett ficou sempre victorioso, e o
livro vendeu- se em pouco tempo, e imprimiu-se
de novo para accudir ás exigências dò povo que
o pedia cheio d'enthusiasmo a toda a hora.
Em Setembro de 1844 escreveu uma carta da-
ctada da Boa-Viagem, resposta ao opúsculo que
lhe dirigiram dois sócios do Conservatório, assi*
gnado por N. N. Esta erudita carta do poeta, foi
impressa no mesmo opúsculo, que tracta da
origem da linguà portugueza. Pouco depois es-
creveu em Cachias a engraçada comedia em tim
^to, Noimdo no Dafundo, e outra em dois actos
intitulada Prophecias (to Bandarra. N'esta occa-
sião publicou-s« também úm folheto dò poeta.
SIS
€00tenda um pequeno romance^iidio aoUgo, intír
iulado Myragia...'i Eleito deputado este anuo»
bem como no antecedeitfe, por Lisboa^ d*eQvolta
€om os seus empregos públicos e occupações poe-
tico-tilterarias, empreÈtôDdeu um trabalho com
tantos espinhos que nenhum homem do seu tem-
po» como litterato ousaria tentar! Tal era a qua-
lidade 4o assumpto! Os talentos que conheciam
a robustez do poeta, e sentiam que podiam fazer
alguma coisa que não fosse muito vulgar, é
lidavam na mesma arena, aconselharam-n'o a que
n3o éívulgasse a ideia concebida, da árdua tare*
fa a que se propunha, porque lhe seria altamente
dMfieil complectaI*a com a solicitude e perfeição
de que era credora a sua penna, que jamais ya-
eiitava entre as mais medonhas situações, mas cor-
^ r^a sempre ligeira sobre vastissimas resmas de pa-
pel. O poeta escutou esses conselhos dos melho-
res publicistas d'ent3o, com aquella serenidade e
crença, que affectava quando via que duvidavam
da sua vigorosa força piorai e de vontade, e no
nijesmo instante foi visitar os numerosos cabedaes
que já possuia para erigir o colossal monumento
litterario que promettia obumbrar a gloria dos
seus- pecos satellites ! T9o espinhoso era o assum-
pto, e tão largos os barrocaes que o poeta havia
216
de galgar» para cbogar ieimídíobai solitária que
guardava o epilogo . de lao exceiieote emprébec^
àmwHOil.,i JBsta alta eioprôsa era, a feitora da
likagestoso livro das Viagens tmmnha Terra, cu-
jos raios d'iDteiUiige&cia baiteram de chapa nos
0IÍ1Q& dos invejosos oensorea» fazendo-os r^bro-
cQder w mnmtxQi . que mediam pam caltimniar
novacQ^e o poeta. N'e$ta arriscadi^ssima joroar
da» tioba: o abajiií^ado escriptorde levantar dO im-
mqodo charco do e$quecimdnlo> onde haviam pas*
$ado as maiores resoluções politicaa, deade Lia*
boa até: á terra qiie> gviarda as ossadas édU.
FeroandOr os corruptos pergamiobos que ali ja«
âiam. de. tantos seculds» que revelavam 03 mais
e£KqQisitos. e variados. acontecimentos» occonfidos
desde o .tugúrio miserav^el do.meudigo» atô aos
palaciiiDshraâQQados^.f azoada parte d^ea^a eoUee-
ção.^curiosa, as cbronicasoionastícas. Juoctos.^*
ses velhos despojos da^ passadas coustituições ao*
ciaes, eoãot appareceudo a chave para eocenrar
e^ga soberba litteratura, tinha o denodado invés*
tigador^ de rapar .as grossas camadas deímu^o
das pedras d'antigos monumentos,, e das esqu^eci*
daa nqinas de extínctos estabelecimentos mligio*
SOS e profanos; aventar as cinzas, dos gij^reicôs
que ali haviam perecido, o desccArir os rastos de
ÍÍ7
oossas passadas grafulez^s, e as cbronioas escriíF
tas eom o sasguô de nossos honrados visavóos,,
e lagrimas do orpbios e viuvas desamparadas.
Deâfirados, os qvasi apagados lettreíros» mm^
dados abrir oufora para ecterna memoria do que
foram o& Lusos oas eras do enteoebrecimeQto:—
entenebreoimento repito, porque ainda se não ti-
nham inventado os gazometros, e aliumiava-^se a
sociedade com o clarão dos £achos guerreiros, e
com o bálsamo da oUveira,^ — atado esse feixoj
monstruoso que d6:via fazer gemer a maobina
d*uma locomotiva, tinha ainda Garrett de lhe ,apa««
rasos rebentões gerados pela sua indignação»
mas considerapdo que desfeiaria o pedestal, não
teve animo para lhe .cortar as pennas que o or*
na vam, porque sem ellas, que eram represento*
tes da verdade,; erguendo o voo, estava sugeito a
descer da sua primeira altura comosO balão que
desprotegido peta válvula de segurança, desce,
desce, até descançar na i&rra, ou em alguma eih
seada algosa ou doce. Assim o entendeu Àlmei*
da Garrett, e, em logar de moderar, alterou, avi*
vou a pôr. das paginas que escrevera contemplaoh
do as antiguidades e modernezas da Extremadu**
ra, e obrigou até em muitas passagens a imufia
romântica a galgar Yúra da senda que sempre trí^
218
Ihara» e vergar o bordão áe viajante, para pe-
netrar no seio d'essa sociedade moderna, victima
da inércia dos governos, que tapam os ouvidos
quando ouvem gritar por instrucçao publica i
Mirando convenientemente toda essa miséria,
ignorância e fanatismo, n3o pôde conservar-se abi
mais tempo, e deu por concluida a sua colheita
d'dpqntamentos. Voltando com a imaginação á ca*
pitai, e, completando estas sublimes viagens, pu-
blicou-as em pequenos fragmentos no Jornal Re-
vista Universal Lisbonense em 4845, e corrígin-
do-as depois ainda mais^ mandou-as imprimir em
dois tomos, no anno seguinte, que começaram lo-
go a ser pedidos com espantosa influencia. É que
o livro das viagens não tinha rival na nossa litte-
ráura ! E ainda hoje não o tem apesar de se te-
rem escripto milhares de volumes I As Viagens
na minha Terra são para mim meia litteratura :
isto, para não repetir a litteratura inteira que um
escriptor nosso, disse ser Almeida Garrett e com
bastante razão ! Que bellas recordações de via-
gem ^ Como é maravilhosa a fleugma com que o
poeta se apresenta em pé, sobre o ronceiro bar-
co d'Ilbavos, singrando Tejo acima, para se trans-
porta* á terra da principal acção da sua* comedia,
drama, ou o que quer que seja esse chefe d'obral
210
Com que gestos elle contempla do mar largo t
baixa Lisboa, que se lhe fica apôzt Gomo é en-
graçada a posição que elle toma para escutar as
rançosas altercações dos toureiros de paminlho e
forcado, com os homens que retalham com uma
xascá de noz, quasí successivamente o rosto vi-
ctreo de' Neptuno, quer em calmaria podre, quer
etii agitado foribundal Gomo é sublime aquella
disdrrpção do restauram cartacbense, e como o
auctor arregala os olhos, e estende o pescoço por
cima dos arvoredos para descobrir o pinhal de
Azambuja, esse mattagal medonho, cuja tradição
tem feito desmaiar mais espiritos nervosos do
que as pedras-homens do Deucaliãoll Que poe*
tica admiração se lhe apodera do animo, quando
estaca pasmado ante esse bosque apregoado é te-
mido como a Falperra tradiccional I ! A faltar a
verdade, tinha sobeja razão para obrar assim,
porque quando se toca em ladroeira, n'esta nos-
sa terra de Portugal, é muito raro não se excla-
mar logo :
— «É um verdadeiro pinhal d'Azambujat 9 Como
são desvairados, os olhares que assesta sobre
esse frondoso covil de malfeitores e ladrões,
emquanto se não ouviu ali a voz do progresso, — i
sõ a voz, por que do progresso nem as sombras
220
^Qâft lá «pparaceraai**-^ o silvo agud^ doesse re-
lâmpago ferreo» qoe corta . serras e montes ^Hre
áqoem Tejo^ eáqueia Doiirol £ as palavras eom
que copdemQa e maldiz quem o trouxe esgafiado
ató ali: '
-rxtK$te é.qpe é- o pinhal tfA^ambiÊiía?' N3(>
pód(d m'... Esta, aqueUa aotiga sei va^ temida qua-
si retigiosamente como um* bosque droidico. E ea
que em pequeno :nuoca ouvia contar bistorias de
Pedro Mallas^artes, que logo em imaginaçSo iSo
Ibe po^esse a seena aqui perto. Eu que esperava
topar a eada passo com a cova do capitão Raí*
d3o eila dama Leonardal... Obl que ainda mt
faUava perder mais esta ilIusSo)..:
«Por quantas maldições. e infernos que adornam
o ^tyflo d'am verdadeiro «scriptor romaotioOi di-
gam^inei» mie estão os arvoredos focados, os
sHios medonhos d'esta expe^sura? Pois isto òpQ$^
stvel, pois o pinhal d'Âzambuja é isto? £u que os
trazia promptos e recortados para os colocar aqui,
todos os amáveis salteadores de SchiUer e os ele<-
gantes fascinorosos Auberg-des-adreíSj eu beide
perder os meus chefes d'obra I
«Que é perdel-os isto, — não ler onde os
pôr,
«Sim leitor benévolo^ e por esta occasião te
22i
vou explicar «como nós boje em dia, fazemos a
nQSsalitteratura.»
£ aqui o poeta*romaDcista depois d^ ensinar
ao leitor o systema de vollar do inverso as obra^
estrangeiras, e dar-lhes uma demão de verniz na-
cional para lhe sellar no rosto o cunho ariginaly
apresenta uma receita para fabricar todo o géne-
ro de litteratura com todo m sal y pimienta como
diz o castelhano, que não ha excedel-o em tal
género.
Termino por aqui a apreciação das elegante^
viagens» contentando-me em transcrever as pou-
cas linbas que deixo acima, porque para notar tu-
do que ha de sublime e maravilhoso n'ellas, era
necessário copiar os dois livros, porque devo con-
fessar que não tenho vocábulos para dizer o que
ellas merecem, e mesmo eu não pretendo publi-
car mais do que a biographia politico-litteraria do
grande vulto da nossa terra, ainda que aleijada e
breve. Esta obra conta hoje quatro edições, e a
ultima acha-se quasi exgotada.
ccDisseoçto 6Dtre os meus semeou funestas t
«Cos mais fieis dos meus, fui embuscar-me
ttDetraz d'esse escarpado negro monte,
«Onde Tiste o fanal, que era a atalaia 1...
(Gabrett.— jD. Branca)
XIII
N'est6 anno de 1846» escreveu o poeta uma
pequena introducção a um sermão que se pregou
á Seuhora da Bonança por ocçasiao da sagraçao
da capella dos srs. marquezes de Yianna. e pu-
blicou n'um jorual litterario, que havia então na
capital, sob o titulo d^Itimtração^ alguns artigos,
entre os quaes prevalescem, o Inskz, o Castello
de Dudley, os Figueiredos, e o seu bello romance-
poetico antigo, Beimal Françez traduzido nalin-
234
gua de Lope de Vega, que está encorporado n'am
volume do Romanceiro, nas soas obras complectas.
Em 1845-46, fora o poeta eleito deputado peia
provincía do Alemtejo. Durante essas gravíssimas
luctas militares e particulares de 46-47, que le-
varam a dõrao seio dos povos, e fizeram perecer
á fome tantos cidadãos honrados, emquanto
centenares de homens ambiciosos e déspotas en-
gordavam á custa de suores, lagrimas e fadigas
dos pobres, e sorriam hypocritamente ante os
horrores da miséria ao mesmo tempo que enchiam
os cofres sepultados nos escuros subterrâneos,
mostrou o fiosso Garrett mais uma vez quanto
amor tributava á Soberana e á causa da liberda-
de que perigava entre tamanhas calamidades,
envolta em tanto sangue que corria em quasi to-
dos os ponctos do reino ; e tao abundante e de-
negrido entre cadáveres amassados e craneos des-
pedaçados pelas cdvallarias em Torres Vedras e
Alto do Ytio ; jâ com vehemehtes discursos em
varias associações como na do Sacramento e ou-
tras da mesma índole, já redigindo sabiamente
algumas prodamações a favor da rainha e contra
os inimigos do rei«D,' para infundir mais amor
pela liberdade a seus antigos apóstolos, -que eram
aliciados por aquelles que erguiam* gritos de mor-
• - '■-V'-"TaB
*— <■
gitDA k<»aôps. da. . teoraoio Jii|i»í<aiQd»L irestãY^ a
Poitogal^rpiara ãfQ&;:j&ii/iâ «eflootiai^ dismosSes
que âeix^k)mtm ttntaâ fmaiUjais oajsxlarfiiita j^obc&r
za^ ^/ tovikvam a ociíAaDâft^ a tanlfift áúbos e
paaa* ;S€a« s^^. awstrar jpaa ipca^as eovolvad^ naa
l^í^s, trabaiboA mm. o» Àob^ipoeta». da ^a
muitoí» ivíu» r^acaiíantm muíttt. anuas finas coia^
bate de in^e^^eom :aA: balas ^costearias. : i
Trabalb^oâ» t3o «aaaíâuameiíte assim no gabin
QGtQs d '»as<^ ftssMiasâw, xoioa. ^btre a banea da
piibU$á$!ta« aJ^aíQiQw a^ ràategracio . do isai^ d»
chr<)íai»te-mór do Aeiaor d\oada l&6t idemiltidtt
em i& 4« iJu&ír da Idil^^pelaa idoIívos (pa 1»
tive 0eíeasão:# ^tar« Em 27 de Maio ^i&kQ^,
foi Garrett nomeado vogal da cornem^ f^l^àon
rai ^nammà^i de <aiâiesQatar «si iotalmeçoes par-
ci2^ pam a,.«a»arajlQ$ deputados qoef devia
substituir. ;a qiie fora di^olviiac em; oensetpi^nfisa
dos prâeípi^ f e^v^Mi^MiOs qii^ai»^cantai:aHi
a pais, e (brigaram oâ g9ViRiiafiteS;a pedir ach
xiUo. ás tnss ^mífie^. aUiadas,. JieaB»ba, Fraaca. 6
Ii^atenra^ ' Gooeloida r esta «muaisãíão díe qiiâ a
poeta era iiea^rd, comareoq^oiiÂdMle qoe^^i^
semffre eçi sJtuaçpe» metindrQ^^,>e: aj)^a de sim^
pies respousabitidade^ recebeu. no me^ sagiúf^^
ALJtfEIDA GARRETT ^ * 16 *
^SêêÍ^-^
a. ncrnsi^ dettembro da commissSa extraordiná-
ria de Eazeoda. Duraate o& primeiros mezes de^re-
volta qoB Portugal soffreu com desesperado» dei*
xon o ^aympathieo auctor das YiageHs^ adorme-
cer Bovamente as suas prosas e os seus >'ersos
que tiiàa eome^ado em epoebas mais tranquiU^,
m^s sereuabdo-lbe, em éonseiiaeiíeia da sua pou-
ea^saude^ as pesadas occiH)d!|^s que settipre Ibe
absorviam o t^npo bos ultmôs mezes da revo-
hK^o sendo soeio lumorttio da Academit Por-
tdeòse de Belias-artes, e da Academia Philomati-
ca do Rio de Janeiro» começou a coUeèeionar e
a refimdir o&^ sem Bomanm CavMereBcútypehs
quaes suspiravam os^pretos, e aiiMla mais os ami-
gos das lettrasr qae liam com desmedido totor as
suas prodttc^^.
Estes bellos lavores, fiibos de proluBifissimas
meditações e estudos, foram entr^ue^aos esto-
res pelos fins de 1850, isto é, o segunda volu-
me, que contem quinze ou desess«ís rcmances,
todos ou quasi todos precedidos de^ explicais
ao texto^ e sei^idos de notas iUnstradas para a
verdadeira intelligencia dos leitores. O primeiro
v(dume do magnifico romanceiro sair» em 1843,
comprebendendo a Adozinda e outras peças de
grande merecimento. Pouco' depois de se impri-
227
uàt o. segundo volime» appareeen a terceira cGfn«
tendo vinte e taqtas peças cheias, de graça e pbi-
losopbia.. 'Pareee^ine que^ Âlmmda Garrett tinha
escripto, ou principiado a debuxar, o quarto vo-
lume doesta obra com a designação de Lendasí e
Propkeeias^ mas nSo consta que chegasse a con-
cloíki, ou que haja algum rascunho em pod^
dos seus herdeiro»* £m 1847, — supponho que
no fim — acabou de compor a sua linda comedia
em três actos;* A Sobrinha do Marquez, cuja oc-
ç3o se passa na ^oca do grande SdiastiSo José
de Carvalho e' MeUo^ marquez de Pombal.
Está peça c(mieçárft-a o poeta em 1838, e só
nove annos depois a concluiu, a pedido d'algu-
mas pessoas a quem o assumpto interessava.
D'esta comedia, poucas ou nenhumas-reminiscen*
cias me restam, epor isso vaibo^me d'um arti-
go que tenho presente, acerca d'elia^ incerto no
segundo numero do jomat a EfGca.
Diz o artigo: s'
«Cada p^sonagem etprim&uma s^ie de factos
políticos ou sociaes^ e repre^nta uma classe in-
teira. : . . '
«O padre Ignacio é a companhia de Jesus, não
como a deducção ohronologica (Attribuida a José
de Seabra) a descreve, mas' c(Ano o marquez de
2S8
»
PomM sabia qae dia erai « ^ aio ^queria ter
noSstaâo,»
«D. 'LUfz rdtrMa o orgalbo Monaurel ^da flor
da aiii6to{9racia, 4iue 'I]ioito> qoacírt^, rpara fiidvar
Mtea a pureisa (te sua oaste, e {cefefio os ic»*
tos e o oeppo jdo âigfoz, á bumiliiaçao â« «steiv
ier a 'flAo de parente ao iplabea nobilitado. O
rei pode dar ^s ^tMos» poreni, Dras, só Deos
ftiK a nobresa.
«Estas ávm ^ygand^s**^ a religiosa e ia no*
bilitaFia~est8o ^aHiadas^ e sVo aonifas iem aome
da perseguiçSo ^msMiin i^e as* ala*aça.
' 40 jesiHta esli pitompte ia >ecder de «pdcK, 3&e«*
nos da Gomponbia^oiMiiiO 'cotdlo sobre aicabeça e
Gom os sQspireB 'de seu paefurezo e «Boríbmido
no« ouvidos, íbosila aiBkda te iret^onde, qn&ttoão
moDOB <a ihoara, lhe pode confiscar fiAastião José
de Carvalho.
<rMaDnel Sioí&ss ^inta atelaBse media emiodaa
verdade do typo. Pela edacaçio pertence ao pas-
sado ; --erd tia (Xffiqpadna de Jesus, tasliflia a
sorte 40s fididgos}iisi|çados; e ibivida nxmrigo
mesmo se aquella revoluf^o, que lhe custini a
cabâga, « fes rico e Tespeiiado a dite, foi :ama
enieldade arUtraria m um acto luecessarío. Pialo
seu inAifieto deidasse^iestma/admica oiBargaez,
»... .',.' ■~Tr»H.-.^L...*.. ■LJ.m^^.
tsradila! qfm eite; tnabalbim mtiíta pela B9^a; 6
vSb está rtài aoa raiSto âf|)otd!« âeisar de tremei^ da
sesi mnoei. A: tíat Alooúia^/daf faioilia^ popular âas
boa» toibai^ CMn que sei enearapoi; m%$9s paas>f9
9iQ a^paofti Aos néS) aifidâ) cliegon a> al^nea^ ,, nua?
ea sedtadbu Bsti âeseobaáa eoBUí a maícir esac^
ttdao(, e dá aOf;giiaíBÍr(^ a h^m de^ eQStj2iiâ& era
i^erofiiMlbtiiQa! fOA devia tetiâ
«Sn fioir D« MariafiDi^ dô Mello è nmai dcmill
91» d& aras ib (saraoter do jâmtpiez, e aa- esecK
la d'elte apteadiea a soffocaQ q eojMffgOi. para. 0137
víe sdt o àmv^, fisla^ vQoa^o a^^aiitev^,, la^^men^
tei wQmc9^ e> â^uoifr elôvai6^< trevosa, se^ve de
Im.ài pas» ({lie eoeiíTa o> rnuUia p^dSo-da ae^
breza offeodidi;, e^ dcrnMHrinieiz deicaíâoi»
«OiiJUtniAo/apmeita a ocoasiSo para abusar
dairaijia da; sna.casa}-^ vè^< prootrado e eâtendiar
Ifae aij&ão para ^ ImeitúM.
«£^ o>;ideal io eaiaibeíim portii^W»^ «Ut toda^ a
siablíimdaíde d'alma^ Emi (paoto 0' marcpieiz^erfa
senhor, duvidou acceitar-lhe em casamento; sqA
solH^a^ «0m a Hbandade^ â'Ui0 pa^o, e a restitui-
^' dai todefi oa bens) em. dote., Qvaqdof o^ astoo
aaei< nooeaso', & as r^rexalidâ vãoedsteçarié^eir
le propfftd. que proço^o: pacto>. e» eoanimwHii
«fituboi^ãr' (Mcasserpir m«ilo„.0' amor Aa enoch
230'
leúcia da acciSo, á sentithedtoqué venceu éÍDuai^
honroso, o mais puro que ha nainida: (> már*
quez^ na hora em que as illus&es se perdein; sol-
ta uma verdade, em que está toda a critica do
seu reinado: — «Âht D. Lui^ i eu nlò' soube, tão
soube fazer, nem amigos, nem inimi^sl» — E
foi assim. Para firmar o poder teal banhou á co-
roa no sangue da nobreza. Para procIamM* a sua
preponderância, derrubou a potêfacia moràA dà
companhia. Quebrou o braço a qâe se encosta-»
va a monarchia, feriu a cabeça pdr onde eflá via
e pensava desde séculos, edeu-Ibepor apoio es*^
sabaze movediça incerta e desconfiada-^ o egòis-
líio burguez, — que por estreita mao chepva pa-
ra assentarem um throno em cima.
cSem querer e sem o suppôír, Seba^So José
de Carvalho, ein nome do poder absoluto, foi o
percursor da revolução politica. O que fiiudára
para a monarchia, quasi tudo viveu menos dd
que elle; — assistiu de pè ás exéquias do seu ioh
^erio.
«Do que estabeleceu para a burguezia, nada
sé perdeu, tudo se tomou robusto, e com ò tem-
po ' a potencia achoú^se sem forças de dar bata-
lha e de vencer... aquelle poder absoluto que o
marquez julgava* fazer et^iio, amassando^ihe os
231
alicerces com o saogoe do.doqae d' Aveiro, e do
padre Maiagrida.
cO primeiro acto, a exposiçfodaSoòriiito do
Marquez» ó um modelo* Aates de appareoer, o
espectador reconhece já amanqpiez.de Pombal
peia: bocca de Manael Simões: ,<) padre Ig^açio
também já traçoa o retrato da eoqipstnfaia) e re-^
velou o segredo d'essa JfifloeDeia tanílde e po*
derosa^ jqae ao mesmo tempo* arrastava a socie-
dade: pe)a. persuasão, e a dominava peta 4>b(fi6iiW
cia. D, Um^r^L tia Momear Mamiel Sin^Sy D.
MariaDDa e os dois caixeiros, cada qual em seu
lugar, estão desenhados com o maior vigor, fal-
iam como se esperava qae Massem de si e dos
outros, e eiplicam-se mutuamente e ás circums-
tancias que os rodéam*
cOs dois actos s^uintes, a nosso ver são infe-
riores, e ressentem-se da tyrannia que o auctor
se impoz a si próprio, querendo encerrar em tão
curto espaço, typos e acontecimentos taes.
«Como estudo pbilosophico da época, a Sobri-
nha do Marquez é perfeita; como desenho histó-
rico, exactíssima; como comedia e forma d'arte,
a exposição parece-nos inijnitavel: o estyllo real-
232
fd eom a graça 'iiatnral qae é segredo da musa
familiar do auctor, e muitas sceoas âfa^d^mua
eon«eo3<» a verdade bii)hanlissimas«> ^-*^ O aactor
do. >aciigD. ((»fidite)io<^Q:j«iizo critico com estas
pala^vras satisfatorias : «A^ Sobri$èka do Marfuez,
se Qãii é das primeiFas,ié da certo daa' boas
obras da soa fwma.»
Eu» iior.jniriíai parte aada poéso diaw s(d)fe is-
to, mas para se toouar dootaecimeâto ecm os par-
tos iitteranos do Garrett^ basta le^8è.a pripsi^a
obra, decHdiiecertea a> seuibrithiante engenbo^»]^
ra se sièer o qoe vaiem as QMDSw
« r
• i
( •
) . ■ ,
. >
. ^ » .
« •
«Saiiáadél |«sto «iiliigo^di inftficflii
«O viço de meus annos se ha maitttado
«Ra» Mga», ao wtiae 6ev»4é MM» ^
(Gaim^bti.— •Camdfi^.J
xív
Em 1848, estando o nosao eatífaado dramar
largo a^fiima eoUa adoentado, mas com o espi-
rito socegado e trtnquUlo, pode escrever e dar á
ioQirensa mais uma obra de grande mento, e
châa d'nm sentimento tão (urofondo que nos ái%
sttffleientemente<|adiito YaciUaTa e tremia o pulso
què a traçava, e o doloroso tiHÍ)i{h3a de pensa^
meâtos tristes qne babKava^o c^r^ro que a con-
cebia.
234
E o poeta tinha rasão sobeja para soffirer» cho-
rar e tremer, ante o papel que recebia as soas
ideias, n^essa occasião de pungentes recordações!
Recordações dos tempos, em que não lhe era con-
cedido abrir os olhos ao despontar do dia, e fí-
ctal-os nos horisontes da sua pátria, nem ver
o rosto da lua que a allumiava durante o correr
da noite; as recordações do desterro, sob o ne-
voeiro que povoa quasi sempre a atmospbera d'Al-
bion.
Este trabalho foi a Mmma Histórica da Ex.°^
Sr.^ Duqueza de Pahnella, D. Eugenia Francisca
Xavier Telles da Gama, de quem o poeta rece-
bera immenssissimas provas de consideração e
sympathia^ em muitos soccorros que necessitara
desterrado em Inglaterra, quando esta nobre se-
nhora ali residia com seu esposo durante o go-
verno do usurpador.
Este perfeitíssimo trabalho honra tanto a il-.
lustre finada, ea sua prole, como o grato protegi-
do que ^Oube revelar e engrandecer as suas san-
ctas virtudes e apreciáveis costumes. Que sau-
dade pela carinhosa protectora dos infelizes des-
terraitos 1 Que subbme gratidão, e que angustia
pela sua dolorosa faltai Que reminiscência dos
grandes actos, e das grandezas d'alma da carido-
235
sa protectora dos p(d>res, c qoe elop>.aqa^d
mSo profQsa, que tantas vezes, vira levar o coo-
forto e a alegria aos qae provavam o sofrioien*
to voraz da fome ! Este folheto ó acompaidiadoj
do retrato da protectora do poeta» e não foi ex-
posto á venda mas foi impresso Qltimameote no
já citado volume dos Discursos. Em 1849 escre*
veu Joio Baptista e imprimiu outra memoria áeerr'
ca da vida e trabalhos d*Qm dos homens mais
notavpis do seu tempo, — José Xavier JMonsinho
da Silveira. São também umas bell^ paginas pa-
ra, a historia dos varões mais illustres do século
em que vivemos. Goncluidos estes trabalhos e con-
tinuando outros em que tinha dado os primeiros^
riscos, teve de os interromper paira tractar de^
promover a subscripção, para levantar o monu-
mento do imperador D. Pedro l\, o bravo sol-,
dado da liberdade, que pelejara com elle, e com
elle desembarcara nas longas praias do Mindello,
sobre as cançadas tropas miguelistas, — em cuja
commissSo fora incluido em 13 de Dezembro de
1850. Por este tempo era Garrett, membro ho^
norario da sociedade Ârcheologica Lusitana, on^
de o respeitavam como mestre, e era querido ex^
tremameute pelos sócios d'aquelle'estaJ[)elecimeih
ta tendente a avivar as antiguidades monumen-
23S
tatts ]& bastante epcurecádas pela nuvem, das tmr
poB». e^ oom a fttmto yendada |Mr vm manto* di^
masjgo éi^eeso. Eram bons tempos ainda aqoel-^
tesy ^m que osí homens detaletoto se emprâgavadu
em. misteres que eram: proíveitost» aO) berçir que
081 tiúha embajade. Hoje... onde se eacoâdearaoi
os bomens d'iik&lligenciaextiremada«A^ filhos dais
Bmsas sobedDas academias ? Onde fiofraos. ame^
messados os continuadores da estrada de Gamõesv
Vieira Bocage e Garrett?.
£m qne fogo caio^ ou em que. m⣠se afauden
essQ) poseaote macbina. do pensamenliO' bomano'»
que transportava es grandes bâmenSi dos^oampos
da me^a poesia» aos da prosa correeta e admi*
rarel qitô era: habitual em D. João de Lucmas^.e
Fernão Mendes? Que., mald^o gdpe Sakmimn
m miãTiosos^ poetas^ e os pensadores prefondos?!
A morte,?... E onde estaoboje os que.os itol^
ram representando ?.. * Onde se . enroLvem agota ?
Kas salas, rendendo finezai? ás míuUierea^ eins*-
ererende mais desgraçadas nos annaes ósí proatir
tuíção ? Mb reuoiões elandestinas» baraieandb^ea^
se naida qoe nos resta dai desgraçada palria? Kos
eafès e bilhares diseotindo acercai dd que jog^
melhor as: carambolas f Naturabnenke.*. sSoi as
oooiqNiçSes fárorit^, da maior, parte doshm&eos
que Bensam, e isabem pút nm estudo poifôiiveL
00 impossWei, vp» deis e mats âois» faz imuiío
òettmíeftíe quatro l...
Algufts que possuimos aioâa ^do tempo de Ga*
rett. te (»jas ideias aioda qIo isoffi^ram o deote
do léaroadio maligno, esses, recolberam^de aos
^eíos idas scraves aSairilidades familiares; e idieixa*
riam jde grilar iá turbas qms os apedrejaram, mon^
do^pela Ifraqaèsa e íaGtmdade do espiíitot— adiante.
Em B de Março de lâffli, saiu um decreto mt
<fae se iiomeanra Garrett, plenipotiendario para JQr*
inare conobiír a coDvencSo Utterarid entre íortur
igal >e a Bepiail^a Franoen^toom o pIenípDt^cia«-
lio td'aqnelle Estado Mr. Barrot» o que coBseguio
ie^r ja -ef^to em lií id'Abrii do;mesmo anno. No
jim il'fista ^Kunmis&ão/ foi <snrrett declarado
jaaiinstpo plenifKttenctario em «ifHspombilidade, e
â^' vencimento d'oFdeaaão> em consequência d^
o venoar^por outros cargos de que estava i les-
la. 'Em (3 de Jnnbd fbi râda Bomeiado pienipo-
lendário é% S. Magestade Fidellissima para tra^
ctar {novamente das adiantadas negociações com
a Ssmcta Sá« começadas em Mai^o de 1^2, en^
Ire Portugal e o Arcebispo de Berito» Intemundo
de S. Sanctidade.
Bm^S de iuriío d'6ste iiúesmo anaô de 16Si ,
SSB
Sua Mdgestaíãe, attendendo aos muitos e vãdiosos
serviços prestados por este nobró e leal porta-
guez, como soldado no campo da honra, zka ie-
giâlatCkra, no ministério, no sen consdlio, na di-
plomacia, e em outros lagares distinctos, sempre
pela Sitd< Real Causa, houve por bem conferúr-Ihe
o titulo de Visconde d'Âlmeida Garrett, por tem-
po de duas vidas. O soldado da liberdade, via
alfim o seu nome escripto nas paginas douradas,
dos nobres vassallos d'uma rainha que sabia pre-
miar condignamente os homens que por seu vas-
to talento a haviam livrado das ameaças quesof-
frèra durante o seu reinado. Lembra-me; agora
o dicto d'um litterato respeitável^ por occasiao de
sair visconde o nosso sympathico poeta-^-^iá des-
honraram hoje um níeu amigoli — Aqui é que
eu nada posso resolver; se o desbonraram ouètlo,
mas 6 certo no entanto^ que muitas vezes se dio
honras dèshoilrando. Não busco penetrar agora
no pensam^to secreto do homem qud proferiu
estas palavras, mas lémbra-me da varias coisas
que Garrett disse dos titulares, 6ntSo na minha
opinião, sustento que devia pedir outra coisa em
lugar do titulo, e continuar a seguir as méèmas
ideas n'esse ponto.
Três dias depois foi ò poeta nomeado meiõbro
330
' i- r ■««
é^umâ commrssSoique/se.foniiou.em Lisboa^ pa-
ra reorgaoísar alguns raoios de serviço pubUco
qoeba viam. catão no inteiro esgaecímeato, em
conseqoeoeia das gravíssimas accapações. que
absorviam todos os distantes aos homens <|ae os
regiam, ^ . * .
N'^te mesmo dia 28 de Jonho, foi encarre^
gado de redigir os estatutos da A^cademia Real
das Seientíias.. '■■'-■■
Em^â3 de Setemlipro foi i nomeado, vogal efe-
ctivo do G&Dselho Ultramarino, e em 29 do
mesmo meze anno^ saciado ccmi o d^made
Grande pfQcial daLegiSo de j Honra de França.
N'esta época era elle deputado pela provincia da
Beira. .
Entrava o anno deJ8S2> e o poeta-orador
sempre dedicado e apaixonado peto>])om, andai-
mento dos negócios do paize felicidade de seus
inâãos, e tributsmda pura e inquebrantável ami-
sade á Real Família» alcançou em AS de Janeiro
a carta regia que o nomeava Par do Reino.
Nos princípios de> Março do ^mesma anno ap-
pareceu um decreto que o fazia Ministro e Se-
cretario d'Estado dos Negócios Estrangeiros, cu-
ja graça acceitou, exercendo esse lugar honoriâco
com a prudência que empregara sempre em to-
240
I Wl.WP.„^ _, _ L «Tf l.l ■ ■
(tos o& WM^os ^qne tòmtva. Ifas iófelismaDle* ai
soa adoaiQistraç3o duroa poaoo tempo» porqoe Oftr
de existe a meotira e a {rereraíâade, iiiopo^teon
socegar ^ deoNoieatos nobres e a venlaéab
O Qobre estadista deison o sea iogar em 91Í
de Âgòsto do mesmo anDO, parece-me que por
intrigas dos mais govecnantes >gQe pratk»yam
kKiearas, tio làesmo gabiíiete. Digo parecMneii)
porque poucos ou nenhuns documentos possuo
para ossat^erar ;*-^*por isso i|Baiid»ianâ»ntritPjaEais
sfinplos esolarecinentos sobre a busl saída do ga-*
binete q(ie dirige, direi nms alguma coisa sobre
esta interessaote transie^:da vida pubikado
poeta.
Em 27 de Março do mesmo anno, foi Gan^tt
agraciado eom o dipUmia de Gnen-Cniz da Or-
dem do Brasil, e «m li de Abril recebeu a coa"
decora^^o de primeira idasse do Nkbaoi Iftiar da
Turquia* Deootrrido poooo mais de dois mesm,
foi-lhe dado diploma ide 6ran*Cfoz de Leopoldo
da Betgica, o em 3 de iniho coocederam-lto o
diploma da O^dem da Bstrelia Pollar da Suécia
(i) Veja-«0 BoSa no fim.
241
,1 %. ■«■.IH*- >'.»■■■< .!■ ■ » ■ " ■ >
e Norwi^. Nomeada BaMe-Bonerario, e Grai>
Crii2jcla Oráem Militar d» Hospilal4e B. Jòâo
de Jerusalém, a-i do segDínté meíz. *
Na urcâra totaçSo doeste aâno, na Academia
Real das^ScieQcias, foi consiâerado soeto «ffecti-
YO^â^aqaelle.esUèelêtíineiito. E acaba aqui atna
das grandes ep^eas de Garrett, e <^meça outra qne
deve ser a derradeira)
Ko dia lô de Março do anuo seguinte, 1Ô53;
foi exonerado de j^etípotenciario para tratMar a
(xmoordata com a Smieta Sé, de cnjos trabalbo^
fora i^earregado pela primíeira vez em TtieMar^
ço de 1843, e crátinuara erii 3 âe Janbo dô
1851, '
Em Maio de 1883 «aia & lièí: da publidtiâde
o seu segundo volutóie èe Tersoe qtie tem por
tittiio, FaJMkiê-^Folhas Gaiáús. Por: e^ta occasi9o*
era o visconde de- Almeida Garrett, presidenta
h<«orario do in^tnto d'Africa estabeiecido ^
Vm^ 6 sócio Ao gabinete poriuguez de ieítttra:
creadOrna cidade de Pei^ambuco. Na mesma épo-
ca espalhava ^(e as ricas imagens do seu im^~
meítôo vocabulário, para um novo livro com que
tencionava provavelmente fechar a sua magniãca
lítteratura, que é sem duvida, uma das partes
mais eloquentes e elegantes que possuo a língua
ALMEIDA GABRETT . 16
242
*m * «
de Frei Luiz de Sousa» e Bernardo de Brito. Era
um novo género e um novo estylo da sua pexma
engenbosai e digna de se ufanar ao tomar sem-
pre o passo aos grandes obreiros do pensamento
a quem se deviam curvar as gerações vindouras.
Os seus amigos da infância, companheiros da
miséria e da abundância» da baixeza e opulên-
cia Utteraria, viam-n'o sempre, quando desliga-
do dos empregos que occupava desde 1820, rodea-
do de livros, debruçado e pensativo sobre as suas
producçoes sublimes, cujos originaes conservava
em seu poder, não nove annos como mandava
o príncipe dos lyricos latinos, mas alguns dias,
para emparas imagens rachiticas, com aquelle es«
crapuloso esmero, que empregava em rever^ os
seus escriptos, antes de os depor nas mãos dos
sábios, dos pbilosopbos, e dos críticos imperti-
nentes, que sempre esbarraram nas investidas
que tentaran^ contra etie. Outras vezes, quando
Q robusto lidador se alevantava da sua cadbeira de
trabalho^ aborrecido de tão grandas lidas, viam-
n'o logo distribuir os seus maduros conselhos
aos mancebos que eram a seu. lado, e solUcital-os
para si, dos homens, a quem os annos haviam enflo-
rado a frente com uma auréola de ícan^». e legado
o máximo conhecimento do coração jbumano com
243
toâas as suas virtaâes, núsçrias, bondadas, vite-
zas» aborrecimentos» alegrias, e paix9es nobres e
despresiveis. E poderia caber orgulho no coração
d'um bomem assim, que nunca ousou di2er que
se conhecia gigante? N2o, porque afai estava a
sociedade para o avaliar; e se acaso assim o
pensava, pensava muito bem, porque não ha me-
lhor juiz, do que esse turbilhão confuso do mun-
do, cujas malhas só deixam passar aquelles que
pela sua pequenhez viveram ignorados, é passa-
ram na immensa caterva dos seus rebanhos, abra-
çados aos altos tacões dos vultos mais extrema-
dos.
Na mesma época— dizia eu-^espalhava elle as
ricas imagens do seu immenso vocabulário para
um novo livro t Sim, escrevia um novo li^To; uma
historia recamada de philosophia, em que nos des-
dobrava diante dos olhos um dos quadros sociaes
que tanto escaceiam na Ctteratura nacional; mas
para desgraça nossa, e das nossas lettras, ficou
essa pintura ainda muito longe do seu termo, por-
que os últimos traços que ali sé apreciam fome-
cem-nos uma favorável ideia de quanto faltava
dizer ao abalisado escriptor, para expor aos olhos
do publico aquelle painel grandioso, que havia de
offnscar a vista e a gloria dos melhores pintores
344
do nosso século. ii?á(|Be(Qe.geoero que, eMe eotia
ereava, já fortemente alqúiâbrado peloa» s^os par
decimentos que o atormBntavmi
Era um liado romance canfeoiporaQeo^ cnjDS^
primeiros capitei, correm com auctorisação da
ancliOr nos < sertões do Brml nõú muit& bmge
da Bahia,, ao soou dos touéos qn& sihitavam nas
copas das paJsEteíras^ dm mvos das feras sertar
n^as, 6 do canlap soix(H*a do rouxinol d' America,
— 0' sabiá.
Que. lioido quadro» e que prim(flPOso estiidot £^
que: maga poe^a pullula n'aque]l2& S0berba&. pa-
ginas ! Que elegância de formas, e que sublimes
pensamentos; Da tudo quanto bei lidto sobra cos-
tumes bi^aziteifos, nada tSD Jteello tenho visto co-
jm estas poucas paginas, que nos laprea^ta Gar-
ratC^ n^este soberbo {H*olog.o d'úmli\ãro; Este firag-
meiito; d'utt romiuâce delicioso, que nos veio di-
:^r quanto seu aQ<to*eraiiii£ãttígavelintitula-se
Melena,
O gr^ide poeta^ mesmo doente eomo esta:vj»
enw)lto .n'uma mortalba de dores atrozes, vigiado
peloB facultativos: espeta dopte elegante,, aiada não
fechava O; numero do& seus livros.
É que: socegado alguns dias aquelie cei^ro
ardente e fecundo^ ccráeçaya a trasbordar de poe^
24S
8ia/6 o possuidor d'^te, tinha de buscar um va* ^
gò onde ÇQt^roasse essas copiosas torrentes que
deviam eni^içar alguns paramos sociaes» onde não
checara m^ o maná refr^erante de seus olhos,
o ecjco da sua grande palavra, e o vibrar d'aquel-
la harpa sonora em que modulou hynmos a
Deus e á pátria, e que então já deixara de dedi-
lhar, ao sentir que a fronte lhe propendia tei-
mosa, para a dura argilla d'onde o mesmo
Deus o havia arrancado. As ultimas pincelladas
gue ^tt no seu bello quadro da Helena, mos-
tra-nos sniSfiienjtemente as grandes lavas d'ima-
ginação que o abrazavam n'aquella occasiâo^ e a
divina inspiração que sentia na alma; mas des-
graç^daiiiente, o poeta abandonou*o n'um poncto
de tanto interesse, que temos quasi a certeza, de
que alguém o foi interromper, e tirar*lhe da mlio
a palheta d'ouro ^çfue empunhava. Este romance
foi interrompido necessariamente nos fins de 1853,
epdca em que Garrett foi chamado á camará 4os
P£H*es pard defenda dos tumultos oraes, essa alu-
vião de religiosas que habitava os numerosos mosi-
teiros que existiam ainda n'esse tempo em Portih
gdi, — com o seu magnifico relatório e projeâbo
de lei, que apresentou nas Camarás em 21 de Ja-
neiro de IS&ii O poeta di^ ali alto ebom sow^ que
246
devem existir esses recolhimentos para refagioi e
abrigo de mulheres desamparadas e infelizes» e
educação de raparigas desprotegidas da fortuna,
e todas aquellas, que, olvidando as turbulentas
paixões e os desregrados prazeres mumlanos,
buscam emfim o descanço do espirito e a morte
dos sentidos, no silencio do claustro, para alcan-
çar a gloria eterna em estreita convivência com
Deúsí
Este relatório é um fecundo ramo da eloquên-
cia do talentoso estadista, para lhe atigmentar a
coroa, já tão elegante e respeitada pelos porlu-
guezes e estrangeiros.
N'esta mesma sessão, apresentou o seu Hco
relatório de bases para a reforma administra-
tiva, que havia tantos annos que era assente so-
bre alicerces tão aleijados e incomprebensiveis,
que não se differençavam os superiores entre os
subordinados, senão pelos lugares em que se as-
sentavam, e pelos ordenados que venciam. Me-
dindo o poeta essas desigualdades com ò metro
recto dos seus puros sentimentos, não pôde con-
ter a impetuosa lava de indignação, que Ibe co-
meçou a est uar no coração, e empregou toda a
sua força moral para lhe fabricar um termo. Does-
ta tempestade colérica, foi que saiu esse projecto
247
que submettea ao exame d'uma commissao, pa-
ra lhe dar o destino mais acertado. Mais aliiviado
n'esse tempo dos seas padecimentos, julgou que
a sombra da morte o desiimparava emOm, mas
eram tão passageiros e inconstantes esses aitivios»
que. pouco tempo gosou essa venturosa felicidade
que havia muito tempo que não experunentava.
Breve... muito breve, sentiu ranger os ossos, en-
tre os horrores d'um soffrimento que promettia
arrastal-o á sepultura 1 Mas aquella grande alma,
aqueile espirito fecundo e inergíco, possuía ani-
mo ainda para supportar por algum tempo as
acerbas agonias que Ibe cerceavam lentamente a
existência. Aqueile génio altivo, fadado para en-
caminhar seus irmãos ao éden da perfeição, onde
se aprende a soffrer com resignação as tempes-
tade da vida, ainda não se curvava ante a pavo-
rosa uuvem que porfiava em annuvear-lhe aquei-
les olhos vivificantes, acabrunar-lhe a fronde
egrégia, e murcbar-lhe aquelles lábios sympathi-
cos, onde a cordura e a bondade jamais se ha-
viam apagado.
Entrava na senda do existir o mez de Fevt^reiro,
e a dôr do poeta, recrudescia com indomável te-
nacidade. A camará dos Pares esperava-o òom
a viva ançiedade^ que o enfadado e ferido joga-
«48
dor d^sgrima» «spera e implora para. ses laào
yai mStevo i^atural de Garnwaílles, para o salvar
do florete eQveQôaaâo'qoe o seu adversaríobe
apoQta ao 3ití o do coração 1 k numerosa cambra^ es-
pera va-o para o ouTir entrar na discussão da nes-»
postado discurso da Goròa, em que s^inpre so dís"*
tioguira- nas camarás anteriores, tanto, quanto
era dado a um talento assim^ e a uina :alma qae
mmea se-dobrára emfirente à)S;gigaotes que o ti*
làm acommeltido, . i
A: oaflftara contava com a protecção da sua pa*>
lavra de vigor transcendental» os dias oorriam.
rápidos^;© a lerai doeaça redobrava J
Que esperanças para o parlamento. ..
Ghegou finalmente o dia 10 de Fevereiro de
1854. O robusto poeta, ergueu-se do seu leito
d'agonias; com o firme propósito de compa^er
onde o chamara mais que a própria vóz do de^
ver» a franca e leal amisade de seiís amigos e ad-
miradores, que vendo-^o tão dobrado- 6 desfaleci-
do, desejavam ouvil-o mais ao menos uma vez»
animado pelo fogo que devia prodbzir tfelle a
grave discusáão, acerca, do dstaldo da administra-
ção publica,
O género da. discussão não. aterrava o gigan-
tesco orador; mas a enfermidade oppor-aè-ia a
849
qm s/^^íQ a seu modo, á palavra qua íDteroe*
m B dominava as asaembteas?: £ra-lho iioposslr
vel sabei-o, inas o poeta cria ainda ãrmementô
n'Aquelle que accende o estro do corarão, ín
com Sua npião divina, grande o que nasceu pe*
queno, e amesquinba á extrema humildade, o qúè
sempre se vangloriou de ser altivo e potente. ' /
N^estâ propósito sentou^se a escrever.
Entnetanto cbegava a seu lado, e abraçava^
com o mais profundo respeito, um dos seus sdab
constmites amigos ;--tiiá vez o melhor que pos*
suiul .
Talvez? Não; — era inquestionavelmente o cor
ração que lhe. tributava então mais puro affe(Ao!
Era o : seu discipulo favorito, Frandsco Gomes
d'Âfflorim, o estimado poeta. dos Cmíos MatutU
«oW (4) •. .
Junctos e unidos os dois poetas» mestre e d^*»
cipulo, conversaram algum tempo, emdifferentes
themas litterarios e scienfíQcos, e assuiçptos pút
blicos e particulares. Amorim ainda não se resol-^
vera a perguntar-lhe se tencionava ir ao parlamen^
to n^aqúeUe dia, e o mestre não se havia lemi»rat
do de lhe dizer que ia«
Ouviu-se na rua um. rumor leve e fechado» qud
(1> Veja-ie nota etc . .. . j
ãSO
se assimílbava ao rodar d'uina carmagem, cajôs
cavallos se condusiam n'um galope tenteado. De
repente cessou este raido, e a rua de Sancta Isa-
bel caiu no seu sileneio primitivo.
Amorim nâo prestara maior attençao ao que ia
fora ; olhava compadecido para o mestre e cou-^
versava.
Garrett ergueu-se prestes da sua cadeira de
pau sancto, e apoiando-se ao hojmbro do seu ver-
dadeiro e leal amigo, eneaminhou-se para a ja-
nella com passos' pouco armes, e vagarosos.
Era a carruagem que o devia conduzir a S.
Bento, que o esperava á porta. .
Amorim, olhou para o mestre com a respeito-
sa expressão que se deve a um pae, ou talvez
com a veneração que o crente contempla uma
imagem divina ; e abafando no peito uma palavra
que já lhe começava a mover a língua, ficou si-
lencioso e pensativo. Garrett compreheudia-lbe a
mdga expressão dos olhos, como Luiz de Gamões
coii4)rebendera as gesticulações e olhares do seu
Jsxi fiel ; e enviando-lhe um d'aquelies sorrisos
maviosos e de pura confiança que tinha sempre
nos lábios, para aquelles com quem tractava, si-
lenciou também. Tinham apenas trocado aquelie
olhar commum, serenos e mudos, e os dois
2K4
pensamentos d'alma, já estavam revelados entre
si.
Naturalmente o discípulo perguntara-lhe n'a-
quelle olhar de sancto respeito:
— NSo temes que te redobre a doença e te
Álte o alento vital?...
E traduzido o bondadoso sorriso do mestre di-
ria proximamente:
— Se me escacear o animo, e me abreviar os
dias do viver, é no posto que me aponta o dedo
da consciência, e a favor da causa que jurei de-
fender; com a dextra firmada no evangelho da mi-
nha pátria.
MSo ouso aíSrmal-o, mas olhando attentamente
para as saudades do discípulo, e engrandecendo
por eátas o coraçSo leal do fecundo auctor^ de
Frei luiz de Sousa, nSo se podia esperar que os
quatro lábios coassem mudos, outros pensamen-
tos que n9o estes.
Pouco tempo depois, partiu a carruagem, le-
gando o definhado orador ao seio dos Pares do
Reino.
Gbégada que foi a hora desejada pelo parla-
mento, começou a proferir o seu discurso;— e
fez isso em tSo feliz instante, que o eonclúio duas
2Í8
r'^.|V' ..,-■' ■ ^rVV-i it,lr, - , , ^. ~
«
boras âe|)Qís ^proximadameote) epitmgmcc^o-
sissimo chuveiro de bravosi apoiados t e vozes de
muito bemll
Foi um delirio imme&so pâraos ouv^te^» íQ um
inteiro triuinpbo para elle.
Mas que pureza de ideias, e q^e elevadQ3 peo*
sãiaent03 vef tea a- /esta vebemente oração, Qoi^e-
bida por entre as dores que lhe- violavam a^* pa-
tranhas do coraçUo t
' Que vaUe essa volumosa miscelânea d^oracSies
parlamentares ao lado d'esta metropoU de peosa-
m^tos que ninguém ousará combater com a pu-
ra verdade que elie empregou sempre em todas
a$ suas palavras, ^ n'esta occasiãOi para refutar
aíassatções do ministro do reino? t Qiiem s^ «tre-
v^á a cortar-lbe esses largos voos que remoa^
taram ás regiões do infinitp^?! Quem sem o mjir
lio d'uma nova torre de B£|bel, lhe poderá lapçar
a mão á coroa que ganhou pelos seus talfiQ-
tos?!
Quem?! £u não sei; que o digam aquelles (]tud.sa-
bem melhor do que eu, apreciar as obras dopeu"
samenlo humanol • -
QU6 magestoso aspecto não havia de ser o do
poeta doente^ animado pelo fogo da pai&ão <f^ o
Foia^ quando ratouohou d'imprudeate o wmistro
2S8
das justiças e Hie desfeehoa no roeto ieDBado es-*
las palavras:
— «O seu procedimento nem é c^nstitueiô&al
netn ca(bolieoi!]>-^E como não havia de estar ex-
temiado aqueile Aigaz espirito; tSo fundamente
roido pelos vermes da morte I Que o digam' oú
que- assistiram a e^e grande acto» e tiveram re-
lações estreitas coiâ eiie, porque eu nao tive ã
felicidade de o cotítoei*; apenas me é agora con-^
cedido admiral-o nos livros que correm por esse
grartde mundo, e nos retratos que o represen-^
tam.
O orador foi interrompido muitaá ve^es com
apoiados, ê braoóslúos srs. condes da Taipa e de
1lM)mar, e mais homens públicos que presidiam
a esla sessão interessante^ Garrett sentindo-se
quasi exbausto de forças encurtou o discurso al-
gmââ coisa, e dizem que i^ retirou das camarás
bastatife desfigurado.
Muitos que o viram assim, disseram que era
aqueile discurso, o epQoga dos seus brados par-^
lamentares; mas Garrett ainda* não tinha tocada
n'um poúcto que lhe indicava a consciência.' Ain-
da lhe faltava trma flor para concluir o seu for-
moso ramalhete parlamentar. Esse ratnaihete
de elevado preça atou-o &i^mente na ses8%> da
254
t
camará dos Pares, .do dia 4 de Março com o sea
discurso sobre o estado d^admioistraçãç piaUi^,
e questão do Padroado.
Por esta occasiSo desa£froatou-se das palaisras
que o ministro do reino lhe dirigira com pouca
propriedade pretendendo rebaixal*o. Ghampiu à
arena differentes ramos d'adminUtraçSo, e accu-
sou de inepsia, aquelles, em cuja alçada estava
remediar os abusos que se praticavam n'esses es-
tabelecimentos.
 camará ouvia-o serena e admirada, e os go-
vernantes em quem elle descarregava as tempes-
tuosas accusaçôes, encaravam*n'p enfiados, sem
terem animo ao menos para sç olharem ^tre-si.
Terminou a discussão. Pouco , depois saíram
das cortes duas numerosas pbalanges d'homens.
Uma, sentia-se presa pelas palavras do robusto
orador-^robusto no moral, que no pbisico era o
mais imbelle de todos, — outra a dos seus adver-
sários, assanhada e amarella, como se quizesse
tragar aquelle que lhe tomava o passo, e a sup-
plantava na sua vergonhosa impotência.
E lindam aqui as suas luctas da palavra, e os
mais empregos que alcançou dos reaes poderes.
Emmudecendo a sua lingua, só se ouviam em
S. Bento uns eocos roucos e frios, que expiravam
255
ao tocar nas vozes do poeta que ainda hoje ali
revoam, e os saudosos carpidos da tribuna orphã,
e enfadada de muitos oradores imbelles que ali
ficaram esbracejando^ e só de tempos a tempos
se via animação nas camarás, aos brados dp fogo-
so José Estevão qu& ficou sendo o primeiro ora-
dor parlamenar do paiz.
Quando alguns homens ali oravam, e se batiam
renhidos sem resolver o assumpto por fim, e di-
ziam sempre a mesma coisa, ouvia-se murmurar
aoutrosemquasi todas as camarás, em voz baixa:
Falta aqui um Garrett I E ainda actualmente se
repetem ao ouvido estas palavras de immorre-
doira gloria para o poecta, e de ectemo escarneo
para os vastos marinheiros do galeão do estado.
xt^rrei sobra eslas âom èesboUda^.
«tLagTÍmsts tristes Bkinbas, ónralhaeas,
«Oue a< ftrídetf éo Mj^dleáro* «s^tem cjiitikiiiiéo.
{QÁKKÊXt.^Camões.)
XV
o visconde d'Alm6ida6arFett^ sentifido-se desEa-
lecer dia para dia^ redolv€u-s6 6Dt3a a dar o adeos
sentido e biú. aos negócios do paiz» e á& frivo-
lidades da sociedade cpie^ freqnentara no decurso
da sua carreira brilbantOi & algumas^ vezes falíz.
SepuJAou-se no viver solitário do Ànacboreta»
acompaobada pelos affagos da filba que estreme*
cia, e do diseipolo qjue lhe adocrava as feras ago-
nias d'alma> e erguendo silencioso uma oração
ALMEIDA GARRETT
Í7
2S8
fervente a Deas, agiiardoa tranquillo a mor-
te.
Ynlgada desde logo esta atterradora noticia em
toda a Lisboa, correram ao seu modesto domici-
lio, os filhos da mesma religião, os martyres das
mesmas torturas, e até os seguidores d'outras
doutrinas que não as suas, para lhe admirarem a
resignação, e a divina inspiração que Deus lhe
concedia nos poucos dias que lhe reslavana'.
Decorreram alguns, mezes, e aquelle génio con-
tinuava a soffrer sem que Deus se apiadasse d'el-
le.
A morte descia rápida, feia e terrivel para. em-
polgar aquella vida saturada d'agonias. Depois,
como o corvo que vendo o caçador atrevido, re-
monta mais uma serra, e se vae refugiar entre as
penedias, desappareceu da atmospbera onde ten-
tava a estancia do moribundo, para o fulminar,
com seu alpharige venenoso. Desapparecendo pois,
essa realidade ou visão aérea, foram dores ainda
mais horriveis, visitar o génio soffredor ao seu
leito de Lazaro. E elle; já com a murcbez da mor-
te desenhada nos lábios, e os pios da tive agou-
renta sobre seus tectos, não ousava soltar um
ai, um gemido, um desespero, uma blasphemiaff
Que sancta resignação !... .
239
- D'espaço a tôpaço» assestava aqúellès olhos
embaciados pelo saffrimeoto ; aqoelles olhos tao
vivos' e f algentes outr'ora, e t3o encovados então,
sígnal sufficiente de quanto a vida se affastava
d'elle, — na cruz do Redemptor, que lhe era sem^.
pre juncto do leito da agonia, e beijando soflpe-
go e constante, aquella imagem da divindade, e
aquella historia 4os : atrozes padecimentos de
Gbristo, fazia apparecer no rosto pallido e tremu-
lo umas oncMações, que pareciam exprimir estas
palavras:
— «Pae recto e consolador!... Tu soffreste
muito maiores torturas do que estas que me gd-
peam o coração, e passaste avante das faldas do
teu erguido e pedregoso Sinay... Passaste para
ensinar as gerações* a soffr^ com paciência os*
maiores martyrios ; e os impios que te pregaram*
no madeiro do supfriicio, adoraram^e por fim, e-
atracaram phreneticos, as tuas sanetas doutrinas:
— e depois da vida M d'elles o reino da Gloriai
«Eu, serei também amado equerido além da sepuN
tura^nSo como uma dmndade, mas como osmar*-.
tyres das paixões terrenas, que souberam como eu,
sopportar resignados os aárcmtamentos da ^ida.? *
Â^séu lado era immovel, mudo eattento^. como «
o cruzeiro do átrio velando a porta do sanctuarío,
260
o sâa lèaií discq)ulo^— ^ ftctava-o^ triste coibo^ó fi-
lho earinhosc^^ que pnMto do pae enfenno^ ste^
te na porta as argotadaa da orpbandade; e par»*
da pergantar ao. moriboodo tí^qmiíí» olhar nan
readd de) lagrimas:
— «Quem me áeiíM oo Biundo para eadier o>
vaeno immenso do meo coitaçSo rasgado ?..jí» Mas
o mestre do generc^ni^ poeta já nãO' sentia fbrtasf
para: lhe respòoder a^ tão borrítel pei^gfmita; e eok
costandQ-se a eUe^ apertavt contra a peito raiada,
a crez que o filho de Deus levara aos cerFOS es-
calvados do Galvari0« E a poeta das Fo^s Gai-
dÀ9 começava a parder aq^ella respiração ^spi-
ritaosa que expeUira akè-li df aqueãe sacrário tte
poesia'^ e a visão da morte», que jjá lhe esvoaçara
sobrei a: babítaçio, vSa vokaira; ainda a dar moh
primentQ á soasmissSo^e oseu parecer cortara, o
coração a^ álgtas cotas bondosos que o redeavan.
Era pungente e didorosai^ ver esvai^^e gottar a
giolta aqaelle bdsamo pitecioBov comj que o silen*
cid80 mattyr^ (kdeificara tantasí amai^oras a seus
innlios que sofiiríam, — com a suavidade* do anjo
qve Deus envia ao' barathra lutrienb),. a d^ôr ura
osculo de perdio, nosla&íDs do impio^RTepenâido
que extrctotai com m pulsos roxeaddSi pebes ca-
deias dos rem<»!sosi Obt como era tási»! Gomo
im
.»i— iqay-g*
IWigPA A Alim» W iSokiQâr vd<:;illaat6 aquele a3(!ro
dívi^Q» ás paft9$ ido acesso já nveias abailas, iim
o roubar ao w^o^o». qm ^^borai^a Já a proxíDia
^e^Uoe^p 4a 3Qa fltiamm^ ílQB^Qladora, Era émp^
datador as$ifitír á ç^srraeão d'agqellas orbitais soSn^
os d0Í9 olboiSSàixrcbQs^ epmo ofrucio que eanpeguer
Cien b^jaâOrpQr uivii, i&sí^o pegonhentO;, ou varejado
pala voQia^ i{96 }be lorçea a. baste que o praih
j^^ 40 troQpo. Pre^a agueUa iristo yída por iw
£o IHe (6Q\ie, r^sequido pelo$ sopros gi^ladpr^s
4p aid> fraoíid^ «qiíeUa isente da poeta ^ onde se
viram MtiUr sei^pre as fiamos íDextiqgiiiy^
ã'i;9»a iQteUig^oia si^perior; encolhidos os meopr
bci^. d'aii»eU^ €0ip9 tão gaí^ate po seu2^pitb4e
íeUei^lftde; abraudãdo o puJ^sac do cQraç^o «wm^
reei^i quem Uiie podieria forneper o perâido.alfip-
U) m^Gf^ poderM Fobo^teoer de iK>y<> aqueUaplwr
ta íertilisadora» niifi^da eatjlo £^té á medála por
0301 IradQ pe^^aote ? Itecis K.. sd I>eq$ lb^ po-
4id .bradar dáD ^^ tbro&o celeste:
— dLevantchte miseroti^.E eUese ergoérat Btdís
-s&d ^ roibu$to> do que fora dor^te a$ boras fe-
lizes. M^s o divinp liegeder do yí$ível e iftvísivçji
ji Jbe tii^ia lavrada a seuteusa fioal.
E o poeta cofi^tiouavd a soSrer resinada a«le
« íí^ç ^rwificedol
262
> . ' ' ' I r - 1 1 • „ j i I ■ -
; - " — ..,. ■ I ' ■ ' ' ■ ' ' • •
Seus amigos!— raros — e seus vastos admirado-
res, esqueciam-se a sen lado, dos cargos que lhe
eram cooQados pelos governantes da nação, e bus-
cavam constantes sanar-lhe os fandos golpes qne
lhe povoavam o corpo. Todos carpiam, e espera-
vam afflictos, o soluço extremo d'aqueila eiisten-
cia brilhante, d^aquelle soberbo pharol que nos
allumiara a pátria, com os reflexos immorredoi-
ros da sua grande intellígencia. Todos o chora-
vam e lhe apontavam olhares apaixonados e com-
padecidos ao seu leito de martyr,— e oravam si-
lenciosos, pedindo Áquelle que tem fechado na
dextra divina o destino dos õéus e dos mundos,
que terminasse as torturas, ao mho que tantas vezes
dedilhara a lyra harmoniosa, evocando-o em sen-
tidos hymnos, e vulgando os Seus preceitos, aos
ôntes que chafurdavam nos lameiros da desmo-
ralisação, e ignoravam que existe alem da vida,
um tribunal supremo, oocupado por um juiz ine-
xorável, que hade pezar os nossos actos nas con-
chas d'uma balança fiel.
E esse juiz sdnda se nao amerciava da sua dôr
despedaçadora, nem lhe dava a derradeira poisa-
da! Aquella alina queria morrer, mas Atropos não
chegara ainda com a thesoura cortante.
E o vate, alongava passo a passo^ os olhos ex-
263
piranfes para a porta do aposento I Que buscaria
elle encontrar com a vista no tenebroso recinto ?
Que élo, o prenderia ainda á terra que tanto lhe
custava deixal-a?t O que seria que lhe paralysava
a lingua^ que não podia enviar o ultimo adeus ao
mundo? Faltaria^lhe algum ente idolatrado de
quem esperava o perdão d-algum acto mal-pen-
sado? Seria o remorso de ter quebrado algum jii-
ramento, feito ante aquella imagem divina que
tinha diante dos olhos? A lembrança d' alguém que
araãra loucamente, e por quem se achava desam-
parado n'aquelle momento sol^mne? Algum do-
cumentQ guardado, que lhe nmncbava o manto
â'bonra qu6 o, mundo civitisddo lhe posera nos
hombros? Ralal*o-ia a impossibilidade de rasgar o
véu que occultava o fucturo áa filha querida, a
quem breve ia legar aquelle grande nome, que
as naçOes' mais civilísadas apregoavam como o de
tantos homens dlnteiligencia colossal; que pas-
saitam ligeiros n'esta treva lamacenta, e desceram
á sepultura com a rapidez d'um metheóro?* Se-
ria a lembrança da pátria^ «nde tia tanto que fa-
zer, e tão poucos filhos que se esforçassem por
ella? Quem sabe?!... É muito provável que todos
estes* pensamentos lactassem renhidos como seu
espirito já quasi apagado ! . . .
BSSSSESaCBSSSS
m
aos a]ttigQ$ (|^ p foêmmivqw \h& cbega^isfim
ao tejto todos. 03 sãos duthograpbos. Seodp^ba
entreis ímmedíataoiei^e aquelio a^pai^to^ mo*
tbo d'origiDaias acabado? a locompl^toç^ laQHDs
ligeira sua» attei^ttaiento, le eomieit^a a âe$i^#ida-
çar ;aqi]íaUe0 qnn o5o eratt digaoa cIq aer vi^to^
pelos $&as ymdouiY)s, e foi coU^çciona^do oeqvia
podiam sar prweitasos i pátria de qi>efn $6 4«^
pedia* •
Feita a coDsoíeiuáQ^ monda* mir&gon. ^q^tír
to beilo arebivo» que não doadiourara o &ea engi^
Dbo eKplendidissinio, ao ^au puito partijipalar (^
laerymoso amigo D«. Pedro de Brito do HiOs q^i^
o viakava muito a mtddo qo$ ultlmios mezes da
sua yiàsL
Vendo depositados oa seua queridoa mmm'
eripta& n'iim cofre tao seguro, ^ valado por wna
akna siocera como era a dia D. Pedro» deacaoeoa
Hiai8, dos cuidados í{ae o presidiam a lasta a^va
insoiidayel.
A presença da <fittia idolatrada» llmou^Ihe tam-
bém ipm até ao amyago o éio que Ibe amparava
o espirito extenuado.
Deus annuaciou-ibe por fim o momento £atid»
pela visão horrível da morta^ qua ja estíveift ao*
26»
iJ»i » y
bre soa estancia, e se affastara pai^a eUe fazer o
legado do sea thesouro litterario, e do oome egré-
gio qae estava prestes a ir aos braços da posteri-
dade
A morte alevantara-se enfurecida do seu escoa-
derijOi e fora pousar á porta do moribundo t
«Nio pôde mais o coração c'oa vida;
«E lenta a morte c'o enfezado sangue
«Caminho yem do peito. O espaço mede
«Que lhe resta na arena da existência;
«Perto a barreira tíu... Ahi jaz o tumulo.
{QknvETt,— Camões.)
XVI
À quadra outonal corrria ligeira para o fim da
vida, como o poeta das Folheis Caídas. Qual ex-
pirara mais cedo ; o poeta ou o outono ? A qual
restavam mais dias de eidstencia? Era um mysterio,
e mysteríôs de Deus só a Deus é dado conhecei-
os. Ao animal que falia e pensa, que ora e blas-
pbema, só os revela o porvir! — o porvir se acaso
não o tragam primeiro as fauces da terra I
Era o dia 9 de. Dezembro de 1854^ — dia de
268
acerbas tristezas para tantos portuguezes leaesr-
clía que ha de Bear gravado em lettras indeléveis
na historia da nação que se ufana de ter visto
nascer e morrer, o inspirado cantor da amaior al-
ma que deitou Portugal.»
A casa do moribundo estava fechada e silen-
ciosa como a ermida do deserto, onde nem se
faz ouvir o esvoaçar do morcego em derredor da
alampada amortecida» pela falta d'alimento.
Bateram as 6 horas da tarde.
De repente a casa soffreu um estremeção vio-
lentissiim). que pareda produzido por uma (l'es-
tas • tempestades que voltam as arvores com as
raizes para o céu, e desboronam os ediScios mais
fundamente baseados. Os gonzos das portas e ja-
nellas, rangeram com lúgubres gemidos. Subita-
mente abriu-se a [porta; como impelida por um
tofao procalosol
. £ra a morte que entrava uq aposento, fedendo
reeaar todos os que rodeavam ,o leito !
.0 poeta eoclinou os olhos sobre os <}q di$ci-
polo, apertou £om frenesi a truz do Gbristo fio-
bre . o peito extenuado e arquejante, e clei^u
peoder a froote, como a flor beijada por \m mQ
de sol abrasador I
Amorím> apertou ws J)n(ços aquelle corpo ina-
26»
nimado» e mtitimirou solaçaoda^ com ú rôsto
snteauloi àe lagrimas : \
--cFartes mm quericta meslr#r)... NSa me
desampares ainda, que já Éínto fogir o estro qae
me accendestel... Partes?!... È quem ba de &M^
zar alem da teu ttltúno soktço, as cwdafs da tsíh
nha pobre lyraft^. Qae poderei cadtar agora fl...
A saudade?... a tua morte?... ohl mas a sauda-
de cantastel-a tu, e a tua morte d3o terei eu ani-
I
mo de a cantar, porque será a morte do meu es-
trof*— (I)
Todos choravam, todos sofiHam, todos^masr
qu3o dilacerante n3o era o soffi*imentd do des'
consolado poeta qu& Bcava sem mestre e sem
protector?!... Sim... Que sons poderia exlralaraí
desconcerfd^dfd* lyra do discípulo, vendo sua mãe
quasi a dar o arranco eáctremoH? tTmanenía,
uma elegia fúnebre, um! canto de consternação,
uma safudade, e finaÉnente a^ grandezas d^^ilmt e
d*espirito do agigantado successor de Camões?!!...
Oh! mas tudo era triste; e a lyra leda e apai-
xonada do poeta que soluçava com o moribundo
nos braços, tran^5rmar-se-hia, talvez para sem-
pre f— em aliaíráe de morte. '
(i) Veja-setotaifiafim.
270
O mestre não Ouvira já, ou não poderá respon-
der ao leal coração que o interrogava! Indínoa*
se, olhou todos quantos se achavam no aposento,
trémulos e chorosos, e apertando a cruz n'nm es-
treito abraço, murmurou por entre um suspiro
anciado e ruidoso: — Já o não vqo...
E foram estas as suas derradeiras palavras!...
Ouviu-se um gemido longo e doloroso em todos
os extremos da habitação, e um ecoo parecido com
o estalo d'uma mola de íino aço 1
Era a morte que despedaçava aquelle coração
privilegiado
«Onde gemeu amor, caipíu saudade» — e a
princeza das lyras que estalava para despertar o
mutàdo do letliargo ocioso, e pedir^lhe que a j)0-
sesse patenta aos olhos das gerações futuras.
Os raios do sol que haviam de acalentar o
poeta durante a vida, tinham-se escondido de
vesppra nos fundos abysmos do occidente, assus-
tados com o Austro outonal, que trazia em suas
271
aza» a (lonuDcio â'alguns dias de clmva Qopiosa!
O sol não tioba de apparecer mais na sua vida!
Caiu o homem grande, ergueu-se a estatua da
imnK>rtaUdade I
Pouco depois de se evaporar aquolla alma e
subir aos pés de Deus, só se ouvia na luctuosa
habitação a oração sancta de duas irmãs de cari-
dade, que o encommendavam ao Senhor, e b so-
luçar do . homem que lhe servira d^esteio nos
últimos momentos da existência, — ^^e sentira
com verdadeira dôr d'alma^ d violento estremes-
são que lhe dera a morte para saccudír o corpo
na terra, e levar a alma a um logar, ignorado
por aquelles que se despedem das mundanidades
tempestuosas, e dos que ficam na terra para. os
admirar nas obras que deixaram.
Dois dias depois, isto é, na segunda feira 11
de Dezembro, foi condusido o cadáver do viscon-
ffít
xr
de d*Atm^dà G»tàf^ âo cemitério doãi Prafz^^^
pelos stetxê alffiigQ$;--ê d^efpoáítôdo tid jáiágú dâ
illostre familía de D. Francisco do Rio de Mene-
zes parente affastado do fallecido.
Entre varias deputações, representantes de so-
eiedades Mferâridd ^ drtiidti<»d^ ácominanhâi^aá o
féretro, os srs. Alexandre HercalaUdv AirtontoFe*
liciano de Castilho, Luiz A^igosto Rebello da Sit*
va, António Pereira da Cunha, Silva Túlio, D. Pe-
dro d^Bríto do Rio? i^iphaâia Anteeto Gonçadves,
e itíSò Nepomucâtío de Seixas^— lente de bistio*
ria da Cmservâttork) ftedi d» Lísíboâ. Este ulti*
mo^, jà no eaafiinha d)á morffâaf á&sf mortos» 1»d^
çanda ti nAo, > «m dos^ cordoa do caixão, 6 fl^
cando atraz, bambado^ ^ I^im^dv exelamoa cmn
pTOjftdo:
— cEuí nao ápjudo mâ», ântes^ elle é que me
guia : t eú nttíd^ depds dâ diía morte iQd guia-
rei por elle f»* (f>
F^io caminkif todos qiieriafii ajudar t: levar á
regelada estancia» aquelte corpo irio, onde |á cor-'
rera muito sangue portuguez, e tão puro como o
recebera do seio de sua tirtuosa mãe.
Todos queriam tomar o peso ao invólucro da
; 1 • f *
(i) Véja-se notano fim.
sn
graiide ^dma j(|Qe ^e avipocava oom ooontadto da
dor. 'foà^s :qiieriam ler as lio&ras de levar à der^
radeira pousada o inspirado reformador das let^
trás {Knliigueza&l
Chegando o tortêjo ftmebte proiimo do cemi-^
lerio, paron um Inomento para descanço dos gue
ctmôtisiam o caixSo, — depois... começando de
BOfvo â movcr-se o ^romposo saimento, '
("Na estancia entrou das gerares extinctas-i
fim -seguida tts tropas que estacionavam no
campo, deram algumas descargas de arliiheria e
de mosquetería.
9H)usado t)i^x3o juncio do tumulo, e rodeado
pelo numeroso séquito, pertencia ao sr. Alexan-
dre Bercutano subir 8 pedra, e orar primeiro,
mas récusando-se a isso o íllustre litterato, to-
tnm o togar o sr. Atílomo Feliciano de Castilho,
nias foi pouco afortunado na sua oração. Pasma-
dos todos os ouvintes ante a frieza do poeta das
Prima/ceras, e começando muitos a murmurar da
sua pouca inspiração^ disse Castilho que não es-
ALMEIDA GARRETT 18
274-
tava prevenido para aquetle acto solemne. (1) Is-
to desgostou fortemeate alguns dos amigos do
defuncto.
Seguiu-se a este o sr. Silva TuIio, que se mos*
trou intimamente compungindo, ao fallar no poe-
ta. Fez uma pequena oração, mas com palavras
de tanto valor, e proferidas com tal sentimento,
que penetraram em todos os corações! Depois
orou o sr. Vieira da Silva, em nome da associa-
çao typographica, cuja corporação representava.
Descendo este da pedra sepulcbral, subiu Luiz
Augusto Rebello da Silva> triste mas inspirado,
e fez um brilhante discurso, que arrancou lagri-
mas a todos !
As lagrimas corriam a torrentes pelas faces
dos ouvintes; e a dor era geral, porque a pala-
vra cadenciosa de Rebello, era capaz de as ir bus-
car aos olbos mais estéreis, n'aquelle momento
de saudade pungente I
Quando este fecundo orador, chegou ao meio
do discurso, disse com aquelle entbusiasmo sau-
doso que tinha ardendo no coração : Inclinemo-
nost Todos se dobraram então diante do cadá-
ver, não do visconde, mas sim, do . cantor de Ca-
mões e Jau.
(1) Veja-se a nota np fim.
•;
29^
Estanda as céremonias do enteitaméntò gtrasi
no fim, chegou próximo da sepultura, é rompeu-
por entre o grupo, o estimado poeta Luiz Âugtis^
to Palmeirim» e recitou com aqnella harmoniosa
cadencia que se conhece no seu metro,uma poe-
sia do sr. Mendes Leal, e outra do diséipulo do
finado; o sr. Gomes d'Âmorim.
§
Âcbava-se ali o corpo diplomático, muitos con-
selheiros doestado, e o ministério, — só faltava o
presidente do conselho, que mandara prestar
a ultima homenagem aos restos mortaes d'âquel-
le que tanto trabalhara em íàvor da sua pátria,
pelo sr. Conde da Ponte> que era n'essa época
^ governador civil de Lisboa.
. RebôUô da Silva, disse no fim do seu brilhaiv-
te improviso, estas palavras, que já sao indeléveis
nos fastos da litteratura portogueza, e nos ccHPa-
ções qqe' as escutaram — «Aqui, jaz o visconde
d' Almeida Garrátt. — Ali, á luz d'aqueUe astro
glorioso,, vive João Baptista d' Almeida Garrett!»
Eis aqui o resumo do saínàento do nobre pòr-
ti^uez, do grande poeta, do litterato distincto,
do orador gi|[ante, do bom^ádo estadista, do ho-
238
mm J^n^mei^^» .que neci^stl^am como disse, D.
JoSq ^'AzeyedOj d^ se curvar para atravessar o
maravilho3Q colosao de Rbodea*
E nós ({ue estimamos as suas obrias^ e profe-
rimos, ^m respeito o seu nome, curvemossiios
tawibem reTereutes ante essa cobuana gigaútéa»
porque somos ante elia» os reptis mais ínfimos,
que já gosaram os beijos do sol!
Aimeida Garrett descieu i sepkiituffa com uma
saudade que Ibe ^ogiu fòrtementó a ahná nos
sws vHimos dias<
Deixava íicar vadia uma âas lacunas mais es*-
paíçosas do livra da nossa litteratul^a d^^ste secu^
lo.
NSo pensando mnitâts vestes -^(âonaio é de mor-
tas I) -^ ^ue a morte nos ataca <l'improvisOi e nos
fulmina quando somos roídos pelo desciâdo^ com-
prometteurise a esccever um livro» que pela as-
sunto (|iietífiba de celebrar, inditava ter de cei-
far, mais loiros na republica das iettiias» do que
todí}s ^loaotos escrevera atéli^ que. são iii(}uestío-
navdineate os braços mais froMí^s da arvore
lilteraria da nossa terra* Eaílou. em mmtss reu-
^s^
&iãeai d6 boinens instruídos» D'6ssa obtá qoo Ib6
fervia no earebro ardente, desde qoe sooegou,
das hictas; e das. raiigrações, até pouco saites dé
morrer.
O \mo^ era a lustoría das revoluções políticas
em Portugal, que começaram em 1820, e termi-
naram aquasi, pelo triumpho da liberdade em
1834.
Disse o poeta no prologo d'uma das suas obras
que o desempenho d'es$a commissKo, era para
elle um poncto de honra, porque estava promet-
tido por um quasi juramento; mas infelizmente,
não o pôde conseguir o cuidadoso escriptor. An-
tes de lhe dar começo, cerrou-lhe a morte aquel-
les olhos de brilho penetrativo, que deviam des-
cobrir os quadros da guerra, que foram apagados
pelo desapparecimento, d'aquelles «que em con-
tenda injusta pereceram.»
Não pôde cumprir o seu promettimento, não ;
mas ao menos ficamos com a satisfação de não
ouvirmos dizer aos seus contemporâneos e pos-
teriores, que deixou um só momento de escre-
ver, para se entregar a trabalhos inúteis á pátria
que o viu erguer o braço 'de soldado, para var-
rer a zumbidora bofetada do despotismo!
Hocra ás tuas cinzas, bardo sem emuIo<con-
278
temporal l^Descança tranquillo, que a tua pátria
nunca moverá os lábios para te cliamar ingrato i
Descança que jamais se extinguirá na Europa, o
nome e a memoria saudosa, do poeta que soube
pagar a divida nadonal ao desditoso Camões.
A
BIOGRAPHIA
DO
Ti«eonde d*Aliiiel4la Cíarrett
NOTA l-^Pag. 59
«Que arrancara em idade mais verde.»
o RdnUo de Vénus diz o poeta que o escreveu aos de-
zessete annos, e d'esse tempo até a época em que o deu á
in^rel^ não cançou de lhe íazar emendas, e de as pedir a
hoqiens doutos e instruídos com quem tractava, entre as
quaes haviam algumas do sr. S. Luiz.
Faço esta nota para que algum conhecedor da matéria nâo
àigã que é enexacta a época da leitura do primeiro poema
que Garrett deitou ao mundo Utterario.
D'e63e tempo são também algumas poesias lyricas que o
poeta publicou muitos annos depois no livro das Flores sem
Fructo e nas Foíhas Caídas, quando as castigou cóm a sua
varinha magica*
280
«Por esta occasiãcK OHtabf<^<le 1821, etc.»
Encontrei ultimamente ma documento, que pôde taxar
de anachronica esta minha afiirffiaçâo. Dit, que o julgamen-
to do poeta, teve iuga;. em Outubro de 1822. No entanto,
eu nao me atrevo a retirar este capitulo do logar onde o
oolloquei primeiro: se algum leitor estiver mais orientado
do que eu n'este poncto da tida do meu heroe, peço-lhe o
e^ecialissimo obsequio de escrever á margem as emendas,
e de m'as trazer depois para eu. corregir esta lalta na se-
gunda edição, se acaso este opúsculo chegar a tel-a. Aquei-
te nada que souber sobro* est& assumpto, aconselho-o a que
leia primeiro esta passagem, e que volte depois a encadear a
historia onde melhor lhe convier, porque estou convencido
que nSo oparará^ psm^ tísffiâforBaa^Senor livro, nan tam
pouco lhe raspará o que elle encerra debom,ouoinereeimen-
(o, qps porveotani dMígue a akaiiçar do te^ilivrci piMi -
eoi paorft quem; o eKvevii
Conheço que wnX» dev» perdoar a^ (faem euiief^ yn-
mekO' a bistõría de ámanhf, da qaé a de boje; ina» dívBtfem
tanto ás rezes os apcí&tameiítos, e erram as memerí» ém
que relatam^ ílaclKW que nem á todos foi dadO' pres^OMiar,
que esiimo9 aibraçados a elles, no atoleiro dO'reâieiitoc® de-
pois os que lidam ao baixo eampo-dalitteratura, ao* passo qne
elles nas veigaa chflsi s^temiabnsa tépida e d^lidosa^lieijar-
lhe os lábios, ehrincar*Ihe eoi» o cabello, sSoos que ouvom a
pò firme, as accusaçOes nem sempre justas da opoiao piibli^
ca que od espreita successivameute com seus ottios iaq^si-
s»t
tmaas, proeoniDde tecobrír em todos o» mcMmnkoã» vm
yaso onde Toria o pto da maledicência.
NOTA m^Pag, 79
«Regado pelos detostsve^ Galigdas moder*
nos, etc.»
Consta que Ganrett emigroii p()r cansa da comedia [lolitica,
9^ larça, julga que imitada do FranceZ; que ae intUulava
Qurcmida por Amor, em que isdiculisou sem d6 os ho-
jpm» d'aqaeile tempo» quando a mandou representsur no ve-
)ho theatro do Çairrp-alto; e outros escriptos quç nSto (le-
garam a publicar-se, por causa do repentino affastamento
do poeta» d'entre os mancebos.enthqwastas que lhe punham
«m «uc(ík> as peças que elle apresentava. Foram estes, màn-
ceboa^pela maior parle^ os quo trabalharam com yonjtade
^ .^»()iistanç;ia,para o cons^varem no reino, e aqueUas pes-
soas mais consideradas na côrtSi que tinham a|^ciadq a
leituia dos.seus opúsculo^ e a representa^lU) d'aq}]eU(imá*
^nifíca tragedia de Catão,
, O pp^ta comtuda nâo cedeu a. todos esses rogos por que
imiros amigos naturalmente maia intimo^ lhe acenavam, lá
daa margens do es.tensa Tamisai.
• • ...
NOTAIV— Piij.?*
.«Almeida Garrett» »e acaso ião lhe passou os
283
limites» nem trabalhou com mais coostancia, foi
de certo mais proveitoso ao paiz, etc. »
Escrevendo estas linhas não tive em vista depreciar aqel-
la soberba epopèa Eurico do Sr. Alexandre flercuiano, por
que éa melhor prosa que conheço n'aqueUe género, nas mo-
denvts lettras.
N(o busco também esquivar-me com aquellas palavras
indiscretas talvez! — a confessar a sua vasta inteiligenoia,
e o respeito devido ao seu nome illustre, que é proferido
com assombro, e apregoado com admiração pelos melhores
cultores da idéa, que ainda nos dão signaes de existência
nas fileiras da peifelçSo litteraria, e outros que já sentiram
cerrar-se o tumulo sobre seu corpo, para deseançarem das
fadigas da vida no leito da eternidade.
Dou aqui plena satisfação ao dignissimo commandante
do actual exercito litterario de Portugal, para que não me
julgue capaz de tamanho atrevimento. O meu intento foi
somente pôr acima de todos os poemas modernos o Camões
de Almeida Garrett, porque a minha consciência assim m'o
segredava quando traçava aquélle período, como agora que
alinhavo estas notas.
Faço esta declaração, não para me desdizer do que fica
escrípto, mas provar o respeito que tributo ao grande histo*
ríador a quem devo uma parte do nada que sei, — se é possí-
vel fazer divisão nos meus poucos conhecimentos liitera-
rios.
NOTAV— Pajf.86
cO foUietínísta mais elegante e consciendosQ,
283
que floresceu no tempo do ereador de Fr. Suei^
ro»
Disse, que António Pedro Lopes de Mendonça foi ò me-
lhor folhetinista contempoÂineo de Garrett, assim como sus-
tento hoje qne até agora ainda náo apparecen nm competi-
dor áqnellas poacas mas bellas paginas, que nos legou;
Não quero dizer que estamos hoje sem bons folhetinistas
porque os ha ahi credores de muito respeito entre os quaes
realçam mais os nomes de Teixeira de Yasconcellos, Pinhei-
ro Chagas, Gesar Machado, Eduardo Vidal, Eduardo Coelho,
e outros, que manejam a penna com destreza n^esse género
de litteratura que tâk) enraizada está hoje entre nós.
NOTA VI -^Pag. 101
cJá com OS sete cantos completos do poema
D. Branca*^.
O magnificíO romancede Garrett, D. Branca, aquelle subli-
me episodio épico das passadas luctas entre chrístaos e
mouros, que firmou entre nós a convençSo poética da
actualidade, saiu a primeira ediçSo de Pariz, distribuido em
sete cantos aplenas.
. Vinte e dois anno» depois> o poeta guiado por conselhos
d'alguns homens doutos, que nunca despresou durante a sua
vidalitteraria,e do seu maravilhoso pensamento, estando na
Cruz-quebrada desmanchou a()uelle livro que tanto accendeu a
revoii^ que sé tiavou nas lettras em 1826, e ajuntando-
384
nie^^algunft ceiH0949 yerso9 sem ttm isao Ike ra^Hijr ás pri-
mitÍTas belezas, levou-o a dez cantos, explicando mais cla-
ramente o rasgo da chronica d'onde o arrancara e dando-
lha ao meaiao tempo maia vohim« a elegância.
Com este livro foi qu^ Garrett^ ílQgj^o<4e mc^rto^ para
nSo ser peisegaído pelo governo que entso dominava ^ pa«
tria, eoradenmoupeUmaioi parte as imagens da mytbologia
grega que «t^ essa epopa inçava a poesia em toda a pvte,
dixeodo ao abrir o poema:
< Anreos numes d'Ascreu> ficções risonbas
«Da pulta Greda amável, crença linda»
<De Vénus bella, Vénus mãe de d*amores
•Brmcões, travessos: — do magano Jove
«Que do sétimo céu atraz das moças
«Vem andar a correr por este mundo,
« Ja niveo touro, já dourada chuva,
•Já quanto mais lhe apraz,-^ de Baceho alegre,
«Do louro Apollo, e das formosas nove
«Castas irmás que nos vergéis do Pindo
«Tecem aos sons da lyra ecterooa eannes;
«Gentil rehgiáo, teu culto abjuro«
«Tuas aras profanas renuncio:
«Professei outra fé, sigo outro* rito,
<E para novo altar meus hymnoa canto.
«Disse adeus ás ficções do paganismo
«S christáo vat^ ohristftM versos &ço
«N^esta compoâçSo^-Hlis 6aitett***4«ganh8e wivciíiie&te
285
O exemplo de Wiolbmd nq ObçroQi; .todo .o sçu maravilhoso
é tirado das fabulas populares, crenças e preconceitos aa-
ciooaes.»
fíOTA Vn— Pa^. 103
«Detficòo-ú aa líeumrrilo partictrter amigo, An*
toniô Joaquim Freire Marreco^ ele. »
D'este amigo, é que falia o poeta no. principio do poema
•Cierto amigo na angustia, que aos tormentos
«Myrradores que a vida me entravavam
«Adoçaste o amargor, e com benigna
«Dextra» cavaste i ioda do infortúnio
«Clnivoíiuê o g]/rD bárbaro lhe ijope(a.
•Ati, a quem a vida que se meia
. 4(Bai desateto» an desconforto, defo»»
«Ali rainhas endeixas mal cantadas
«Nas solidões do exílio, onde as repetem
«Os ermos eohos de estrangeiras giuttas,
«Ati meus versos consagrei na lyra
«Quebrada sobre o escolho da desgraça.
«Inda languidos sons desfere amédo,
«Que a teu fiel ouvido vão memorias,
«Lembrar da pátria, e recordar do amigo.
Veja-se o começo, do poema» e nota correspondente; ^
28fi
■ 111 <—
NOTA Vm— Pag, iOS .
«Parece-me que não incendiou a cubica dos
habitantes das terras de Santa Cruz.»
K
I
Quando escrevia aquellas paginas, nSo tinha noticia de
que hottvew contrafacção brazileira doeste livro, mas affir-
mott-me ha pouco tempo o ar. Jacome Serra, estudioso moço
paulista, que viu mais d'uma edição d'elie, feita no iinperío.
NOTA IX— tdew
«Empregado n'uma casa de conunercio pari-
siense, etc.»
Escrevi este período informado por um emigrado com^
panheiro do poeta, que nSo esteve em Paris, mas ém RuSo^
e que se correspondia com elle. Lembra«me agora que li
nSo sei se no Braz Tizana, que Almeida Gairett esteve efe-
ctivamente empregado n'uma eaáa commereial em França,
mas no flavre de Graça, e nao na capital. Esta noticia julgo
que vem confirmada no livro das Memorias de Litteratura
Contemporânea de Lopes de Mendonça, esdríptor que eu
muito respeito.
NOTA X — Pag. 140
«Querido e acatado pelos homens de coração,
que são, etc.»
287
Estas palavras que ponho na bqcca do poeta, quando elle
desembarca nas praias do Mindello, sSo inteiraiménte íUbas
da imagínaçSo. Mas comtudo presumo que não serão total*
mente destituídas de verdade, porque é de mppér que os
pensamentos do nobre soldado do dador da earta constitu*
ciona), nSo se affastassem muito da minha ideia. Aquelles a
qudm não soarem bem estas phrazes, dou-lhes de cons^ho
que não as leiam, porque pouco ou mda perderão com isso,
e nenhuma afifronta me fazem. '
Deixem-me ao menos o prazer de as gravar aqui, porque
gosto muito d'ellas, e como todos sabem, ha bocados n'este
livro que só eu os poderei interpetrar, por causa da pouca
clareza com que os apresento, bastante contra a minha von-
tade.
NOTA XI— Pflíf. 146
«Mas não pôde tomar conta tfésse cargo, etc.
Estou certo que entre as nomeações que os podere$ pú-
blicos fizeram ao poeta, hão de haver alguns cargos que el-
le não chegou a exercer, em consequência de não os poder
acceitar. Se os não acceitou foi por que não pôde ou não
quiz; o que é fora de duvida, é que de tudo quanto digo so-
bre taes assumptos existem documentos que foram encon-
trados entre os papeis, que se revolveram depois da morte
de Garrett.
NOTA XII —Pflí/. 148
«Ate José Estevão, o próprio José Estevão, etc. »
288
Hade «IgHemdiserqne eu tentai^ lazer apologia? dos dois
^gaaftes da tribuna pcnrtugaeKa» aprezealo €Uiirett abia^^
4 lua ao paaso que pootor-^talvessem raaio aigumal —José
Estevfto de bniçoe, applicando o ouvido eòbre a terra, em ob^
secvBQfto do que se passa na raiz dos eeus fmidameBtos.Iâ*
Tão ^e é demasiacía a altura em que ponho GarreUè ^ des-
medida a baixeza mi que mostre o set maior emulo; sSo
é tanto assimJ Apesar ^ pôr sem hesitação, m tafar mane-
eido, os dotes de Garrett, náo deixo de coafessar o jaaepeei-
mesto de losó £stevio dé Magalhftes. Este fica com a (^o-
ria da sua eloquência, e Garrett com todas as sotas fran^
MS litterarias e oraes,
*
O3 que tomarem á má parto esla mi^a dedicaç&i pelo
contrabandista da palavra desapontament&, palavra qne
campéa de fronte altiva nas nossas lettras, Almeida Garrett,
façam de mim o juizo que entenderem, por que nSo me zan-
go, seja qual elle ior« Mas obrigado pelo dever, a pdr o
méu peito por escudo ao nome do poeta' direi com um
dps mais exforçados athletas da revolução litteraria de 1865
e 1866, — jl ftmf SetgneuTj tout honeter.
NOTA XIO— Pa^ ^m
«Digo parece-me etc.»
É esta uma das passagens do meu livro em <]pie mais
forçado me vejo a titubear.
Dlz-se que Almeida* Garrett pediu aaoa demissão de mi-
nistro, a S. M. a rainha, por aquella Augusta Senhora se re-
cuar a dar apoio a assignar um tractado que elle fez entre
Portugal e a França.
m
-«»-
COTA XIV— Pò^. %& .
. cO estimado poeta dos Cantos, ate.»
. , Qec^aj^o giM jqSo presenciei esti» scemuque descrevi—talr
vez com alguma liberdade de pensamento— porque n'eç8a
época ainda eu nâo tinha completado mais do que quatro
annos, e apenas sabia o caminho qu& conduzia ao eido do
yisinho que tinha as uvas mais maduras do que as do meu
qitintAlf que oram mais^ azedas do qué as- prppite azedai!
NSo presenciei, digo, as scenas a que se refere esta nota»
mas conhecendo todos os laços d'amizade que ligaram sem-
pre Amontn ao .«eu mestre, creio que ninguém lançará máos
olhares .^pbre os quadros em. que os mostro jnnctòs. É cef to-
que, ^ando um amigo vé o amigo intimo em estado perigo'
^jM), tisin.a restricta olnipçfto de veiar por'e]lé;«<^{^ricipal*'
naente. se o. enfermo está n'uma>isolafáo de aíTa^, como'
aquella que Garrett exprimentou nos seus últimos tempos
de.vida. » ,
NOTA XV-fPo^. 2«0
,v.«^K a^rua>âe. Sancta Isabel, etc:»
♦ . . • . . , : ■ - . . • j ■ . •: .
• Garretj^^jcqorreu na n^^de .S^i^ Is^l v TíPf* . .
«Será 9 morte do meu e$trp, eta.».
Háo de dizer alguns conhecedores do assumpto que es-
estòu tractando, que eu transpuz os ^rajos^i^a piodera^ão
ALMEIDA GARRETT 19